sexta-feira, 29 de maio de 2015

Bélgica e Holanda, com a PLV.

I) Antevisão da Viagem
Ora aqui está uma viagem vezes sem conta adiada e concretizada agora em Abril por ser o mês em que o país oferece o melhor do seu ex-libris mundial: os campos floridos de tulipas.
Mas não é esta a única curiosidade que levo:

. Vou também tentar ver e perceber a evolução e o resultado da engenharia aplicada na conquista de terras ao mar e o seu domínio através de diques e de tecnologia inovadora. Essa conquista de terras férteis (100 m abaixo do nível do mar, diziam os manuais escolares de há 50 anos(?)), potenciaram a criação de gado bovino, do leite e dos famosos queijos que são, a par com as tulipas e demais flores, as suas grandes commodities primários exportadores;

. Quero também tentar ver e perceber como funciona, em termos comportamentais e de negócio, a pioneira liberalização ocidental do consumo de drogas;

. Quero ver e como funciona famoso porto de Roterdão;

. Quero ver in loco o que significa ser - comparado com Portugal, por exemplo - um país considerado dos 'ricos' da UE;

. Deixei para último, mas pela sua importância deveria ser o primeiro, um ponto que merece por si só uma longa crónica: facilidades fiscais concedidas a empresas que lá se sediem. Holanda e Luxemburgo são, como sabemos, países que mantêm estas liberdades fiscais numa clara e desonesta concorrência para com os outros países do clube a que pertencem, a UE em particular mas não só. Quantas empresas, portuguesas também, têm lá sediados os (apenas) seus escritórios (19 das do PSI 20), furtando-se assim ao pagamento de impostos nos seus países de origem - impostos de que tanto precisam - concorrendo desleal e injustamente com outras empresas.
A UE tarda - oxalá não lhe venha a ser fatal - em implementar normas de 'equidade fiscal'.
Mas, como disse, este é um tema que merecia um tratamento mais cuidado e que fica para outra altura.

II) Considerações previstas e imprevistas.
a) A viagem inicia-se sob uma sombra (pequena) de preocupação pois o regresso coincide com o primeiro dia de greve dos pilotos da TAP e o voo é TP.
Vamos ver o que acontece.
E também sob uma sombra bem maior que tolda ainda enormemente as mentes de quem viaja de avião: refiro-me, obviamente, ao último desastre aéreo com o avião da GermanWings, copilotado pelo louco Andreas Lubitz. A rota desta viagem, embora passando ao largo daquela outra que tantas mortes gratuitas provocou, ajuda a lembrá-la. Não obstante acredito que correrá bem.

b) Começo o apontamento desta viagem com um forte sentimento de frustração mas lateral a ela. É que no decorrer da viagem fui registando em off pequenas notas no Gmail do iPhone - sem o ter parametrizado convenientemente - guardando-os em 'rascunhos'. Apenas já em casa e com rede, descobri que nada constava em lado nenhum. Atónito e irritado até, ainda pedi à central do Gmail português, em Braga, a sua recuperação mas sem sucesso. E fico pesaroso pois esses dados permitir-me-iam uma aproximação mais viva e mais detalhada a toda a vivência experimentada. Assim, farei um esforço especial da memória (até que será bom para a exercitar), ajudado pelas fotos, para refazer a viagem.

c) Apanhamos em cheio com a anunciada e famigerada greve dos pilotos da TAP. Sabíamos que isso poderia acontecer mas minimizamos-lhe os riscos e avançamos com a cabeça metida na areia. Fizemos bem, pois se tivéssemos pensado muito não teríamos, por desventura, saído de cá, sequer.

