Sem grande alarido, por desnecessário, a noite de São João foi chegando como uma lembrança agendada que chega ao fim e que traz na embalagem algo de ‘inevitavelmente’ a fazer, primeiro, para, depois, dar lugar à elaboração de um programa capaz de animar o folião e justificativo da longa espera.
Nas antevésperas escreveram-se as quadras ao Santo, regaram-se os manjericos, ‘perfumou-se’ o alho porro e a cidreira, encomendaram-se as sardinhas vivinhas e os pimentos, temperaram-se as febras e as bifanas;
montou-se o grelhador e comprou-se o carvão;
enfeitou-se o pátio e experimentou-se a iluminação;
subiram-se os adereços;
os palcos quase prontos, da estereofonia vai saindo: alô, alô 1, 2, 3 experiência;
os artistas da noite pigarreiam as gargantas para clarear a voz e driblam os últimos passes de dança;
afinam-se os instrumentos e testa-se o som.
Tudo visto e revisto: nada pode falhar.
Chegou o dia.
Vamos p’ra noite.
montou-se o grelhador e comprou-se o carvão;
enfeitou-se o pátio e experimentou-se a iluminação;
subiram-se os adereços;
os palcos quase prontos, da estereofonia vai saindo: alô, alô 1, 2, 3 experiência;
os artistas da noite pigarreiam as gargantas para clarear a voz e driblam os últimos passes de dança;
afinam-se os instrumentos e testa-se o som.
Tudo visto e revisto: nada pode falhar.
Chegou o dia.
Vamos p’ra noite.
‘da Ribeira até à Foz’, aconselha o cantor.
Quisemos mais e, numa nova experiência sanjoanina, desenhamos um roteiro mais ambicioso: de Matosinhos até ao Metro da Trindade, pelas marginais.
Quisemos mais e, numa nova experiência sanjoanina, desenhamos um roteiro mais ambicioso: de Matosinhos até ao Metro da Trindade, pelas marginais.
Talvez porque o sol ainda fosse alto, nada na marginal marítima indiciava a grande noite: reinava um estranho alheamento, uma exagerada calmaria.
Na Foz, sim, nas primeiras tendas apregoava-se o martelinho;
as farturas fumegantes, as bifanas cheirosas, os pães com chouriço a espreitar do forno, as sardinhas prateadas e o caldo verde já ‘matavam a fome’ aos mais afoitos e o ‘fininho’ borbulhante incendiava-lhes a sede, prendendo-os às cadeiras.
as farturas fumegantes, as bifanas cheirosas, os pães com chouriço a espreitar do forno, as sardinhas prateadas e o caldo verde já ‘matavam a fome’ aos mais afoitos e o ‘fininho’ borbulhante incendiava-lhes a sede, prendendo-os às cadeiras.
Os caminheiros vindos de algures, de trajes leves e andar descontraído, começavam a preencher os espaços vazios da marginal fluvial em direção à Ribeira, carregando e brincando com os petizes rebeldes.
Ao contrário da incansável formiga a cigarra só queria folia, hoje mais que nunca. E era vê-las, vindas de todos os lados, a engrossar o carreirinho para a festa.
O percurso era longo e, antes que ficasse penoso, a sabedoria aconselha visitas frequentes aos ‘amigos’ das tasquinhas e ‘encorajamentos substanciais’ nos restaurantes e arraiais. O que fizeram sem o menor custo e com o maior gosto. E como eram porta-sim-porta-sim, tornou a caminhada bem mais curta, agradável e fareleira.
Rio abaixo, barcos rabelos furam a ponte, remexendo as águas e quebrando a pacatez deste bilhete postal um tudo-nada animado. Seus ocupantes, futuros foliões por certo, acenam alegremente para as margens contagiando a onda festeira em formação. Os barcos maiores deslizam pesadamente, sem pressas, ainda em direção à Foz. Seus passageiros, mais reservados, ‘bebem’ o fim de tarde no convés ou atrás das enormes janelas fumadas de suas cabines.
Quiçá, nem cerveja bebem!?
Quiçá, nem cerveja bebem!?
O crepúsculo ia apagando a luz do dia dando vez à aguardada iluminação de S. João.
Em terra firme, magotes dispersos sob o globo da luz dos candeeiros, refrescam as mãos numa ‘bejeca’ e olham contemplativos as brasas que sardinham o ambiente.
Mais à frente, na soleira da porta da garagem bem aberta - imitando um guarda em dia de descanso - um descamisado farfalhudo segura o cigarro mortiço numa mão, o aviva-brasas noutra enquanto zela pela mesa familiar que lá trás exibe as iguarias da noite, testando com regularidade crescente a frescura de uma nova cervejinha.
- Há mais cerveja no frigorífico? - atirou forte lá para dentro de modo a garantir o futuro imediato.
Aqui, ali e mais acolá grupos de jovens arredondam-se à volta do nada ou, saberão eles melhor que ninguém, para dar a partida ao namorico da noite de São João, selando nos brindes com as ‘lourinhas’ promessas eternas.
Já satisfeitos com os petiscos de ocasião, uma família de avós e netos, refestelados na porta de entrada, cumprimentam quem passa e acolhem sorridentes a fotografia.
Um jovem casal ansioso por mostrar à filhota ‘como deitar o balão’, ensaiava a proeza com pouca destreza e ainda menos sucesso.
Resolvi intervir com o meu douto-saber mostrando como se faz: “balão bem aberto, suporte da lamparina côncavo para dentro, chama acesa e… aguardar: o balão há-de ‘pedir’ para subir”.
