quarta-feira, 28 de maio de 2014

"CEM ANOS DE SOLIDÃO", de Gabriel Garcia Marquez (GGM)

1.
a)
Principalmente depois da morte do seu autor, Gabriel Garcia Marques (GGM) (14ABRI’2014) o meu interesse e até entusiasmo para ler este livro disparou definitivamente e tornou-se inadiável.
Era sim uma leitura adiada mas perfeitamente pendente. Sentia uma necessidade imperiosa de o ler.
Sei que no ranquing mundial da preferência dos leitores pelos seus livros, este - ‘100 Anos de Solidão’ -, seguido do ‘Amor em tempo de cólera’
(http://dinamico-dinamico.blogspot.pt/2013/06/o-amor-nos-tempos-de-colera-de-gabriel_15.html), está destacadamente em primeiro lugar. Também sei que foi este não só o seu ‘Grande Livro’ como também aquele que lhe abriu a porta do Nobel, e, no meu entender, ainda bem, com inteira justiça. GGM a par de outros escritores da américa latina aportam à literatura mundial o lado humano com uma dimensão claramente superior à de outros oriundos de países mais ricos ou ocidentalizados. Os escritores desta parte do planeta são motivados pelas realidades sociais, económicas e estatutárias dos seus países perpassando pelos seus escritos um certo grito de revolta e de alerta pelo que por lá se passou, passa e, sabemos, continuará a passar-se. Sabendo disso, que num futuro longo continuarão a ser países ex-colonizados ou colonizados mesmo, vão fazendo avisos aos líderes mundiais que conduzem os nossos destinos, tentando redirecionar e recentrar as suas políticas para as pessoas.
b)
Um outro exemplo destas envolvências e alertas humanizadoras está a ser-nos dado pelo atual Papa Francisco, ele também nascido nessa banda do globo (Argentina). Com a sua eleição e sua prática doutrinal e ecuménica, está a ser mais valorizado o lado humano das sociedades. Os líderes políticos mundiais estão mais tensos e sentem-se mais manietados na suas ações estando a retardar a implementação das tradicionais e sempre tentadas políticas extrativas por temerem estar a governar contra a onda por aqueles protagonizada. Algo, portanto, aquelas pessoas estão a conseguir: tornar o homem o centro de tudo, o mais importante. Chega? Obviamente que não, mas, step by step, o caminheiro segue sua viagem. O caminho faz-se caminhando, alguém dizia.   
c)
Alguma gente abafa, revoltada, o impulso espontâneo de manifestação contra o fato de GGM ter aderido e ter promovido políticas de esquerda e ter tido amigos dessa área, o mais visível dos quais Fidel Castro. Como poderia ser de outra maneira, pergunto? Como poderia GGM obliterar da sua vida, as vidas da sua família, do seu povo, das suas gentes e dele próprio?
Já estive na terra de Fidel e pude apreciar in loco as possibilidades que aquele regime tem de singrar nos nossos dias e digo que é impossível (já o disse noutro apontamento aqui mesmo neste blog (http://dinamico-dinamico.blogspot.pt/2010/02/cuba-fui-la-ver.html). Disse e digo também que as suas gentes, gerações, (desde 1959) estão a passar por maus momentos por causa disso. Porém, e no caso cubano, estamos perante um exemplo (cada vez mais raro) de exagero. Se descontarmos o excessivo temos de dizer que as políticas de esquerda valorizam mais as pessoas. Têm-nas no centro das suas preocupações. E isso é importante que se continue a defender. Outra coisa é a teimosia, o hermetismo com que alguns países as implantam e sustentam, ‘orgulhosamente sós’, e para esses vai o meu desacordo.  

2.
Aqui deixo a minha homenagem póstuma a um Homem que compreendeu e trouxe mais para o centro do palco da política mundial o presente e muito futuro das sociedades e muitas idiossincrasias do homem, oferecendo-no-las com um ‘realismo mágico’ que entusiasmou e modelou gerações.
Um abraço latino para GGM.