Foi a primeira vez que fui apanhado nestas andanças. Até então aquelas imagens, tantas vezes passadas nos media, de repente tornaram-se reais; e confirmo: não é agradável. Aparte as vicissitudes sofridas e aparte a gestão das tensões no grupo excursionista - felizmente conseguido acalmar com a intervenção competente da PLV e a mediação circunstancial não menos competente de alguns elementos do grupo mais experimentados nestes imponderáveis - os dois dias a mais a que a situação obrigou, foram inteligentemente transformados em oportunidades para conhecer melhor a Holanda, sendo mais preciso, Roterdão. Passamos mais tempo em aeroportos, em comboios, em camionetas, é certo, mas este extra inesperado foi particularmente gratificante e compensador: conhecemos uma Roterdão a pé que na fórmula original não cabia. Destaco os agradáveis passeios nas Avenidas centrais, na Weena, que nos levou da bonita estação central de comboios até ao hotel onde pernoitamos; na que nos levava à interessante ponte do Cisne; na Blaak, que nos conduzia ao Markthal. A rotunda da estação central do caminho-de-ferro, a própria estação, os edifícios circundantes e os do início da Avenida, dão-nos bem a imagem de uma Roterdão moderna, constituindo o conjunto o símbolo dessa modernidade. As zonas pedonais são prazenteiramente passeáveis dando ao fim do dia a acalmia desejada após um dia agitado pelas incertezas.

Deixei para último, por mais importante, a praça do mercado - Markthal -. Digna e obrigatória em qualquer roteiro.
Ao centro, o tapete de relva verde e bem cuidado com pinceladas de canteiros florais dispersos - símbolos máximos do país -, recebe quem acaba de chegar com a naturalidade das coisas simples e belas. Ainda com essa visão relaxante na retina e influenciados por ela, o olhar bate estupefacto no edifício do mercado. Inevitavelmente a sua arquitetura e volumetria surpreende para logo nos maravilhar. Foto atrás de foto, entramos.
A estupefação aumentou. A imensa abóbada, profusamente recheada de simples motivos mercantis - a que a luz prismática do sol poente filtrada pelos imensos painéis de vidro frontais ajudava a tonificar -, dava ao teto uma cor, um brilho e um encanto psicadélico.
Era para falar no mercado e seu funcionamento (do género do nosso Bom Sucesso ou do Madrileno São Miguel) e dizer que lá comemos porções variadas de peixinho frito regados com Amstel, mas prefiro reter as recordações do edifício e da praça.
O interesse na praça não acaba aqui. Incluída na arquitetura diversificada que a cerca estão as famosas casas de cubos amarelos - e que não apreciei especialmente - e com que fecho este parágrafo, não sem antes a recomendar (a praça) a todos e à PLV, o que já fiz por outra via.

III)  Mas vamos à viagem.
A aproximação ao aeroporto de Bruxelas e à medida que o avião descia, a visão retilínea e meticulosa da divisão das zonas agrárias e a arrumação acantonada das suas aldeias suporte, dão-nos a antevisão do que mais tarde se confirmaria: um país arrumado. 'Bien propre', como diriam os franceses.

Regressarei já à Bélgica, de que tinha ideias já com 26 anos de uso, mas cuja atualização pode esperar um pouco mais.
Vou primeiro à Holanda, essa sim, era-me mais desconhecida e, por isso, mais apelativa; sobre ela tinha de facto maior curiosidade.

Entramos na Holanda vindos da Bélgica, por Roterdão. Visitamos várias cidades, as principais, e fomos aos locais historicamente significativos de forma a podermos ver em perspetiva o seu passado e tentar, através dele, percecionar a atual.

"Deus fez o mundo e o holandês fez a Holanda".
E "faz", acrescento eu. Este provérbio secular holandês, traduz bem nos dias de hoje, ainda, o envolvimento e empenho que este povo dedica à sempre renovada reconstrução do seu país.

Há mais de 150 anos (1830) estes dois países - Holanda e Bélgica - eram um só, o dos Países-Baixos; já separadas mantiveram, naturalmente, alguns traços comuns bem visíveis ainda em algumas estruturas e equipamentos datados dessa altura mas, vêem-se nos dias de hoje elementos claramente diferenciadores. Do lado Belga sobressai mais o tradicional, em coexistência pacífica com moderno: bem delineado e ecologicamente sustentado; do lado Holandês temos isto tudo mas ligeiramente menos cuidado e mais vanguardista.

Renascida das cinzas por duas vezes aquando das duas grandes guerras sobretudo da segunda, alturas em que lhe foram infligidos danos catastróficos, foram os holandeses capazes de aproveitar bem a oportunidade para, a partir do quase zero, refazer o país. (lembramos aqui o que na zona pombalina em Lisboa foi feito depois do terramoto (1755), embora em menor dimensão). Em quase todas as cidades, a par da reconstrução bem conseguida dos cais antigos, florescem como menhires gigantes um pouco por todo o lado edifícios modernos espelhando uma arquitetura inovadora e experimentalista; alguma de gosto sofrível mesmo. Localizados em áreas nobres ou novas produzem novos horizontes.

