quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A 'Diva' e outros de José de Alencar

Numa procura de soluções alternativas que respondessem à minha necessidade básica de ler em andamento durante as minhas caminhadas, cheguei aos AudioBooks. Dos inúmeros disponíveis em Apps, selecionei para início e sem especial critério a ‘LibriVox.org’.
Em português são poucos os livros listados; de Portugal ainda menos: clássicos (dos quais já não serão reivindicados direitos autorais) e pouco mais. Pela escassez nacional, descobri alguns brasileiros. A esmo, comecei por José de Alencar - séc XIX - de quem nunca tinha lido nada; apenas conhecia seu nome referenciado por terceiros, seus compatriotas.
No rol constavam 4 que li (alguém leu para mim).

Sobre J. de A.:
José de Alencar faz parte daquela plêiades de escritores excepcionais que moldaram e ficaram para a história da literatura do século XIX. Está na linha do nosso Eça e Camilo ou Zola, lembrando ainda Vitor Hugo, de quem foi contemporâneo (de todos).

Romântico inveterado, leva e eleva as relações emocionais e comportamentais entre homem e mulher e as dos círculo das pessoas em geral que rodeiam os episódios dos seus livros, aos limites máximos da criatividade. Dominando um léxico riquíssimo, percorre com mestria apurada todos os cantos e recantos do labirinto do comportamento e sentimento humanos.

Quem de nós dirá que não terá passado já por este ou aquele episódio!? Seria monótona a vida de quem as negasse em absoluto. Não creio, aliás, que existam.

Não nos dá a conhecer do que terá sido então a vida dos ‘descamisados’; antes disseca com peculiar esmero os usos e costumes da classe média alta, da aristocracia, da burguesia e da Corte brasileira, em tudo herdeira da portuguesa e europeia.

Pelos diversos sítios por onde andei, a começar pela Europa (a de cá e a de lá), pelas 3 Américas e, sublinhadamente, África (Norte e Sul)  estive sempre atento ao posicionamento da hierarquia social e concluí, há muito, que afinal essas vidas, as dos simples, as da plebe, nunca passaram do rodapé das sociedades em todos os continentes; obviamente mais, muito mais acentuada nas Áfricas e nas Américas do centro e sul.
… nem nunca hão-de passar: vale como profecia.

Especialmente imaginativo na criação dos factos que suportam a narrativa, J. de A., surpreende o leitor também por este lado, amarrando-o ao livro numa leitura sôfrega, deleitada com os costumes e tentando adivinhar o que previu o autor: um happy ou unhappy end (estes 4 foram-se num ápice: em menos de uma semana).

Os contextos dos romances ou contos e a sua evolução é muito similar e datada, mas muito rica e colorida.

Destaco a ‘Diva’ por ter distendido o conceito a pontos que não imaginava. Com efeito dedica muitas páginas ao tema para concluir que a ‘Diva’ é alguém que é desejada/amada por muitos mas incapaz de amar.
E porquê?
Sustenta o autor a tese de que à medida que à volta da ‘Diva’ se vá formando e firmando um cortejo considerável de adoradores e aduladores, a ordem natural da sua mente e comportamento são sujeitos a pressões incontroladas que acabam por a subverter e alterar, sucumbindo-lhe. Vai subindo os degraus do pedestal empurrada e suportada pelos seus fãs que, ao não quererem que daí caia, acabam por não lhe dar chance de olhar para trás e não mais os descer. Fica, pois, aí prisioneira e sem capacidade de devolver um pouco que seja do que tanto recebe.
O trono parece conter íman que lá a agarra, tornando-o depois familiar e confortável. Graciosa e profissionalmente recebe e corresponde aos galanteios num ritual de futilidades e sonhos impossíveis que agradam e lhe agradam. Mas não o faz deliberadamente antes por incapacidade. As suas emoções e reações tornam-se da área do mundano e não mais do humano.
Ou será ao contrário?


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