terça-feira, 5 de junho de 2012

Reforma Autárquica

i)Sou natural de um lugarejo - Fermil da Basto, Vila desde 2001, a 90 km do Porto, ali nas fraldas do Marão, onde já é visível o panorâmico Monte Farinha - à volta do qual existem (resistem e subsistem) freguesias que por sua vez dão para Concelhos. Conheço razoavelmente bem seu passado e presente e, apesar de distante, continuo saudosa e interessadamente a acompanhar o seu pulsar, não fora esse o meu torrão natal que, também em mim, se colou irremediavelmente à pele. Quem, aliás, consegue esquecer o seu!?
É este lugar o primeiro epicentro dessas freguesias. Aqui se realizam as feiras, nomeadamente uma anual (19 de Abril) e onde se processa o comércio, o agrícola em especial. É assim há muitos anos. Aqui existe também a gasolineira da região, cafés, restaurantes, minimercado, lojas, o comércio em geral.
Há muitos anos atrás era um lugar importante porque importantes eram as freguesias e muitas as pessoas que à sua volta gravitavam e o sustentavam.
Havia gente, muita gente; vidas, muitas vidas. Era ver as manifestações religiosas. As festas locais, as romarias regionais, convocavam e mobilizavam toda essa gente. E era bom de ver as multidões que circulavam, alegravam e davam sentido ao todo regional. Quando penso nisso, ocorre-me sempre aquele texto superiormente declamado por João Vilaret - A procissão - , que tão bem resume esses ambientes e essa época. Havia a salutar e desejada competição de freguesias, que muito contribuía para essa agitação e até frenesim entre as suas gentes.

Nos anos 60/70, em resultado de conjunturas várias, mas tendo presente a pobreza nacional com origem num Portugal salazarista fechado ao exterior e interior, à guerra colonial e à sentida falta de perspetivas futuras, começou a debandada da saga da emigração e a subsequente e crescente fuga de muita gente para o estrangeiro e para as grandes cidades, principalmente para as litorais.
A região foi fortemente atingida pelo fenómeno e aquelas freguesias outrora semeadas de gente, aos poucos começou a ficar deserta, especialmente de juventude que ou fugia da guerra ultramarina, ou da pobreza, procurando noutras geografias, nacionais e mundiais, sentido económico para a sua subsistência.
Assim começou a desertificação daquela região. Hoje nem sombra é do que foi.
É um quase deserto de pessoas, coisas e animais. A atividade agrícola, industrial, comercial ou outras, são inexistentes ou residuais.

ii)O que ali aconteceu, replicou-se inexoravelmente por todo o país, alterando em definitivo muitos locais e a suas densidades populacionais.

iii)Vem isto a propósito da reforma autárquica.
Sabemos que, nomeadamente pelos fatores que acima referi, muitas freguesias e concelhos não têm mais razão para continuar a existir com base no modelo antigo, tornando-se imperioso a sua reformulação, quer pela anulação de umas tantas quer pela criação de outras, de forma a melhor adequar as respostas do poder autárquico às necessidades das pessoas.
Se nalgum tempo da história se justificou o ainda existente quadro autárquico - Freguesias e Concelhos -, agora, em muitas regiões, claramente que assim não é, e está visivelmente desajustado. O quadro autárquico deveria ser ciclicamente revisto não direi em ciclos temporizados ou calendarizados, mas ciclos que acompanhassem a geoposição das pessoas. A nível distrital, ou porque não concelhio, deveria estar permanentemente em aberto a possibilidade dessa reformulação.
Sabemos que muitos defendem a imutabilidade do antigo modelo, não por ser o melhor para as regiões mas por razões de conveniências ou/e sobrevivências pessoais, políticas e económicas, o que é lamentável. Assiste-se, incluindo os partidos de esquerda (interessante!?), a uma defesa admirável, férrea, surpreendente e conservadora do antigo status quo.
Se até agora não houve força política - de todos os partidos - para o alterar, deveria ser aproveitada a presença da Troika, que o impôs, para o fazer.
Infelizmente essa oportunidade não vai ser aproveitada e, no geral, pouco se vai fazer, o que é um desperdício, uma oportunidade perdida. Mais uma!

iiii) Yes, we can, diriam uns; where there's a will, there's a way, diriam outros. E a autarquia de Lisboa quis e já pôs em marcha o plano da Reforma Administrativa, tendo sido já aprovado na AR. Foram eliminadas mais de metade das freguesias (de 54 para 24) e criadas novas. Não foi preciso esperar pelo poder central. Aproveitando a boleia da dinâmica oferecida pelas diretrizes da Troika, Lisboa avançou sem medo e com acordo dos outros partidos. Do que é que os outros Municípios estão à espera? Ocorrem-me vários classificativos mas fico-me, por ora, pelo de sanguessugas, parasitas e oportunistas. É risível o argumento de que lá estão para cuidar dos interesses do ‘povo’!

iiiii) Desde há bastante tempo que sou frontalmente contra a Regionalização. Os motivos, depois do que atrás digo, parecem-me óbvios: serve fundamentalmente para criar mais jobs for the boys, alimentando-se à mesa do OGE e para isso não, o meu apoio não terão. Além disso, num mundo globalizado como o nosso quanto mais dividido for o território, menos capacidade terá de se organizar em lóbi e, assim, com menos poder de intervenção fica para defender a respetiva região. Não à Regionalização pois!

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.

Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

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