Embora, inevitavelmente, tenha sido apanhada pela bola de neve da crise geral que grassa por aí, o certo é que a Holanda está do lado de fora da bola de neve, longe do seu epicentro, e continua com PIBs altíssimos. E isso, esse conforto económico, continua a fazer dela um país apetecível. Um país que funciona e com gente resolvida e feliz.
Apesar das características do solo, os holandeses souberam ultrapassar as dificuldades inerentes e dotar o país de infraestruturas gerais invejáveis, incluindo a de transportes.

Nos detalhes dos highlights que mais abaixo elegi, estão resumidas por blocos mais opiniões que, vistas no seu conjunto, ajudam a formar a ideia com que fiquei sobre este país.

E volto à Bélgica para confirmar a afirmação inicial de um país perfeito, acrescentando, com ironia, perfeito até de mais, sentindo-se inclusive a falta do lado selvagem: 'um pouco de selvajaria não faz mal a ninguém'. Ao percorrê-la vem-nos à ideia grandes gabinetes de arquitetura azafamados na sua planificação. Qualquer canto e recanto têm mão humana.

Muito do que disse sobre a Holanda e considerando algumas particularidades de diferenciação, é aplicável à Bélgica com muito de parecido e até confundível. Até os seus PIBs são quase iguais. Não me vou por isso alongar mais.

São dois países ricos e isso vê-se por todo o lado, incluindo no dia a dia das pessoas.

IV) HihgLights


KeuKenHof
Começo por este por ser verdadeiramente o lugar que mais me encantou e mais permanece na memória e por ser aquele que melhor corresponde à visão que nos é passada do país.

As imagens paradisíacas que milenarmente nos foram sendo transmitidas pela Bíblia sobre o que seriam as belezas insondáveis e inalcançáveis dos Jardins do Éden, afinal existem: estão aqui, bem ao alcance de todos e o local chama-se Keukenhof.

Da memória saltaram de repente outros paraísos igualmente tocantes: os da nostálgica África selvagem, os da inesquecível América tropical e os da América fria, os inimagináveis asiáticos e, também, aquele nosso cantinho luxuriante das Queimadas na Madeira; com uma diferença negligenciável mas referível: o primeiro resulta da intervenção engenhosa de mão humana e os segundos mais do comportamento normal da natureza. Um e outros, felizmente, aproximam-nos dela num sentimento singelo de coabitação e pertença.

A viagem foi pensada nesta altura para poder apreciar justamente o momento alto de uma Holanda florida e tudo isso é aqui reunido, neste espaço enorme e encantador, para o deleite dos famintos. Plantadas em tempos diferentes e muitas já prontas para a colheita, a cor viva e garrida das muitas variedades de flores, dispersas em múltiplos formatos de canteiros, distribuídos criteriosamente por entre lagos límpidos, arvoredo frondoso e luxuriante, levam o visitante até elas tornando-o mais um dos seus. Os espelhos de água que saem dos inúmeros lagos duplicam os cenários; os tímidos raios de sol penetram hesitantes por entre o intervalo arbóreo, imprimindo ao conjunto um brilho exaltante. Os caminhos suaves que como veias serpenteiam pelo parque, passeiam-nos no seu seio revigorando-nos a alma.
A revisitar.

Moinhos de vento
Quem nunca ouviu falar ou nunca viu fotografias dos moinhos de vento holandeses em postais ilustrados? 
Quem lhes desconhece a utilidade?
Pois bem, como teria de ser, fomos a um local selecionado para os ver em pormenor (património da Unesco); inclusive fomos ao interior de um deles para apreciar o seu funcionamento ao vivo, depois de uma prévia exposição e explicação históricas. Disse 'o que foi' pois, como sabemos, esta técnica do séc XXVII e XVIII já está desativada tendo dado lugar aos diques de engenharia moderna, de funcionamento sensório e automático, o maior dos quais, o Afsluitdijk, com 32 kms/1932 (que não vi).
Estas gentes habituadas a viver com alguma segurança dos moinhos de vento tradicionais, parecem completamente confiantes com estas novas soluções. Os antigos, muitos não retirados, ficaram lá para inventariação histórica do país e do mundo. Continuando a dominar muitos dos horizontes, permanecem também nos imaginários de muita gente por esse mundo fora, incluindo o meu.
Também as comportas, um pouco espalhadas por todo o lado, estão lá, ainda, apenas, como documento histórico.
Interessante.

