1.
a)
Principalmente depois da morte do seu autor, Gabriel Garcia Marques
(GGM) (14ABRI’2014) o meu interesse e até entusiasmo para ler este livro
disparou definitivamente e tornou-se inadiável.
Era sim uma leitura adiada mas perfeitamente pendente. Sentia uma
necessidade imperiosa de o ler.
Sei que no ranquing mundial da preferência dos leitores pelos seus
livros, este - ‘100 Anos de Solidão’ -, seguido do ‘Amor em tempo de cólera’
(http://dinamico-dinamico.blogspot.pt/2013/06/o-amor-nos-tempos-de-colera-de-gabriel_15.html), está destacadamente em primeiro lugar. Também sei que foi este não só o seu
‘Grande Livro’ como também aquele que lhe abriu a porta do Nobel, e, no meu
entender, ainda bem, com inteira justiça. GGM a par de outros escritores da
américa latina aportam à literatura mundial o lado humano com uma dimensão
claramente superior à de outros oriundos de países mais ricos ou
ocidentalizados. Os escritores desta parte do planeta são motivados pelas
realidades sociais, económicas e estatutárias dos seus países perpassando pelos
seus escritos um certo grito de revolta e de alerta pelo que por lá se passou,
passa e, sabemos, continuará a passar-se. Sabendo disso, que num futuro longo
continuarão a ser países ex-colonizados ou colonizados mesmo, vão fazendo
avisos aos líderes mundiais que conduzem os nossos destinos, tentando
redirecionar e recentrar as suas políticas para as pessoas.
b)
Um outro exemplo destas envolvências e alertas humanizadoras está a
ser-nos dado pelo atual Papa Francisco, ele também nascido nessa banda do globo
(Argentina). Com a sua eleição e sua prática doutrinal e ecuménica, está a ser
mais valorizado o lado humano das sociedades. Os líderes políticos mundiais
estão mais tensos e sentem-se mais manietados na suas ações estando a retardar
a implementação das tradicionais e sempre tentadas políticas extrativas por
temerem estar a governar contra a onda por aqueles protagonizada. Algo,
portanto, aquelas pessoas estão a conseguir: tornar o homem o centro de tudo, o
mais importante. Chega? Obviamente que não, mas, step by step, o caminheiro
segue sua viagem. O caminho faz-se caminhando, alguém dizia.
c)
Alguma gente abafa, revoltada, o impulso espontâneo de manifestação
contra o fato de GGM ter aderido e ter promovido políticas de esquerda e ter
tido amigos dessa área, o mais visível dos quais Fidel Castro. Como poderia ser
de outra maneira, pergunto? Como poderia GGM obliterar da sua vida, as vidas da
sua família, do seu povo, das suas gentes e dele próprio?
Já estive na terra de Fidel e pude apreciar in loco as
possibilidades que aquele regime tem de singrar nos nossos dias e digo que é
impossível (já o disse noutro apontamento aqui mesmo neste blog (http://dinamico-dinamico.blogspot.pt/2010/02/cuba-fui-la-ver.html).
Disse e digo também que as suas gentes, gerações, (desde 1959) estão a passar
por maus momentos por causa disso. Porém, e no caso cubano, estamos perante um
exemplo (cada vez mais raro) de exagero. Se descontarmos o excessivo temos de
dizer que as políticas de esquerda valorizam mais as pessoas. Têm-nas no centro
das suas preocupações. E isso é importante que se continue a defender. Outra
coisa é a teimosia, o hermetismo com que alguns países as implantam e
sustentam, ‘orgulhosamente sós’, e para esses vai o meu desacordo.
2.
Aqui deixo a minha homenagem póstuma a um Homem que compreendeu e
trouxe mais para o centro do palco da política mundial o presente e muito futuro
das sociedades e muitas idiossincrasias do homem, oferecendo-no-las com um
‘realismo mágico’ que entusiasmou e modelou gerações.
Um abraço latino para GGM.
3.
E agora o livro.
A leitura deste livro inspira, abre os horizontes e aporta à
literatura em geral uma nova abordagem e roupagem. A expressão ‘Realismo
Mágico’ atribuído à obra de GGM e principalmente a este s/ livro ‘100 Anos
de Solidão’, é uma expressão feliz que aceito sem reservas, por fazer uma boa
síntese da sua obra.
