quarta-feira, 23 de maio de 2012

Vidago/Pedras Salgadas - 2012

Há já bastante tempo que não viajavamos para a região de Pedras Salgadas, Vidago e Chaves. Programada que foi a logística, incluindo a estada no Primavera Perfumo Hotel, em Vidago (uma bela surpresa de um 3***), lá fomos, aproveitando a facilidade das autoestradas; de autoestrada em autoestrada chegamos lá num instante. Era ainda cedo para irmos diretos para o hotel e, fazendo contas ao aproveitamento máximo do tempo disponível, continuamos para Chaves. Lá chegados, hora de almoço, há que procurar um restaurante. Minha mulher levava já em mira o 'Restaurante Carvalho', mesmo no centro, numa praça à beira rio, perto do velho Hotel Aquae Flaviae. Entramos um pouco receosos da qualidade do que ali poderíamos encontrar. Correu bem. Bem mesmo. Não direi surpreendente porque, como disse, minha esposa tinha ‘estudado’ o assunto. Aconselhável. No fim fizemos a digestão pela cidade velha, pelas pontes, pelas igrejas, à beira rio… Gostei em geral do que vimos, mormente o lado limpo e atualizado da cidade. Esta cidade acompanhou o que se observa, regra geral, no todo nacional, talvez também em resultado da aplicação do programa Pólis (não investiguei). As águas do Rio Tâmega represadas oferecem à cidade um interessante espelho d’água e são indiscutivelmente uma mais-valia que embeleza a zona ribeirinha e adjacências.
Viemos para o Hotel para aproveitar as infraestruturas existentes, até porque chovia e fazia frio. Depois de um jacuzzi e banhos na piscina interior, à hora certa jantamos mesmo lá, no restaurante do hotel uns belos, bons e inesquecíveis bifes; boa carne de Trás-os-Montes.

Até aqui encontrei, direi, duas faces de Portugal:
i) Um Portugal moderno com bonitas e boas autoestradas, uma cidade limpa, arejada, atualizada, refrescada, agradavelmente habitável, ecologicamente cuidada, tudo feito e refeito com os últimos fundos europeus recebidos; não fora a perturbante visibilidade permanente dos últimos incêndios que também varreram aquela zona, e teríamos um Portugal muito green, como diziam uns ingleses há tempos no Algarve. Que pena manterem-se as causas que os motivam e assistirmos impotentes, ano após ano, à sua destruição. Falamos de um património nacional altamente rentável não só no setor madeireiro como no turístico, para além do ecológico obviamente.
ii) Um Portugal que apanhou em cheio, com toda a violência, os momentos difíceis da crise económica que atravessamos: austeridade, recessão e subsequente emigração. Em Chaves não vi pessoas nas ruas nem o comércio a funcionar. Apenas o mais elementar: pequeninas mercearias. Talvez se explique pelo fato de ser sábado e estar frio (7º); oxalá seja isso. Mas é estranho e desolador olhar para as casas, aparentemente vazias, ruas desertas, apenas aqui e além um estrangeiro, espanhol, agitava e disfarçava algum vazio.

Inevitavelmente, e isso fazia já parte dos planos, fomos visitar o Vidago Palace Hotel.
O que vi foi simplesmente deslumbrante, também por me recordar do seu estado decadente de há alguns anos atrás. Tanta beleza e bom gosto, por dentro e por fora, incluindo os jardins.
Raramente se vê uma oportunidade tão apropriada para se poder aplicar o termo PALACE sem qualquer reserva. O Hotel é, por dentro e por fora, de facto, um Palácio.
Fiquei verdadeiramente empolgado com o que vi.
O edifício, com os seus 100 hectares de parque e floresta, construído no final da Monarquia ao estilo Belle Epoque, acolheu faustosamente a aristocracia portuguesa e europeia; foi mesmo considerado na altura o hotel mais luxuoso da Península Ibérica. A sua atual administração é convocada para o enorme desafio de recrutar clientes, muitos clientes (onde anda a aristocracia/burguesia de outros tempos?), para conseguir o retorno do capital investido na sua recuperação e consequentemente na manutenção das suas portas abertas. Não será fácil!

Continuando a viagem já de regresso para o Porto, fomos também revisitar Pedras Salgadas, especialmente o seu parque e termas.
Portão aberto, nem vivalma à vista, lá fui entrando. Pára aqui, ali, mais acolá. Olha à esquerda, à direita, zona termal, hotéis, casino: tudo abandonado e num estado de degradação acelerado.
Construído sensivelmente na mesma época do Vidago Palace, com o mesmo propósito, não mereceu ainda contudo a atenção de um investidor que ouse tentar recuperar tudo.
A sumptuosidade e alguma opulência que se imagina ter por ali existido, remete-nos para sonhos não mais atingíveis, ou talvez sim, quem sabe o que o futuro reserva. Quão agradável terá sido a vivência e usufruto daqueles imagináveis ambientes.

Porquê o abandono de tão requintados e aprazíveis espaços? Claramente por falta de clientes que economicamente os sustentem. Para onde se deslocaram, porque alternativas optaram e porquê?
Tentar responder a esta interessante questão é tarefa ambiciosa e exige muitos conhecimentos históricos sociais portugueses e não só. Lembro alguns que poderão ter influenciado:
i) final da monarquia portuguesa; intermitências da implantação da república; 1ª guerra mundial; revolução soviética; crise mundial dos anos 20/30; austeridade salazarista; 2ª guerra mundial; Portugal fora do plano Marshall; concentração financeira na guerra ultramarina e, machada final, os retornados. Os milhares de cidadãos nacionais oriundos das ex-colónias (fala-se em mais de 500 mil), forçados a regressar tempestivamente e em grandes massas ao território continental em resultado do tipo de descolonização motivada pelo 25ABRIL’74), foram acolhidos sem qualquer pré plano e foram, muitos deles, alojados em casas de familiares, pensões, hotéis … O Vidago Palace foi também ele recrutado para albergar muita dessa gente. Evidentemente que a alta burguesia – que não aprecia misturas -, ‘fugiu’ de lá e deles e nunca mais voltou e ao Vidago Palace, sem esses ‘bons’ clientes e sem dinheiro, começou a faltar manutenção. Inevitavelmente degradou-se, cada vez mais, até à recente recuperação.
ii) quiçá mais importante e explicativa, terá sido o advento das praias. A burguesia, sempre à frente, por volta dos anos 20, descobriu as praias e redirecionou-se para lá, assim como mais tarde com a mobilidade e intercontinentalidade fácil trazida pela aviação que ofereceu de bandeja novos mundos, voltaram a inovar, a descobrir e a isolar-se nos seus sempre novos mundos.

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