Bolsa das Flores: FloraHolland, Aalsmeer.
Se olharmos o seu funcionamento a partir do corredor aéreo estrategicamente colocado no seu interior (para turista ver), mais parece um brinquedo robótico de proporções gigantescas (220 hectares) alimentado a pilhas tipo reclame da Duracell. A distância entre a ficção e a realidade passa apenas por alguma abstração ou imaginação, fácil, aliás, de conseguir-se.
Começamos a acordar quando, chegados às salas das transações bolsistas, vemos os negócios a acontecer fazendo lembrar, porque iguais, a mais famosa das bolsas, a de Nova Iorque ou outras onde grandes fortunas mudam de mãos a cada instante. A pacatez silenciosa como acontece o negócio esconde o tamanho dos cifrões envolvidos que se adivinham de monta e o alimenta. De olhar colados aos ecrãs gigantes olhando o saltitar dos números, os dealers estabelecem a cotação diária e concretizam a compra/venda do produto.

O automatismo processual hipnotiza o curioso visitante. 
Pelas enormes portas laterais o produto da compra segue alinhado para as grandes transportadores frigoríficas que o conduzirão para destinos próximos ou aviões para os mais longínquos.
Preferi manter o tom mágico desta narrativa deixando o lado sério para o negócio em si.

Madurodam, Portugal dos pequeninos.
Foi uma surpresa o encontro com esta Holanda pequenina, com este local recheado de réplicas miniaturais de partes emblemáticas do país: um postal perfeito. E que perfeição!? E como tudo funciona bem!?... fazendo lembrar os presépios animados: aviões da KLM em manobras (só faltava descolarem); TGV que passa veloz, aparecendo de repente saído de um qualquer túnel, para se esconder por trás de uma qualquer Catedral e surpreender-nos uns minutos depois vindo de um local improvável; comboios a circular em todo o parque; auto-estradas repletas de carros e camiões; os famosos diques holandeses gerindo os fluxos da água; pontes elevatórias a darem passagem a comboios e barcos; enchendo o estádio, os fãs da 'laranja mecânica', gritam pela sua seleção; os fiéis, em procissão, aproximam-se da entrada das bonitas igrejas; barcos 'enormes' nos cais...
Um encanto!
Num piscar de olhos faz-se uma pausa no lado adulto e sério da vida e regressa-se à simplicidade e candura dos 'verdes anos'. E brincamos como então. O marido do casal amigo que comigo viajava 'provocou' um incêndio num petroleiro; vendo o fogo, corri para as bombas d'água e gritei: 'Fire', 'Fire', help! Um visitante que passava, apanhado de surpresa, hesitante mas logo sorridente pegou nas agulhetas e os três resolvemos a questão com um ar cúmplice e gargalhadas infantis.
Que sufoco!

Bairro vermelho, Amesterdão.
(no permitted photos)
Inevitavelmente, 'obrigatoriamente', fomos ao célebre Bairro Vermelho; nós e muito mais gente, uma verdadeira multidão, bem comparável à que circula na baixa do Porto em noite de S. João e todos igualmente alegres e felizes, embora animados por motivações bem diferentes. E de todas as faixas etárias, incluindo grupos escolares, estes com acompanhamento, mas todos curiosos e bem-dispostos.

Fizemo-lo numa versão noturna e numa outra de dia.  O ambiente à noite faz jus à popularidade apregoada. Para além do número incontável de mirones que alegre e livremente se passeiam pelas ruas principais do canal e perpendiculares adjacentes, com rostos iluminados pelos neóns uns, pela droga outros, pelo álcool mais uns tantos, pela natural boa disposição que o local influencia quase todos, a que se juntam piadas espontâneas e bem vernáculas saídas do imaginário mais recôndito de cada um, vemos,' finalmente vistas', as 'meninas' em exposição nas vitrinas. Neóns fluorescentes convenientemente orientados fazem sair dos brilhantes dispersos pelos seus corpos pequenos raios de luz encantatórios; peças de roupa reduzidas e cintilantes 'destapam-lhes' as partes pudicas; cabelos sedosos pendurados em cacho alongam-se pelos corpos esguios e sinuosos; cetins reluzentes e escarlates acolchoam os fundos dos minúsculos cubículos expositores; rostos angelicais e sorrisos apaixonados insinuam noites escaldantes; os 'frames' das vitrinas encaixilham-nas a preceito para mais tarde recordar.