Graças à dica ou não - que sei eu? - lá se foi o ‘sobe sobe balão sobe’ seguido daquele olhar encantado e ternurento da menina que o continuava a prender como se dos seus olhos azuis saísse a outra ponta do fio do papagaio. O pai orgulhoso do feito e crente da ajuda, agradeceu sorridente. Enfim, crenças.
Resolvi intervir com o meu douto-saber mostrando como se faz: “balão bem aberto, suporte da lamparina côncavo para dentro, chama acesa e… aguardar: o balão há-de ‘pedir’ para subir”.
Graças à dica ou não - que sei eu? - lá se foi o ‘sobe sobe balão sobe’ seguido daquele olhar encantado e ternurento da menina que o continuava a prender como se dos seus olhos azuis saísse a outra ponta do fio do papagaio. O pai orgulhoso do feito e crente da ajuda, agradeceu sorridente. Enfim, crenças.
No largo junto ao helicóptero, o primeiro arraial a sério: palco, cantante e bailarinas, lâmpadas tremeluzentes, iluminação a condizer, bailarico;
fogareiro em brasa-viva, chouriços a assar, sardinhas a fumegar, febras a alourar, pimentos a estalar;
as mesas enchem a praça e as gentes enchem as mesas, umas já satisfeitas, outras impacientes a aguardar pelo pitéu;
estrelejam foguetes, pirilampa e lacrimeja o fogo de artifício, rufam os tambores: é dia de festa.
fogareiro em brasa-viva, chouriços a assar, sardinhas a fumegar, febras a alourar, pimentos a estalar;
as mesas enchem a praça e as gentes enchem as mesas, umas já satisfeitas, outras impacientes a aguardar pelo pitéu;
estrelejam foguetes, pirilampa e lacrimeja o fogo de artifício, rufam os tambores: é dia de festa.
A uma centena de metros, nos bairros fronteiriços à Alfândega, tudo a postos para a grande farra: a música toca, o ‘quim barreiros’ canta, a bailarina dança e os mirones hesitantes copiam-lhe os passos; os néons atraem os indecisos que, dando uma de macho latino, não resistem em convidar uma ‘partenaire’ para um passinho de dança: ‘a menina dança ou já tem Gajo?’
A hora da apoteose final aproximava-se.
Os relógios das torres sineiras alertavam e marcavam o passo das multidões em direção à Ribeira para ver o fogo de artifício; o ponteiro grande subia imparável para a vertical onde já estava o pequeno obrigando a ritmos de marcha diferentes e movimentações em ziguezague: o desejo de conseguir ‘o lugar’ ideal era grande, com mais de um ano de tamanho para muitos.
Consta-se que houve quem se abancasse por ali horas antes…
Os relógios das torres sineiras alertavam e marcavam o passo das multidões em direção à Ribeira para ver o fogo de artifício; o ponteiro grande subia imparável para a vertical onde já estava o pequeno obrigando a ritmos de marcha diferentes e movimentações em ziguezague: o desejo de conseguir ‘o lugar’ ideal era grande, com mais de um ano de tamanho para muitos.
Consta-se que houve quem se abancasse por ali horas antes…
Enquanto se esperava pelo ‘momento’, já todos instalados nos seus lugares, apreciava-se a (in)habilidade de uns tantos deitadores de balões e, mesmo de longe, mandavam-se peritas instruções na arte de bem-deitar-balões, com a certeza de que eram seguidas à risca. Num ou noutro sim, foram, noutros nem por isso. Consequência: o balão aterrou logo ali. Acontece…
De nariz empinado, de copo numa das mãos enquanto a outra cintava romanticamente a Madame, a maioria preferiu ‘oh, patego, olh’ó balão’. O céu limpo, cheio deles, tornava-os no passatempo favorito.
Policiadas pela Polícia Marítima que à distância conveniente as protegia de intrusos, das barcaças dispersas pelo rio, saem os primeiros clarões a iluminar a noite, o Porto, Gaia e os Mirones. Num crescendo de luz e som, o estrelejar dos foguetes animou a multidão e manteve-os especados durante uns curtos 20 minutos, até ao ribombar da girandola final.
Um oooohhhh! sonoro geral, deu por encerrada a sessão.
De nariz empinado, de copo numa das mãos enquanto a outra cintava romanticamente a Madame, a maioria preferiu ‘oh, patego, olh’ó balão’. O céu limpo, cheio deles, tornava-os no passatempo favorito.
Policiadas pela Polícia Marítima que à distância conveniente as protegia de intrusos, das barcaças dispersas pelo rio, saem os primeiros clarões a iluminar a noite, o Porto, Gaia e os Mirones. Num crescendo de luz e som, o estrelejar dos foguetes animou a multidão e manteve-os especados durante uns curtos 20 minutos, até ao ribombar da girandola final.
Um oooohhhh! sonoro geral, deu por encerrada a sessão.
Estava encerrada a sessão do fogo de artifício, mas não a noite que ainda era uma criança.
Em movimentos lentos como cobras a deshibernar e desorientados sem saber como nem para onde ir a seguir - nem isso importava - a multidão começa a mexer-se em todas as direções. Da Ribeira à Av dos Aliados nem um paralelo do chão ficou à mostra. Milhares de pessoas no tradicional clima da noite de São João (e fica aqui um bem haja ao São Pedro: foi amigo - que acerte depois contas com São João) serpenteavam pelas ruas e partilhavam a convivência, a alegria, o bem-estar, o bom ambiente, a familiaridade, a segurança, a calma, a ausência de problemas.
E a noite durou até às tantas… enquanto as estrelas não se apagaram.
Os primeiros raios de sol iluminaram o caminho de muitos até casa.
E a noite durou até às tantas… enquanto as estrelas não se apagaram.
Os primeiros raios de sol iluminaram o caminho de muitos até casa.
A noite de São João no Porto é um hino a tanta coisa… à vida.
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