sexta-feira, 25 de maio de 2012

De novo o Titanic!

Desde há bastante tempo que, em particular com o aparecimento da informática e dos computadores cada vez mais e mais potentes e renovadas performances, que se pensava ser possível a gestão avisada, diria perfeita, na condução das políticas das nações, incluindo a económico-financeira. Tinha-se finalmente conseguido, com relativa facilidade, aquilo que os nossos ancestrais sempre ambicionaram: ter a gestão das nações, das sociedades, ao alcance da mão. Bastaria aos decisores clicar no botão certo que logo obteriam o resultado procurado e, por via disso, ficariam habilitados a tomar as decisões mais corretas, resolvendo assim os problemas das respetivas comunidades. Não só os governantes como também as empresas, principalmente as maiores e, porque não, os cidadãos também, tinham chegado a um nível de conhecimento pioneiro e invejável do funcionamento do mundo real, nunca antes conseguido.

A noção do bem-estar geral - veja-se a saúde e educação ou turismo, por exemplo - alicerçado no dinheiro fácil (sabemos agora que falso...) e até de alguma abundância, dava a ideia de ser ter atingido o mundo quase perfeito. A Europa - Portugal incluído - os USA e o mundo ocidental como um todo, viviam um mundo à parte: eramos ricos; os melhores. Qual Titanic, (a comparação perde por defeito), navegávamos livres e felizes ao som de grandes orquestras, bem lá acima no convés ou em emoldurados e faustosos salões, não desconfiando nem por um momento, que bem perto se escondia um iceberg (e que iceberg!?).

O continente africano, o mundo asiático, os países do terceiro mundo em geral, eram minimizados, senão desprezados e abandonados à sua sorte. Estive em África/Angola nos anos 2000/2001. A miséria grassava aí em todas as esquinas. Olhava-se com alguma sobranceria e arrogância para a sorte (má sorte) daquelas gentes!

Todo o mundo, em especial o ocidental acordou sobressaltado e incrédulo quando o iceberg bateu neste grande navio e fez um rombo - ainda aberto - de tal maneira grande que, para já, parece não haver ninguém que o repare. Como o Costa Concordia, não se sabe ainda se se vai conseguir reparar ou se se terá de optar por um outro totalmente novo. Estamos parados no meio do mar, ainda a olhar para o rombo do navio, todos paralisados a aguardar ninguém sabe bem o quê!

Enquanto isso as pessoas e as sociedades vão empobrecendo, definhando, vivendo não mais à custa de créditos futuros - que ninguém mais dá - mas à custa dos furos nos cintos...
O sonhado eldorado ocidental acabou e vive-se a pesada realidade, dias perturbados e de futuro incerto.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Vidago/Pedras Salgadas - 2012

Há já bastante tempo que não viajavamos para a região de Pedras Salgadas, Vidago e Chaves. Programada que foi a logística, incluindo a estada no Primavera Perfumo Hotel, em Vidago (uma bela surpresa de um 3***), lá fomos, aproveitando a facilidade das autoestradas; de autoestrada em autoestrada chegamos lá num instante. Era ainda cedo para irmos diretos para o hotel e, fazendo contas ao aproveitamento máximo do tempo disponível, continuamos para Chaves. Lá chegados, hora de almoço, há que procurar um restaurante. Minha mulher levava já em mira o 'Restaurante Carvalho', mesmo no centro, numa praça à beira rio, perto do velho Hotel Aquae Flaviae. Entramos um pouco receosos da qualidade do que ali poderíamos encontrar. Correu bem. Bem mesmo. Não direi surpreendente porque, como disse, minha esposa tinha ‘estudado’ o assunto. Aconselhável. No fim fizemos a digestão pela cidade velha, pelas pontes, pelas igrejas, à beira rio… Gostei em geral do que vimos, mormente o lado limpo e atualizado da cidade. Esta cidade acompanhou o que se observa, regra geral, no todo nacional, talvez também em resultado da aplicação do programa Pólis (não investiguei). As águas do Rio Tâmega represadas oferecem à cidade um interessante espelho d’água e são indiscutivelmente uma mais-valia que embeleza a zona ribeirinha e adjacências.
Viemos para o Hotel para aproveitar as infraestruturas existentes, até porque chovia e fazia frio. Depois de um jacuzzi e banhos na piscina interior, à hora certa jantamos mesmo lá, no restaurante do hotel uns belos, bons e inesquecíveis bifes; boa carne de Trás-os-Montes.