De dia o encanto esmorece e praticamente desaparece. Sem neóns a tonificar o ambiente e sem sombras para lhe esconder os defeitos, tudo volta ao normal, ao cru do dia; apenas aqui e além uma 'menina' retardatária e mais avantajada tenta passar seus encantos. Ruas mortiças, vulgares e quase desertas desinteressam o transeunte. O comércio local mais comum incluindo sex-shops, bares e restaurantes não alicia especialmente o visitante ocasional.

Sob o ponto de vista social, vejo a existência desta atividade autorizada inserida no exercício de amplas liberdades que este país promove em vários domínios: homossexualidade, drogas, prostituição, eutanásia e aborto, e contra as quais em geral nada tenho a opor, levando à conta do experimentalismo de novas soluções sociais, que se confirmarão ou não. Este pioneirismo, se visto num contexto mais amplo, até pode considerar-se interessante e necessário porque define tendências ou as elimina.

Em Hamburgo, Alemanha, existe a famosa área de St. Pauli, Av. Reeperbahn, "milha do pecado", que acolhe o 'bairro da luz vermelha' . Quando há dois anos por lá passei mas não pernoitei, não foi possível visitá-lo. Diz quem sabe que é similar a este de Amesterdão apenas diferente no tamanho (menor), e na frequência: apenas são autorizadas entradas masculinas! Curioso!

Desconheço, apenas acompanho pela imprensa, os asiáticos, os brasileiros e outros de menor gabarito, mas quero crer que o de Amesterdão é dos mais procurados, sobretudo pelos europeus.

Museus, Basílicas, Catedrais.

Rijks, Van Gogh Museum and Basílicas e Cathedrals.
Há uns bons anos atrás Pinto Lopes, pai, enquanto Guia, defendia que conhecer um país era sobretudo conhecer a sua história e a história da sua interação com o mundo em geral, com a dos países mais vizinhos mas também com a dos mais longínquos. Minimizava a visita às cidades novas, modernas, por, justificava, serem todas bastante similares.

Achei interessante na altura este ponto de vista e, conhecidos já alguns, verifico que essa parte, a histórica, é a que constitui a coluna central de qualquer um, a que lhe dá sentido e a que deles fica mais perenizada. Quando os repensamos nos dias de hoje, por este ou por aquele motivo, nomeadamente pelo que hoje lá vai acontecendo, vem sempre ao de cima a sua inserção na linha do tempo numa tentativa da sua explicação mais contextualizada.

Mas não é totalmente como sublinhava Pinto Lopes. Tem razão quanto à arquitetura moderna e quanto às soluções habitacionais encontradas, essas sim - a dos arranha-céus (de que New York é o exemplo máximo) ou as da mega cidades satélites - são muito comparáveis mas não tanto quanto aos usos e costumes e ao dia-a-dia das pessoas. Aqui há nuances interessantes que espevitam a curiosidade. Por assim ser, foco muito da minha atenção na maneira como as pessoas gerem as suas vidas nos dias de hoje e, só depois, vou tentar entender o seu percurso histórico. Por outras palavras, primeiro vejo o lado de fora e apenas depois o de dentro: igrejas, catedrais, basílicas, museus... se houver tempo disponível, e, muitas vezes, não há ou é manifestamente insuficiente. Acrescento um exemplo: estive em Paris duas vezes, mas a cidade por fora é tão apelativa, tão densa, tão 'cidade luz' que a visita ao Louvre foi sempre adiada, sine die. Acho a cidade tão cativante por fora que continuo a preterir o Louvre.
E tantos outros casos...

Em boa verdade há bastante simultaneidade nestes dois 'looks', no antigo e no moderno, uma vez que os Guias vão pré-referindo ambos e, no final, o puzzle fica razoavelmente feito. De resto estas viagens, curtas, funcionam muitas vezes como primeiras mostras daquilo que se poderia observar melhor numa segunda, essa já mais seletiva e detalhada; houvesse disponibilidade para tal, e, mau grado meu, não há.

