domingo, 28 de maio de 2023

Viagem à Argentina e Chile (Patagónia)_24/4_a_07/05_2023

Tango Porteño

_______* Antes da Viagem *_______

Crónica escrita, agora editada, ‘antes’ desta Viagem agendada para ABR/2020 e cancelada, então, por motivos pandémicos.


Argentina…

  Chile…

    Buenos Aires…

      San Tiago do Chile…

        Patagónia…

          Perito Moreno…

           Glaciares…

Vida Selvagem…

  Origens…

    Tango…

      Carlos Gardel…

        Evita Perón…

          Don’t Cry for me Argentina…

Pinochet…

  Salvador Allende…

    FMi… FMi… FMi…

      Nobel…

Pablo Neruda

    Mário Vargas Llosa…

        Gabriel Garcia Marquez

  Amazónia…

    Andes…

      Era colonial…

        Simón Bolívar…

          Che Guevara...


Ainda a uma boa distância da data programada, a viagem começa a ganhar vida. Concentro-me já nas diligências aconselháveis, como que se o avião fretado se esteja a fazer à pista para o ‘take off’. Pego nas malas maiores para poder levar nelas, espero que caiba, alguma informação prévia acerca deste tão falado subcontinente.

Efetivamente estamos perante uma zona do globo que de há muito, séculos, nos habituou à turbulência social e política e que, por causa dela, não sai dos radares noticiosos diários. Apesar das democracias instaladas e graças a elas, as manifestações sucedem-se na tentativa de encontrarem um rumo coletivo acreditável.


Imaginando sua história dispersa em puzzle, começo por ir buscar algumas peças, nomeadamente as atrás listadas, que ao longo dos anos foram ficando arrumadas em prateleiras cada vez mais altas. Verifiquei que estavam em muito bom estado pelo que não foi necessário limpá-las muito; avivei-lhes as cores com recurso a alguma investigação, juntei-lhes outras mais recentes e algumas de ontem mesmo.

Dispostas todas em cima da mesa, tentei então começar a encaixá-las em quatro distintos:


• num maior, da América do Sul;

• num outro, da Argentina;

• num terceiro, do Chile;

• e num quarto, da Patagónia.


Rapidamente constatei que havia peças comuns e assim não vai ser nada fácil completar qualquer deles. Talvez o da Patagónia por ter mais peças próprias, apenas compartilhadas com o do Chile e com o da Argentina.

Vamos ver como me saio.


Começo pelo maior: continente Sul-Americano.

Área: 17,8 Milhões km²

(Rússia 17 - Canadá 9 - China 9 - EUA 9 - UE 4   Índia 3)

População: 434 Milhões

(Rússia 144 - Canadá 38 - China 1,4mm - EUA 331 - UE 447 - Índia 1,4mm) 

PiB per capita: 8.000 Usd

(Rússia 7 - Canadá 42 - China 13 - EUA 68 - UE 35 - Índia 2)


Vou servir-me de peças grandes para montar o da América do Sul. Tenho da área peças bem interessantes e bem antigas que arrumarei rapidamente pela periferia. Darei mais atenção às de 1.500 para cá por delas ter uma ideia mais viva, precisa e impressiva.


A civilização Inca - apogeu no séc. XIII-XVI - que aqui vale como exemplo e que assenta por sua vez em muitas outras passadas às quais se sobrepôs, reinava na região ocidental-pacífica definindo-se numa identidade e numa época. Atingiu níveis de evolução ainda hoje estudadas e admiradas. Machu Picchu, por exemplo.
Era um Império!

Acumulava riqueza - cobre, bronze, prata, ouro e diamantes -, quando a dinâmica do mundo apontava a uma nova era: à ‘Descoberta do Novo Mundo’. Portugal encabeçava essa frente a que se seguiam outros países, Espanha, nomeadamente. Em posse da América do Sul, num equilíbrio de poder e ambição e em estratégia, diz-se, dividiram o mundo entre si - Tratado de Tordesilhas (1494) - cabendo a Portugal, neste subcontinente, a parte oriental-Atlântica (Brasil incluído) e a Espanha o resto. Afastadas, assim, razões de litigância bélica entre ambos, cuja contenda abriria espaço a outros interessados, ou por causa deles, partiram afoitos para a ‘corrida ao ouro’. A economia de ambos foi redirecionada para este novo objetivo.