3.
E agora o livro.
A leitura deste livro inspira, abre os horizontes e aporta à literatura em geral uma nova abordagem e roupagem. A expressão ‘Realismo Mágico’ atribuído à obra de GGM e principalmente a este s/ livro ‘100 Anos de Solidão’, é uma expressão feliz que aceito sem reservas, por fazer uma boa síntese da sua obra.
Não esquecendo suas origens latino-americanas e destacando a sociedade de praticamente toda a américa do sul, acrescenta-lhe uma dimensão nova que a torna mais apetecível de ler e conhecer, e nos coloca mais próximos desses povos. Não pinta os seus quadros literários apenas com as cores escuras com que alguns outros o fazem mas, mantendo-os, acrescenta-lhes um colorido mágico ou irreal – pró-psicadélico – a que todos somos sensíveis. Ler este seu livro, apesar do que antes disse, é, não obstante, exigente. Quero dizer com isto que para podermos entrar em pleno no seu mundo ‘real/mágico’ obrigamo-nos a algum isolamento para uma melhor concentração, evitando a distração. A concentração é indispensável para que o leitor não descarrile ou se perca nos caminhos, novos a cada passo, que GGM delineou e por onde nos conduz.
Ao ler que para o escrever se isolou e demorou 18 meses a concluí-lo, admito que não lhe terá sido fácil manter-se alheado das novidades do mundo e ao mesmo tempo incluí-lo em cada página; ou então já tinha do mundo uma ideia tão minuciosa, abrangente e conclusiva que se limitou a dar forma de letra ao muito que seu cérebro tinha trabalhado e s/ memória arquivado. Da primeira à última linha a sua concentração é total; até parece que o escreveu num só dia de tão coerentes serem a narrativa e as imagens ou figuras de estilo com que brilhantemente emoldura, recheia e complementa cada ideia. 
As cenas de promiscuidade e incesto inseridas fazem lembrar o filme de boa memória ‘Feios, Porcos e Maus’ de Ettore Scola. A ambiência é muito similar.
Obra sem data, intemporal em que muitas características do ser humano são não só lembradas como destacadas.
É um livro bem recebido universalmente pois contém (como diz no verso da capa) uma boa parte dos ingredientes que animam e impulsionam a vida do homem, do Pólo norte ao sul, de leste a oeste: ‘milagres, fantasias, obsessões, incestos, adultérios, rebeldias, descobertas e condenações e ainda o mito e a história, a tragédia e o amor’.

De todas as vezes que ouvia de alguém referências a este livro ‘100 Anos de Solidão’, notava que poucos o faziam com o entusiasmo que (pelo menos que eu) esperava. As suas expressões lidas nas suas reações faciais, eram (são) indefinidas. Ficava a (in) expressão como que em suspenso, contida ou inconclusiva e não entendia (antes de ler este livro) exatamente porquê.
O sucesso mundial deste livro foi tal que neutralizou ou mesmo anulou a espontaneidade de opinião. Esmagou-a. Até na edição deste livro isso é verificável (Publicações Dom Quixote). Normalmente as capas e contracapas são profusamente recheadas de opiniões de leitores; aqui não, nenhuma.
E, das duas uma, ou porque não têm coragem de opinar face à grandeza esmagadora da obra e do seu autor ou, e inclino-me mais para a que vou referir a seguir, porque não consigam encontrar a forma adequada. E isto tem a ver, a meu ver, mais com a inclusão do lado ‘mágico’ do que com a evolução da narrativa do lado do ‘realismo’. É que, nem sempre é fácil absorver por inteiro esse lado mágico, de tão inesperado e intenso que é. É corajoso dizê-lo mas por vezes há ‘magia’ a mais, quiçá relacionada com o enorme pendor para o místico que as gentes da América Latina assumem no seu dia-a-dia. Faz parte intrínseca das suas vidas.
Pode haver ainda uma outra que a explique pelo lado do intimismo que envolve a obra. Admito que não se queira simplesmente partilhar a intimidade vivida, reservando-a em exclusivo para o próprio.
Mas, quem sou eu para ousar beliscar esta obra? Tenho até alguns pruridos em comentar GGM e em particular este livro.
Entendo ser um livro que espelha e dá extensão à complexidade do comportamento do ser humano em muitas das variáveis que o animam.
Entendo assim o porquê da atribuição do Nobel a GGM através deste seu livro: a complexidade do ser humano em livro.

GGM é um brilhante contador de histórias interessantes, com um domínio singular das idiossincrasias do homem.

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