A Holanda não foge a estas regras e tive oportunidade de ver alguns desses 'vestígios históricos' em Igrejas, Catedrais, Basílicas, Museus e outros monumentos. As suas igrejas ou Catedrais estão no geral impecavelmente conservadas, em bom estado, não obstante algumas já não desempenharem a sua função original uma vez que - foi dito / Guia local português - que poucas pessoas as frequentam e que, antecipando-se à fatal decadência, estavam a ser utilizadas para outros fins.

Conexa à Praça Dam, Amesterdão, junto ao Plácio Real, vi numa ex-Catedral um elegante Centro Comercial a funcionar normalmente. E não me chocou até porque a traça exterior estava fiel ao original: bonita.

Vi Museus, Igrejas e Catedrais extraordinários. Refiro o museu Rijks que expõe uma galeria notável de pinturas de pintores célebres. Vi apenas um dos andares, aquele onde está exposta uma invejável coleção de Rembrandt (1606) com quadros belíssimos muitos dos quais conhecia desde sempre. Ver aqueles originais e não as reproduções repassadas, más cópias, a que me habituei ao longo dos anos, resultou num encontro feliz do imaginário com o autêntico. O museu, enquanto edifício, perfeitamente restaurado, é em si mesmo uma bela peça monumental; no átrio principal, já no seu interior, quer pelas suas dimensões, pela luz natural e intensa que jorra das claraboias que forram o teto, quer ainda por aqueles retângulos sobrepostos que, suspensos no teto, o emolduram e engrandece, mentalizam-nos para as belezas renascentistas que lá dentro encontraremos.
O Museu (Vincent) Van Gogh (1853) foi o segundo que visitei e este consegui vê-lo todo embora em ritmo acelerado. Mesmo assim, deu para apreciar alguns dos seus muitos quadros, e fixei-me em particular nos mais famosos e em especial nos dos seus auto-retratos e no do Girassóis, os originais.

Os meus conhecimentos sobre pintura não me habilitam a tecer idóneos comentários críticos; acompanho escassamente o que vai acontecendo pelo mundo sobre a matéria, elegendo os clássicos como favoritos.

Mesmo assim, Vincent Van Gogh sempre foi alguém, como pessoa mas principalmente como pintor, que acompanhei sempre de perto. Este espaço próprio feito de raiz, amplo, moderno, com que os holandeses o  homenageiam, a ele e à arte, aí concentrando muitas das suas obras, é um tributo bastante adequado que lhes prestam, tendo em conta, também, que, por esta via, há um retorno financeiro e de promoção cultural substanciais para o país. 
Outro encontro com o inesperado ocorreu na Catedral de Bruges, Bélgica, na igreja de Nossa Senhora de Brujas, perante a escultura original, em mármore de Carrara, executada por Miguel Ângelo (1504), chamada de 'La Madonna de Brujas'. Embora em obras de restauro e não tendo sido possível, por isso, ver bem a Catedral, tal não diminuiu o entusiasmo de tentar chegar perto da estátua. E foi, mais uma vez, um encontro emocionante: uma perfeição, uma eterna obra-prima. Não é comparável à Pietá da Catedral de São Pedro, mas a semelhança das formas e até da imagem e a precisão com que o cinzel percorreu o duro mármore para, descascando-o, dele ficar com ambas, torna a comparação inevitável. Ambas impressionam mas a de Roma mais.
Destaco ainda e por agora, a imponente, impressionante e belíssima Catedral de Nossa Senhora em Antuérpia. Aí, mais uma agradabilíssima surpresa, um novo encontro com o inesperado. A Catedral vale por si, como atrás referi; mas o número e qualidade de pinturas abundantemente distribuídas por toda ela em fundos escarlates, tornam-na ainda mais interessante. De entre essas pinturas procurei e encontrei quatro originais de Ruben (Peter Paul, 1626)! Dediquei-lhes especial atenção por ser Rubem o seu autor e também por já as conhecer por outras vias. O seu tamanho impressiona bem assim como os três painéis, um central e dois laterais, que compõem o conjunto.
Em suma, o encontro com a Arte, com a original, com a melhor, provoca em nós aqueles momentos raros de abstração, intemporalidade e leveza que ficam gravados a escopro no mais profundo da memória seletiva, mas mesmo à mão para dela dispormos sempre que necessário.

