terça-feira, 23 de junho de 2020

‘Bolivar’, Netflix.


Acabei de ver na Netflix ‘Bolivar’
Três temporadas, 60 episódios de +/- 50 m.
Pré-aviso: um looongo seriado.

O tema é a biografia de Simón Bolívar, o grande protagonista da mudança ocorrida na América do Sul no início do século XIX, suas causas e consequências. Está bem presente a colonização, a descolonização, as independências bem assim como outras figuras de primeiro plano envolvidas no processo. É um bio-drama onde, obviamente, é abordado o período de vida de Bolívar e ele está no centro da ação. Personalidade multifacetada que viveu a vida intensamente, apaixonadamente. São aqui salientadas suas características de homem rebelde, impulsivo, destemido, obsessivo, arrebatado, resiliente, galã, sedutor, pioneiro, aventureiro, guerreiro, estratega e Presidente (de seis países).

Mais uma vez são tratados em cinema acontecimentos com relevo e amplitude mundial e civilizacional que mudaram o rumo da história do mundo e concretamente o daquele subcontinente.
E Portugal esteve na origem e no centro dessas mudanças. Foi o primeiro e também o último a entrar e a sair de cena e de permeio 500 anos acomodaram ziguezagues nacionais e internacionais.

Corre em pano de fundo deste ’Bolivar’, como legenda suplementar:
a) a divisão do mundo entre Portugal e Espanha - Tratado de Tordesilhas (1494) celebrado em Zamora (estive lá no ano passado);
b) a independência da América do Norte em 1776 (andei por lá em 2007);
c) as ideias revolucionárias da Revolução Francesa, 1789 (andei por lá em 1989, 1990, 1999);
d) a invasão da península ibérica por Napoleão. Quem não se lembra dos generais franceses Junot, Soult e Massena que nos ‘visitaram’ entre 1807 e 1813?;
e) o arrefecimento mundial do ímpeto colonial, formalmente terminado em 1999 com a entrega de Macau à China (andamos sempre a tropeçar com a China!). Quem não se lembra das últimas imagens do (i)último arriar da bandeira (está na Liga dos Combatentes desde 2016)?; da (ii)destruição do brasão de armas da fachada do edifício da Assembleia de Macacu?; da iii)postura ereta, comprometida e alinhada(?) de Portugal perante sua história e perante o mundo, protagonizada pelo general Rocha Vieira quando recolhe, abraça e guarda junto ao peito a bandeira (lembrado recentemente pelo próprio no dia do falecimento de Stanley Ho)?
f) o ambiente revolucionário vigente em alguns países especialmente na Venezuela e em Cuba (andei por lá em 2008), onde Bolivar é recorrentemente avocado.

Na minha abortada e adiada sine die viagem de abril deste ano àquela área - Argentina, Patagónia, Chile - tinha-a antevisto assim (para quem tenha teeeempo e a paciêêêência de Jó):

https://docs.google.com/document/d/1FXLiPxn2rcpABue6k-dyNnJ7XWv1HQVX1dRCW5aMquA/edit?usp=drivesdk

Voltando ao ‘Bolívar’ e ao filme.
(esta conversa está como a das cerejas: mais uma, mais uma...)
Uma surpresa!
Estamos perante uma opção nova, para mim, da Netflix. A narrativa é abordada no formato telenovela (a expressão é minha) ao estilo não brasileiro mas mexicano/colombiano.
Embora me tivesse impacientado e enfadado com a minúcia do relato e com o amadorismo da sua realização  em geral, resisti-lhes a favor do melhor conhecimento e incursão pelos detalhes da época. Esta circunstância abriu espaços que aproveitei para observar outras vertentes que normalmente uma realização mais densa não propicia.
Mas refiro que muitas vezes ultrapassou os meus limites, embora na parte final se tenha redimido um pouco ao evoluir para uma estética mais fina e dramatização mais trabalhada.
  • A captação de imagens exteriores tem uma luminosidade fantástica, repletas de vivacidade;
  • O colorido aberto, garrido do guarda-roupa remete-nos para o que sabemos serem as cores das vestes das gentes daquela área do globo e o da época ilustra-a bem;
  • A banda sonora não surpreende mas é interessante e adequada;
  • O lado bucólico, campesino e lento da época está bem retratado;
  • A direção de atores fica muito aquém da onda modernista a que estamos habituados: há gaps notórios dos atores fora do primeiro plano; e aos de cena falta-lhes intensidade, autenticidade e carisma, ou seja interpretação;
  • Há ambiente romântico - era do romantismo - e algum glamour ao jeito da, ainda distante, belle epoque;
  • O sript é um repositório light do que a história comum consagrou, ou seja, não conflita opiniões.
    • a Netflix tem de agradar a muitos espectadores…
Sendo que do somatório dos critérios eleitos ou possíveis, resulta um relaxado passatempo em noites de pandemia.

E Bolívar tem, por mérito próprio, lugar na História, goste-se ou não dele. Ainda hoje é um símbolo identitário de praticamente todo aquele subcontinente.

Fica a ‘dica’.

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