domingo, 11 de janeiro de 2015

O Coreto

1.
Ali, na Av. Montevidéu, no jardim acabado de renovar junto à praia do Homem do Leme, existe um coreto, algo tosco, ou para quem queira, um observatório panorâmico para contemplar o mar. Se não é, parece e pode ser usado como tal.
Um dia destes subirei lá para ver o que dali o mar oferece de diferente e interessante.

Numa das minhas matinais caminhadas diárias alternativas, desta vez pela orla marítima e fluvial até à Ponte da Arrábida, já de regresso pelas 11:00H, a uns bons 100m de distância do coreto, o som de uma música tradicional portuguesa começou longinquamente a chegar até mim.
À medida que me aproximava os sons iam ficando mais audíveis e definidos. Identifiquei: 'Oh Laurindinha vem à janela'.
Curioso e intrigado pela inusitada escolha musical, fui avançando e, em breve, já trauteava a conhecida cantiga popular. Não parei para não perturbar a sua execução mas refreei o passo para, durante mais tempo, a poder apreciar e acompanhar.
Em passo lento captei o cenário: um desconhecido - se calhar ilustre - munido de uma gaita-de-foles, altivo, de peito aberto e perscrutando o além-mar, soltava a melodia ao vento, a 'plenos pulmões'. Dos foles da sua gaita saía uma alma lacrimosa ou uma alegria aprisionada. Continuei de mansinho respeitando seu carpir.
A quem era destinada? A ele próprio? À sua amada? Ao puro prazer do exercício da liberdade? Mistério que fica por desvendar.
Ao deixar de ouvir, estuguei o passo mas o episódio insólito ficou registado.

2.
Era eu rapaz, menino de 7,8 anos, morava num lugarejo de nome Atães, Fermil, Celorico de Basto (hoje pertença de familiares).
Era verão, altura das festas e romarias. Era já noite alta, talvez 23:00H, e, por ser verão, dormiria mais tarde.
Por volta dessa hora, um dos músicos  da banda local (nunca soube quem) regressava a casa depois de um dia de folia pela estrada, ainda em Macadame, que serpenteava pela região.
Talvez animado ou inspirado pelo fim de festa, parou na curva de uma encosta a que chamávamos 'saibreira', justamente em frente à minha casa e, tirando seu clarim da caixa, soltou 'El Silencio'. Aquele som surpreendente e mavioso, ecoou e reverberou por aquele imenso vale que infindava dos pés da encosta, perfurando o escuro da noite, abrilhantando ainda mais o intenso mas suave luar de Agosto e retemperando a canícula daquele verão.
As orquestras dos grilos e das corujas, pasmadas com esta nova melodia, pararam as suas sinfonias e placidamente foram adormecendo e sonhando com esta música que amanhã ensaiariam.
... ainda hoje aquele som chega até mim.

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