Anne Krank: casa

A curiosidade que levava para ver o interior da casa de Anne Frank e poder respirar um pouco do ambiente de perseguição aos Judeus perpetrado em 1940/1945, não se concretizou: vi-a apenas do exterior e de barco. A vida de Anne Frank, a parte daquela em que esteve aqui escondida e relatada no seu célebre diário, continua a apaixonar multidões, sendo inclusive - e ainda bem - livro de leitura escolar obrigatória. Este tema e personagem acompanharam-me desde sempre sendo para muitos e para mim também um dos grandes ícones a manter 'vivo' como símbolo da tragédia infligida a este povo durante a segunda guerra. As filas intermináveis de acesso à casa desaconselhou a espera e a visita, mas com pena. Passar ao largo já foi alguma coisa...

Barreiras de som nas auto-estradas.
Desconheço se em Portugal esta preocupação existe mas o que vi só não me surpreendeu por saber que são países que levam a sério a ecologia, o respeito pelo habitat e preservação da natureza. Em plena auto-estrada e com quilómetros de extensão reparei na existência de uma proteção sonora apenas para fins ambientais (não havia casas). Claro que se trata de países ricos mas, só por si, não é argumento suficiente. Esta preocupação ambiental é levada a sério.

Tolerância e Liberdade, Bruxelas.
Uma das grandes evidências que nos dá a leitura da liberdade praticada é a falta delas, das evidências; ou seja, por qualquer lugar, mais público ou menos público que se ande, não se vê a presença da autoridade, pelo menos fardada. As pessoas multi-étnicas, multi-raças e multi-origem, convivem pacificamente e sem sinais xenófobos. Refiro um exemplo curioso de tolerância e liberdade: o hotel ficava junto ao parlamento europeu e o acesso a ele é feito também por dois passadiços aéreos em túnel. Pois bem, justamente por debaixo dessas passagens e junto ao átrio da entrada principal do edifício 'encaixavam-se' - literalmente -, alguns sem-abrigo que pela sua descontração me pareceram habitueés frequentadores do local; e não vi ninguém a incomoda-los!

Post Scriptum
Vídeo-vigilância.
Houve uma informação relevante que me faltou na altura tendo dela tido conhecimento bastante depois e que pode explicar a paz social observada nos espaços públicos, sem a presença da tradicional autoridade: a video-vigilância. Ao que soube, este sistema está aplicado e em funcionamento generalizado, concretamente na Holanda.
A lei sobre a matéria é naquele país bastante aberta o que dá a CNPD local um entendimento e controlo mais permissivos e diferente da nossa, esta mais restritiva. Desconhecendo o clausulado que a diferencia, sou mesmo assim a favor de uma maior utilização destas novas tecnologias, porque mais abrangentes e mais dissuasoras.

Alimentação, ambos: Bélgica e Holanda.
Atendendo ao tipo de viagem selecionada e sabendo que a alimentação (toda incluída) é pré-negociada e as refeições têm de considerar os tempos e rotas programadas, sabíamos antecipadamente que não seria nem foi possível ficar-se com uma opinião acabada sobre a cozinha destes países; mas podemos compará-la com a de outros em idênticas circunstâncias. E, assim, pode dizer-se que em ambos fomos surpreendidos com uma cozinha cuidada, nalguns casos próxima do requinte: gourmet ou nouvelle cusine. As quantidades são q.b. mas o 'mise en scene' foi bem mais que aceitável e isso conta.
As sopas são fracas: aguadas, vegetarianas coloridas e sempre com o mesmo boquet e paladar a caldos knorr; muito longe das mediterrâneas e muito mais ainda das portuguesas que, acrescento, são as melhores que conheço. Não as apreciei de todo; melhor dito, apreciei mas não gostei. O preço do álcool é proibitivo: cerveja de 33 custa no super 4/6 €.

Curiosidades

• Povo mais alto do mundo.
• 50% da população vive sozinha.
• Antuérpia/Bélgica: Lapidação e transação de diamantes; o centro mundial por excelência da lapidação de diamantes, seguido por Israel.
• País das bicicletas.