Logo, logo descobriram os espanhóis os imensos tesouros que os Incas acumulavam. Daí ao roubo, à pilhagem, à destruição que facilitasse a captura de todos os bens mais valiosos, foi uma corrida sem freios; de 100 metros com obstáculos mas todos transponíveis. O Atlântico e o Pacífico formigavam-se de caravelas transportando para este lado do mundo matérias primas novas, preciosas e abundantes. Tal era a qualidade e fartura que por séculos a Península Ibérica ficou rica, poderosa e faustosa. A riqueza mudava-se de dono e de continente.

No caso português, para além do pau-brasil, toneladas de ouro enchiam os cofres reais e nacionais. Foi, de resto, ainda, com 25 ton/ouro/ano vindas do Brasil, que mais tarde, D. João V, “O Magnânimo, 1707-1750, da Casa de Bragança, 1640-1910, concretizou a sua ambição megalómana: a construção do Palácio / Convento / Basílica / Biblioteca / Carrilhões / Tapada de Mafra. E, ainda, a Biblioteca Joanina em Coimbra, o Aqueduto de Águas Livres, a Universidade de Coimbra, o Museu Nacional dos Coches. No campo imaterial: a Academia Portuguesa de História, Patriarcado Lisboa e o Tratado de Madrid, 1750, onde ficaram definidas as atuais fronteiras do Brasil. N ‘O Memorial do Convento’ José Saramago ilustra bem todo o processo e a época.


(Numa das alas funciona, ainda, o mesmo quartel onde frequentei o curso de oficial do exército em 1972 em preparação e destino a dois anos de serviço militar em Angola e que revisitei, mais uma vez, no verão de 2017).

O Império Inca chamar-se-ia doravante Português e Espanhol.

Um pouco de autobiografia a propósito.

A introdução ao continente Sul-Americano, que me lembre, tem em mim duas marcas distantes: a primeira data dos meus 6/7 anos (?), anos ‘50.

O Sr Manuel Palhares da Casa do Seixo, um bon vivant, fizera mais uma pausa da sua mercearia e do seu posto de gasolina ‘Sacor’ em Fermil, Celorico de Basto. Pendurara a sua arma de caça, uma  Westminster(?), pontapeara a lama das galochas de cano alto que nelas se grudara ao caminhar pelos campos na raspadeira da entrada principal da casa e enfiara-se para dentro de um traje casual, como a ocasião que o esperava pedia.

Era dia de festa em sua casa num final de tarde de um dia quente de verão. O crepúsculo do entardecer apagava o dia; a serenidade cobria a região com a mesma mansuetude e leveza com que a fina seda cobre uma criança ao adormecer; pausavam-se os suados afazeres estivais. Os convidados, de trajes leves,  iam chegando entretidos entre taramelas, gracejos e sorrisos comedidos.  Ao fundo de uma escadaria em pedra, que dava acesso distinto à entrada principal da casa, tipo solar, abria-se um terreiro largo em terra-saibro, entremeado de tufos avulsos de erva rebelde. Os convivas  passavam do sorriso contido a sorrisos despregados recostados aos balaústres. No último pátio ou pisando a terra contígua, balançavam na mão a caneca tingida do verde-tinto e faziam-na viajar com destreza crescente de mão para mão, desenhando no ar o grafismo da converseta. A luz tremelicante das candeias a petróleo e a mais viva do gasómetro alongavam-se pelo chão e bailavam com as sombras da noite nas árvores em redor, definindo um halo radiante onde lá dentro todos brilhavam. Uma melodia maviosa saída da grafonola tomava conta do espaço, reverberava pelas redondezas e emprestava festa aos habitantes da vale jazente. A passarada silenciava o seu chilrear e o seu pipiar para dar vez a estes novos sons ou, quiçá, a copiá-los para os plagiar mais tarde nas suas partituras. Enquanto os presentes já bem animados se ritmavam para o bailarico. Era uma melodia Argentina, da Argentina de Evita (1919-1952), cheia de mínimas e semínimas que, em resultado da sua sonoridade, do ambiente e do meu despertar para o mundo, me tocou duravelmente e permanece no fundo do ouvido até hoje. Creio ter acontecido aí o meu primeiro encontro com estes sons e, por que não?, com o que mais tarde viria a chamar de romantismo. Trauteei-a, colado àquele momento, por muitos anos. Vou ver se agora a recupero na terra dela, Argentina.

