1.
Ali,
na Av. Montevidéu, no jardim acabado de renovar junto à praia do Homem do Leme,
existe um coreto, algo tosco, ou para quem queira, um observatório panorâmico
para contemplar o mar. Se não é, parece e pode ser usado como tal.
Um dia
destes subirei lá para ver o que dali o mar oferece de diferente e
interessante.
Numa das minhas matinais caminhadas diárias alternativas, desta vez pela orla marítima e fluvial até à Ponte da Arrábida, já de regresso pelas 11:00H, a uns bons 100m de distância do coreto, o som de uma música tradicional portuguesa começou longinquamente a chegar até mim.
À medida
que me aproximava os sons iam ficando mais audíveis e definidos. Identifiquei:
'Oh Laurindinha vem à janela'.
Curioso e
intrigado pela inusitada escolha musical, fui avançando e, em breve, já
trauteava a conhecida cantiga popular. Não parei para não perturbar a sua
execução mas refreei o passo para, durante mais tempo, a poder apreciar e
acompanhar.
Em passo
lento captei o cenário: um desconhecido - se calhar ilustre - munido de uma
gaita-de-foles, altivo, de peito aberto e perscrutando o além-mar, soltava a
melodia ao vento, a 'plenos pulmões'. Dos foles da sua gaita saía uma alma
lacrimosa ou uma alegria aprisionada. Continuei de mansinho respeitando seu carpir.
A quem era
destinada? A ele próprio? À sua amada? Ao puro prazer do exercício da
liberdade? Mistério que fica por desvendar.
Ao deixar
de ouvir, estuguei o passo mas o episódio insólito ficou registado.
2.
Era eu
rapaz, menino de 7,8 anos, morava num lugarejo de nome Atães, Fermil, Celorico
de Basto (hoje pertença de familiares).
Era verão,
altura das festas e romarias. Era já noite alta, talvez 23:00H, e, por ser
verão, dormiria mais tarde.
Por volta
dessa hora, um dos músicos da banda local (nunca soube quem) regressava a
casa depois de um dia de folia pela estrada, ainda em Macadame, que serpenteava pela
região.
Talvez
animado ou inspirado pelo fim de festa, parou na curva de uma encosta a que
chamávamos 'saibreira', justamente em frente à minha casa e, tirando seu clarim
da caixa, soltou 'El Silencio'. Aquele som surpreendente e mavioso, ecoou e
reverberou por aquele imenso vale que infindava dos pés da encosta, perfurando
o escuro da noite, abrilhantando ainda mais o intenso mas suave luar de Agosto
e retemperando a canícula daquele verão.
As
orquestras dos grilos e das corujas, pasmadas com esta nova melodia, pararam as
suas sinfonias e placidamente foram adormecendo e sonhando com esta música que
amanhã ensaiariam.
... ainda hoje aquele som chega até mim.
... ainda hoje aquele som chega até mim.
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