Não esquecendo suas origens latino-americanas e destacando a
sociedade de praticamente toda a américa do sul, acrescenta-lhe uma dimensão
nova que a torna mais apetecível de ler e conhecer, e nos coloca mais próximos
desses povos. Não pinta os seus quadros literários apenas com as cores escuras
com que alguns outros o fazem mas, mantendo-os, acrescenta-lhes um colorido
mágico ou irreal – pró-psicadélico – a que todos somos sensíveis. Ler este seu
livro, apesar do que antes disse, é, não obstante, exigente. Quero dizer com isto
que para podermos entrar em pleno no seu mundo ‘real/mágico’ obrigamo-nos a
algum isolamento para uma melhor concentração, evitando a distração. A
concentração é indispensável para que o leitor não descarrile ou se perca nos
caminhos, novos a cada passo, que GGM delineou e por onde nos conduz.
Ao ler que para o escrever se isolou e demorou 18 meses a
concluí-lo, admito que não lhe terá sido fácil manter-se alheado das novidades
do mundo e ao mesmo tempo incluí-lo em cada página; ou então já tinha do mundo
uma ideia tão minuciosa, abrangente e conclusiva que se limitou a dar forma de
letra ao muito que seu cérebro tinha trabalhado e s/ memória arquivado. Da
primeira à última linha a sua concentração é total; até parece que o escreveu
num só dia de tão coerentes serem a narrativa e as imagens ou figuras de estilo
com que brilhantemente emoldura, recheia e complementa cada ideia.
As cenas de promiscuidade e incesto inseridas fazem lembrar o filme
de boa memória ‘Feios, Porcos e Maus’ de Ettore Scola. A ambiência é muito
similar.
Obra sem data, intemporal em que muitas características do ser
humano são não só lembradas como destacadas.
É um livro bem recebido universalmente pois contém (como diz no
verso da capa) uma boa parte dos ingredientes que animam e impulsionam a vida
do homem, do Pólo norte ao sul, de leste a oeste: ‘milagres, fantasias,
obsessões, incestos, adultérios, rebeldias, descobertas e condenações e ainda o
mito e a história, a tragédia e o amor’.
De todas as vezes que ouvia de alguém referências a este livro ‘100
Anos de Solidão’, notava que poucos o faziam com o entusiasmo que (pelo menos
que eu) esperava. As suas expressões lidas nas suas reações faciais, eram (são)
indefinidas. Ficava a (in) expressão como que em suspenso, contida ou inconclusiva
e não entendia (antes de ler este livro) exatamente porquê.
O sucesso mundial deste livro foi tal que neutralizou ou mesmo
anulou a espontaneidade de opinião. Esmagou-a. Até na edição deste livro isso é
verificável (Publicações Dom Quixote). Normalmente as capas e contracapas são profusamente recheadas de
opiniões de leitores; aqui não, nenhuma.
E, das duas uma, ou porque não têm coragem de opinar face à
grandeza esmagadora da obra e do seu autor ou, e inclino-me mais para a que vou
referir a seguir, porque não consigam encontrar a forma adequada. E isto tem a
ver, a meu ver, mais com a inclusão do lado ‘mágico’ do que com a evolução da
narrativa do lado do ‘realismo’. É que, nem sempre é fácil absorver por inteiro
esse lado mágico, de tão inesperado e intenso que é. É corajoso dizê-lo mas por
vezes há ‘magia’ a mais, quiçá relacionada com o enorme pendor para o místico que as gentes da
América Latina assumem no seu dia-a-dia. Faz parte intrínseca das suas vidas.
Pode haver ainda uma outra que a explique pelo lado do intimismo
que envolve a obra. Admito que não se queira simplesmente partilhar a
intimidade vivida, reservando-a em exclusivo para o próprio.
Mas, quem sou eu para ousar beliscar esta obra? Tenho até alguns
pruridos em comentar GGM e em particular este livro.
Entendo ser um livro que espelha e dá extensão à complexidade do
comportamento do ser humano em muitas das variáveis que o animam.
Entendo assim o porquê da atribuição do Nobel a GGM através deste
seu livro: a complexidade do ser humano em livro.
GGM é um brilhante contador de histórias interessantes, com um
domínio singular das idiossincrasias do homem.