“Uma Viagem na Coreia do Norte”
Comecemos pela forma:
Linguagem rugosa, com arestas, literáriamente menos cuidada, escrita como que aos soluços, ao correr da pena, como quem fala.
É o seu estilo. Embora prefira outros, é mais um, o seu: nada contra.
E agora o conteúdo:
Todavia bem capaz de transmitir o que pretende, e acrescento, com um realismo iluminado, tocante e incómodo.
Retrato do país bem pormenorizado e conseguido em que se fica com a ideia bem clara da teia dos 'esquemas' instalados, todos laboratorialmente preparados e cirurgicamente implementados, visando o controlo total e absoluto de todo e qualquer movimento das populações, por muito irrelevante que possa parecer. Antecipam os seus comportamentos enclausurando-as em túneis pré-preparados.
Os requintes de malvadez com que preparam os cenários anti-americanos, anti-exterior, anti-ocidental, atingem o inimaginável: vale tudo!
A arte da dissimulação é levada ao extremo: tudo é falso.
Vivem 'orgulhosamente sós' (expressão de má memória para os portugueses), penosa e pobremente sós, dramaticamente sós, desconhecendo os direitos humanos consagrados e os efeitos benéficos das tecnologias - velhas e novas - que tornam a vida das pessoas mais fáceis e agradáveis.
Em cada palavra, em cada frase, JLP perpassa desprezo, sarcasmo e repulsa por tudo o que vê, exceção apenas para quando observa o comportamento inocente das crianças, sensível a elas por se lembrar dos próprios filhos e exceção também para a vida triste das pessoas comuns, de posturas apáticas, melancólicas; como zombies.
Admito que para aqueles cidadãos, vivendo desde há muitas gerações em dependências tuteladas - outrora por colonizadores e agora pelo regime -, completamente isolados do exterior -, não lhes seja possível ambicionar e consequentemente lutar por um outro regime alternativo, porque desconhecido.
Se visto com olhos ocidentais, de pessoas livres, torna-se irrespirável e execrável a sua existência e a sua continuidade.
É com profunda tristeza que se olha para o modus vivendi destas pessoas e revolta visceral para com os seus dirigentes.
Depois de uma visita recente a Cuba onde o regime é similar a este, diferente apenas por, no mínimo, lá chegarem outras influências principalmente através do turismo, deixei então aqui mesmo neste blog as minhas impressões pessoais. Aí ficou claro o meu desprezo e repulsa por estes regimes e pena das pessoas que no caso, sabendo, não foram ainda capazes de o mudar, embora lutando.
Não é justo nem aceitável o que por aí acontece. Para o proveito de uns tantos, muitos outros, a maioria, sofre!
Ainda bem que pelo menos o clima é quente mitigando de alguma forma o dia-a-dia das pessoas.
Há 24 anos atrás tive a oportunidade de visitar dois países do leste europeu, os agora República Checa e a Eslováquia. Ressalvando o facto de então estarem já muito próximos do fim da era comunista - 1989 - o certo é que o que então aí observei estava muito próximo também do que neste livro é descrito. A diferença estava no facto de existir turismo e o contato com as gentes do ocidente lhes ter mostrado a existência de alternativas, influência que os Norte-Coreanos ainda não sentiram. Até um dia...
Poucos meses depois cairia o muro de Berlim e a ditadura comunista.
Não sei se Thomas Cook quando em meado século XIX iniciou o turismo em grupo, turismo de massas, a que chamarei 'migrações temporárias', sabia do impacto que tais migrações iriam provocar nas sociedades até então comodamente instaladas.
Esta técnica do Cavalo da Troia replicada no século XIX resultou em pleno. Teve o grande mérito de acordar as sociedades e obrigá-las a sair das suas trincheiras enferrujadas, onde dormitavam há séculos. A partir daí, muitas vezes excessivamente lentas, começaram a mudar. Ainda hoje.
Viajar é a oportunidade de sair do casulo e refrescar a mente com novos ares, influenciando o visitante e o visitado.
O fim da URSS e logo a seguir o fecho da torneira financeira chinesa, significou o fim dos seus únicos financiadores. Isso traduziu-se em miséria e fome, muita fome, para aquele povo. Calcula-se que tenham morrido de fome 3.000.000 de pessoas.
Estamos nós também portugueses e não só a viver um mau período da nossa história; mas quando tudo falha ainda ficam as organizações internacionais a que pertencemos que, mesmo a preços altos, nos vão dando ajuda.
Estou certo de que, se o pedissem, o FMI nomeadamente, também lhes emprestaria dinheiro, embora caro. Só que não o pedirão, pois uma das condições seria a redução drástica da entourage que suporta aquela pirâmide do poder, ou seja Forças Armadas e Militarizadas, que levam a grande fatia das verbas disponíveis. E isso significaria o fim do regime.
Estes regimes configuram crimes internacionais, transfronteiriços, de lesa pátria e, mais que isso, de lesa cidadãos que deveriam ser abolidos por organizações tipo ONU, TPI ou outros.
Embora não tendo sido apanhado de surpresa por esta incómoda narrativa, confesso que os pormenores me exasperaram muito. A democracia não é perfeita, longe disso, mas as ditaduras são incomensuravelmente piores. Dizia alguém: "a democracia é o pior dos regimes, depois de todos os outros". Em democracia as pessoas para além de livres, participam - cada um à sua maneira - na condução dos destinos do país, sentindo-o como seu.
JLP saiu de lá submerso no pesadelo acabado de viver e com a sua alma de poeta gravemente arranhada. Voou logo que pôde rumo à Liberdade de Nova Iorque, levando consigo todos os seus, tentando assim lavar a própria alma destroçada e servir à família em bandeja dourada o ar puro de um país livre.
Induz no leitor esses sentimentos e a decisão clara de jamais visitar a Coreia do Norte.
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