Até aqui encontrei, direi, duas faces de Portugal:
i) Um Portugal moderno com bonitas e boas autoestradas, uma cidade limpa, arejada, atualizada, refrescada, agradavelmente habitável, ecologicamente cuidada, tudo feito e refeito com os últimos fundos europeus recebidos; não fora a perturbante visibilidade permanente dos últimos incêndios que também varreram aquela zona, e teríamos um Portugal muito green, como diziam uns ingleses há tempos no Algarve. Que pena manterem-se as causas que os motivam e assistirmos impotentes, ano após ano, à sua destruição. Falamos de um património nacional altamente rentável não só no setor madeireiro como no turístico, para além do ecológico obviamente.
ii) Um Portugal que apanhou em cheio, com toda a violência, os momentos difíceis da crise económica que atravessamos: austeridade, recessão e subsequente emigração. Em Chaves não vi pessoas nas ruas nem o comércio a funcionar. Apenas o mais elementar: pequeninas mercearias. Talvez se explique pelo fato de ser sábado e estar frio (7º); oxalá seja isso. Mas é estranho e desolador olhar para as casas, aparentemente vazias, ruas desertas, apenas aqui e além um estrangeiro, espanhol, agitava e disfarçava algum vazio.

Inevitavelmente, e isso fazia já parte dos planos, fomos visitar o Vidago Palace Hotel.
O que vi foi simplesmente deslumbrante, também por me recordar do seu estado decadente de há alguns anos atrás. Tanta beleza e bom gosto, por dentro e por fora, incluindo os jardins.
Raramente se vê uma oportunidade tão apropriada para se poder aplicar o termo PALACE sem qualquer reserva. O Hotel é, por dentro e por fora, de facto, um Palácio.
Fiquei verdadeiramente empolgado com o que vi.
O edifício, com os seus 100 hectares de parque e floresta, construído no final da Monarquia ao estilo Belle Epoque, acolheu faustosamente a aristocracia portuguesa e europeia; foi mesmo considerado na altura o hotel mais luxuoso da Península Ibérica. A sua atual administração é convocada para o enorme desafio de recrutar clientes, muitos clientes (onde anda a aristocracia/burguesia de outros tempos?), para conseguir o retorno do capital investido na sua recuperação e consequentemente na manutenção das suas portas abertas. Não será fácil!

Continuando a viagem já de regresso para o Porto, fomos também revisitar Pedras Salgadas, especialmente o seu parque e termas.
Portão aberto, nem vivalma à vista, lá fui entrando. Pára aqui, ali, mais acolá. Olha à esquerda, à direita, zona termal, hotéis, casino: tudo abandonado e num estado de degradação acelerado.
Construído sensivelmente na mesma época do Vidago Palace, com o mesmo propósito, não mereceu ainda contudo a atenção de um investidor que ouse tentar recuperar tudo.
A sumptuosidade e alguma opulência que se imagina ter por ali existido, remete-nos para sonhos não mais atingíveis, ou talvez sim, quem sabe o que o futuro reserva. Quão agradável terá sido a vivência e usufruto daqueles imagináveis ambientes.