Se a primeira curiosidade não passa disso mesmo - não vejo nisso inclusive particular vantagem antes pelo contrário -, já a segunda pode ter e tem leituras diversas e ser um tema com interesse. O guia que nos acompanhou em Amesterdão (Ricardo de seu nome, português de 55 anos, retornado Moçambicano e pessoa singular - uma figura -), ele próprio referiu, vivia sozinho.

Esta opção de vida mais praticada nos países do norte, os chamados países ricos, está a modificar substancialmente, não se sabe ainda bem em que sentido, tradições seculares muito enraizadas em muitas sociedades. A explicação para o fenómeno não foi adiantada pelo Guia não sei se por desconhecimento se por falta de tempo. Vou manter este tema em aberto para o tentar entender. Do que observei, não me pareceu estar em causa a sua capacidade de socialização nos espaços públicos - normalíssima, diga-se -, carecendo de melhor explicação a sua preferência pela solidão inter-portas. A mim, causa-me estranheza e até perplexidade; não consegui descortinar ainda das razões que os animam. Pessoalmente, enquanto ser autónomo e pensante e à luz da minha vivência, não lhe encontro sentido.

Razões de adaptabilidade?
Viver em partilha, ninguém dirá o contrário, não é linear, é até muito exigente, mas até podemos dizer simultaneamente estimulante. Há dias 'coloridos' de ambos os lados, com sinal mais e com sinal menos, mas as árvores não têm apenas bonitas copas, muitas têm no interior excelentes frutos suculentos que é necessário ir lá buscá-los.
Um destes dias passou na Net (a net pode não ser tão nefanda como dizem alguns) um vídeo de um noivo lendo um texto para sua amada em dia de casamento.
Descontando o 'glamour' do dia, aparentava saber exatamente o que o esperava e mesmo assim optou pelo sim. Enlevado pelo momento dizia: '...mantenha-se exatamente como você é pois isso me motivará a dar atenção ao detalhe do momento e isso evitará a rotina preenchendo melhor o nosso dia...'
Que amplitude terão para estes povos as relações familiares quer com a mais chegada quer com a mais alargada? Seria interessante saber quantas pessoas destes países se interessam pela árvore genealógica!

Razões económico-financeiras?
Não sei até que ponto mas admito que sim, que conte.
Há 4/5 anos quando andei pelos outros países nórdicos, no exemplo que aqui quero referir a Noruega - o país mais rico do mundo - mencionou a Guia local a propósito deste assunto o seu caso pessoal. Mulher para 44/45 anos e mãe de, para não errar, 3/5 filhos. Confirmou que os mais velhos já não viviam com ela desde os 18 e que, financeiramente, era o estado que os suportava e isso lhe dava, acrescentou satisfeita, mais liberdade pessoal para viver sua própria vida.

Ou seja, e voltando à Holanda, um país também rico, razões de igual natureza confortam a sua população impulsionando-os para o experimentalismo de novas soluções de vida.

Razões para o suicídio.
A Bélgica está a meio da tabela das taxas de suicídio mundiais: 21/1.000 (a Holanda bastante menos, equiparada a Portugal, 8/1.000).
Porquê?
O conforto financeiro excessivo ou a maior ausência de fortes vínculos familiares não o explicarão?
Estará nas liberdades experimentalistas (excessivas!?) e na exígua normalização legal alguma explicação?
Evidentemente o tema é complexo e não fiquei com pistas evidentes para acrescentar ao rol de eventuais respostas, pelo que vou deixá-lo na pasta dos assuntos a tratar.

V) Em jeito de balanço.
Voltando ao início deste apontamento e às questões que levava em carteira para melhores esclarecimentos durante a viagem, resulta claro do que fui dizendo, que nem todas foram respondidas e as que foram, foram-no bastante superficialmente. Justifica-se pois mantê-las em aberto para adicionar conhecimentos ou refrescamentos continuados. Não obstante, ver as coisas nos próprios locais, 'ao vivo e a cores', tem um valor acrescentado enorme que influenciarão doravante o ponto de observação: a partir dos olhos que viram o original, os meus.
Mas, por outro lado, as perspetivas e abrangências não ficaram diminuídas, pelo contrário foram redimensionadas para uma outra escala bem maior e também bem mais interessante, como atrás tentei deixar dito.

Vale a pena a viagem à Holanda / Bélgica? Indubitavelmente, Sim.


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