E a segunda data dos  meus 13(?) anos do filme “Dos Apeninos aos Andes” (1959). Através de uma história lacrimosa de um garoto que procura sua mãe, ficciona-se a saga dos emigrantes italianos para aquele sub-continente e em pano de fundo o modus vivendi em Itália e na área Andina dos finais do século XIX. Esta história teve mais tarde a versão animada do japonês Isao Takahata em ‘Marco’ (1976) que cativou outros miúdos.


Nota intercalar:

• ‘Viajei’, através da NetFlix, n’ A Magia dos Andes’. O documentário, com início nos Andes venezuelanos, termina em Ushuaia, bem lá nos confins da Argentina, submegindo os Andes pelo mar dentro. Percorre os 6 países confinantes e os seus 8.000 kms, e transporta-nos para lugares lindíssimos de uma beleza rara, única e sedutora (25 montanhas com alturas superiores a 5.000 m).

Fotografias aéreas abrangentes, em formato panorâmico (drones), captam modos de vida, cultura, beleza e magia.

• A Netflix tem um longo seriado sobre a vida de Simón Bolívar. Aí se historia o início do processo das independências destes países sul-americanos.

DINÂMICO: ‘Bolivar’, Netflix. (dinamico-dinamico.blogspot.com)

Adicionalmente 

• "Peru: Tesouro Escondido", 2017.

• "El Pepe: Uma Vida Suprema". José Pepe Mujica, o ex-presidente do Uruguai, 2010/2015.

• "A ODISSEIA", de Fernão Magalhães RTPPlay


Voltando atrás, ao tempo da formação dos novos impérios.

A colonização começava, então, com forte debandada peninsular, cada qual em busca do seu quinhão. Os espanhóis - deliberadamente, diz-se -, levavam consigo doenças ocidentais, entre as quais a varíola - muito mais mortal que o agora CoronaVírus -, que acelerou a dizimação total dos 14.000.000 de Incas, na América do Sul, e dos Astecas, 1325/1521, na América do Norte! O passado secular daquela grande região continental foi limpo dos seus autóctones com a facilidade com que uma criança apaga um risco torto do seu caderno escolar.

E assim, com uma displicência bárbara, se foram para sempre povos indefesos e civilizações centenárias.


A gestão de toda aquela grande área era feita sob a batuta europeia obedecendo aos instintos primários da avareza e aos desejos compulsivos do enriquecimento rápido, ou seja, sem olhar a meios. Foram instituídos esquemas - Companhias - para dinamizar e controlar a colheita geral, seguida da imediata transferência. As diversas monarquias reinantes por cá, com a adesão geral, empenharam-se na obtenção de rápidos e avultados resultados. Valia tudo até a escravatura que de África foi desterrada para bem longe "ajudar". A sobrevivência da zona apenas se justificava na medida da manutenção dos circuitos de produção e da subsequente transferência de bens. Cuidar do bem estar, da longevidade das suas gentes e da criação de infraestruturas que lhes desse suporte, não era preocupação do ocupante. O colonizador quer extrair e não repor. E infraestruturar demora e custa dinheiro não recuperável...