Porquê o abandono de tão requintados e aprazíveis espaços? Claramente por falta de clientes que economicamente os sustentem. Para onde se deslocaram, porque alternativas optaram e porquê?
Tentar responder a esta interessante questão é tarefa ambiciosa e exige muitos conhecimentos históricos sociais portugueses e não só. Lembro alguns que poderão ter influenciado:
i) final da monarquia portuguesa; intermitências da implantação da república; 1ª guerra mundial; revolução soviética; crise mundial dos anos 20/30; austeridade salazarista; 2ª guerra mundial; Portugal fora do plano Marshall; concentração financeira na guerra ultramarina e, machada final, os retornados. Os milhares de cidadãos nacionais oriundos das ex-colónias (fala-se em mais de 500 mil), forçados a regressar tempestivamente e em grandes massas ao território continental em resultado do tipo de descolonização motivada pelo 25ABRIL’74), foram acolhidos sem qualquer pré plano e foram, muitos deles, alojados em casas de familiares, pensões, hotéis … O Vidago Palace foi também ele recrutado para albergar muita dessa gente. Evidentemente que a alta burguesia – que não aprecia misturas -, ‘fugiu’ de lá e deles e nunca mais voltou e ao Vidago Palace, sem esses ‘bons’ clientes e sem dinheiro, começou a faltar manutenção. Inevitavelmente degradou-se, cada vez mais, até à recente recuperação.
ii) quiçá mais importante e explicativa, terá sido o advento das praias. A burguesia, sempre à frente, por volta dos anos 20, descobriu as praias e redirecionou-se para lá, assim como mais tarde com a mobilidade e intercontinentalidade fácil trazida pela aviação que ofereceu de bandeja novos mundos, voltaram a inovar, a descobrir e a isolar-se nos seus sempre novos mundos.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

José Saramago, Memorial do Convento e outros!

Os premiados Nobel são, praticamente todos, deusificados, entronizados e envoltos numa diáfana auréola de intocabilidade e incriticabilidade. Alguém arriscar comentá-los e menos ainda criticá-los, é uma ousadia pouco comum. É raro verem-se os naturais e habituais comentários, mesmo que bendizentes, na contra capa dos seus livros ou na imprensa em geral, regra também aplicável a JS.

Nota:
Relembro as polémicas posições públicas ou veladas que Cavaco Silva e Sousa Lara (representantes do coro de direita) tomaram ou omitiram sobre JS. Ainda hoje penso que tais posições ou omissões se devem tão só à tentativa do isolamento ou enfraquecimento políticos de JS (JS sempre foi assumidamente comunista) e não à avaliação literária dos seus livros, se é que alguma vez os leram. Desse lado nunca houve um reconhecimento público do escritor, apesar de Nobel.

Dito isto acrescento que, lendo-o, fica-se com a convição que o Nobel lhe foi bem entregue; muito merecidamente: é de fato um escritor original e assombroso.

Lê-lo, porém, nem sempre é fácil.
A originalidade usada na pontuação (não seguindo o método clássico), obriga o leitor a uma redobrada concentração para poder absorver e usufruir de todo o manancial de ideias e imagens que perpassam pelos seus diversificados temas. É como ouvir música clássica versus ligeira; a música clássica não admite distrações: temos de estar concentrados para a ouvir (contrariamente à ligeira que passa bem, servindo de fundo por exemplo a ambiente de trabalho).

Dizia noutro tempo Elton John que quando escrevia música preenchia todos os espaços disponíveis na pauta; gostava, acrescentava, de enriquecer os temas sempre mais e mais, acrescentando-lhes novos sons complementares. Esta ideia aplica-se bem a JS: tudo o que vem a propósito do assunto, é passado à escrita. As ‘pautas’ de JS ficam completamente cheias. As ambiências são inesperadas e agradavelmente exaustivas.

PS
No método clássico de pontuação, o leitor respira no mesmo ritmo do escritor, como que surfando a mesma onda. Aqui, com JS, cada qual – escritor e leitor - imprime seu próprio ritmo, havendo muitas vezes a necessidade do leitor emergir para retomar ou renovar a respiração.