Sob esta política extrativa peninsular e europeia se manteve por séculos este subcontinente. Neste longo tempo, alguma da sua gente foi assimilada e muitos outros, até por falta de alternativa, foram ficando… latino-americanos!
Até que...

No início século XIX, a invasão peninsular por Napoleão, enfraqueceu os dois impérios obrigando-os a repartirem-se nas defesas nacional e colonial. Esta divisão de forças despertou nos povos ultramarinos ambições autonómicas e independentistas. Talvez tivesse chegado a sua hora?, - terão pensado.

A independência dos EUA, 1776, e a Revolução Francesa, 1789, dinamitaram o status quo em todos os continentes. Chegou a todos os cantos do mundo, também à América do Sul.

Começaram a aparecer líderes para, primeiro, doutrinar sobre uma identidade perdida e, depois, pela força, a tomada revolucionária do poder com a consequente expulsão dos invasores. Exibiram, como força motriz para tal propósito, as bandeiras do claustrofóbico domínio estrangeiro, da extorsão colonial a que, já exangues, tinham chegado. As ideias-força - Liberdade, Igualdade, Fraternidade - em consolidação pelo mundo pela revolução francesa, navegaram à velocidade de muitos nós até lá.

De entre os melhores sucedidos emerge, logo no início do século XIX, Simón Bolívar, que consegue não só repor alguma identidade regional e local como, também, dinamizar e colher de maduras as ideias separatistas e independentistas antes semeadas em muitos países da região. Foi, inclusive, Presidente de vários deles. Foi uma figura singular que alterou e moldou o futuro do continente e do mundo. Ainda hoje é um elemento identitário de peso em toda a América Latina. Tentou ainda, sem sucesso, uma união pan-americana.


A recuperação e sobrevivência a uma longa era colonial não é de todo fácil nem pacífica. E nós portugueses sabemo-lo bem com a proximidade dos exemplos angolano e moçambicano, não esquecendo todos os outros.

A indefinição e turbulência em que aqueles países ainda hoje vivem, têm causas profundas e de difícil saneamento.


Ante a imatura democracia tentada por Bolívar mas na sua esteira chegou-se à era dos caudilhos que infestaram o subcontinente por uns bons anos.

Seguiu-se a fase militar (Pinochet, Videla, Getúlio Vargas) e/ou populista (Perón/Evita) que pereceram também à desestruturada região, à pressão capitalista exterior e às bancas-rotas.

Em tantos desvios ou desvarios de orientação germinaram vazios de poder perigosos que foram cassados por demagogos, oportunistas, aventureiros ou ingênuos que instalaram regimes alinhados e corruptos.
Escritores Nobelados como Pablo Neruda, Gabriel García Márquez, Octavio Paz, Mario Vargas Llosa, entre outros, davam espessura, vida e ânimo aos destinos e aos sonhos deste subcontinente e mostravam ao mundo através de páginas sombrias e esclarecedoras o quotidiano desorientado de seus compatriotas.

O Papa actual, o argentino Papa Francisco, está a ser o arauto mais visível do ADN das populações do segundo e terceiro mundos ao trazer para a agenda social mundial as diferenças gritantes do elevador social, incluindo o sul-americano. As resistências a esta clamorosa agenda por parte dos instalados no topo da escala é conhecida. Veremos se lhes resiste. Pelo caminho, gente corajosa como Che Guevara, numa tentativa de influenciar futuros, fizeram-se à estrada e arrebataram no percurso gentes e países para a sua causa.

Pelas notícias instáveis que nos chegam - Brasil, Venezuela, Argentina, Peru, Chile, Colômbia… - não é previsível a médio prazo um futuro estabilizado para a região.

Há, com certeza, nomes importantes que tentam acelerar os processos de regeneração nacionais e continentais mas… outros interesses importantes se levantam com os quais têm de lidar.

Estão agora numa fase de transição - em que todos sempre estamos, aliás - desconhecendo apenas o tempo e o modo da etapa seguinte.


É com esta visão prévia e acumulada da América do Sul que levo na algibeira que também eu me farei à estrada para a tentar validar ou desmentir. Melhor, compreender. Levo também mente aberta e folga bastante para apreciar diferenças e uma mala de porão vazia que espero trazer cheia de novidades e coisas bonitas.


Nota reflexiva.

Transpira do que sobre os colonizadores escrevi, uma notória dose de acidez que novamente confirmo alimentar. Este tema ‘colonizadores’ foi e continua a ser um assunto que me interessa e com o qual conflituo ambiguamente. É um velho assunto, de séculos, que anima muitas opiniões e que, numa perspectiva mais larga, se pode dizer sempre em aberto. Aquela acidez, dizia, assenta num acompanhamento constante da situação à distância e presencial, que me conduziram a conclusões ambíguas, mesmo contrárias: de rejeição e resignação.

Comecemos pelas de rejeição.

A coabitação territorial e ambiental que em tempos vivi, a que acrescentei várias viagens de (re)conhecimento posteriores e recentes a muitos desses países, hoje independentes, reforçam a ideia de anos: não foram criadas, a seu tempo,  qualquer tipo de infraestruturas (política, social, económica…); não deixaram ‘ferramentas’ aos locais que pudessem e soubessem usar sozinhos. Deixaram-os num vazio existencial total. Obviamente tal alheamento não explica tudo; importante também, mais importante aliás, são a inexistência de circuitos económicos e comerciais que promovam e alavanquem suas economias. Ainda hoje as grandes potências - EUA, China, Rússia, Europa - querem seus países bem cotados, fartos e ricos, custe a quem custar. Logo, ‘dançarão conforme o (seu) tango’ para que suas gentes permaneçam em primeiro lugar. De entre as quais eu mesmo.

A dinâmica económica mundial é despessoalizada, desumanizada e cruel. Sempre. Também hoje. Afinar seu funcionamento pelo lado ético e justo é batalhável, com certeza, mas é uma ambição contra cartéis e quartéis. Não me é fácil, pois, à luz do humanismo que anda em mim, compreender e aceitar este passado.

Mas, cá vem um mas,  o assunto não se esgota aqui, num inacabado e frágil raciocínio ético ou bondoso, pelo que passo ao ponto dois: 

Resignação.

Há outras dimensões no comportamento humano, mais primárias, que propulsam e determinam o seu viver.

Perante uma torrente de puras pérolas, que ser humano lhe resistirá?

Que garimpeiro não se afoitará ao saber da existência, mesmo que longe, do ‘rio de la plata’?

Vantajosas visões futuristas, quem as não tem?

Tantas vezes o ‘mundo corre e avança como pétalas floridas na mão de uma criança’!, poetizava António Gedeão. Quantas vezes as pétalas são substituídas por baionetas e as crianças por soldados? Nem sempre se vêem cravos vermelhos na ponta das armas! E Portugal correu e avançou, então, sem o cravo mas com a lança atrás da oportunidade que tantos outros invejavam e perseguiam. Em resultado, muitos portugueses foram abastados por séculos. Viveram bem. Portugal comandava o mundo. O orgulho nacional insuflou. Não foi ‘Feliz para Sempre’ mas durante os séculos que durou foi glorioso. Isso é pouco? Não, não é. Custou muito a muitos? Custou. O comportamento da humanidade é incerto, errático, esquizofrénico? É.

Desisto de fazer um balanço pois me leva sempre a um beco escuro e de  complicada gestão. Equidade do bom e do bem para toda humanidade é uma utopia para a qual temos de gladiar sempre.

O assunto continuará em aberto por gerações e gerações.

Fecho primeiro puzzle.


Argentina, segundo.

Área 2.7 Milhões Km², População 47 Milhões, PiBnpc 13 Mil

Sobreviver a um longo período colonial, como atrás referi, não é de todo pacífico. E o percurso da Argentina é um exemplo eloquente das dificuldades por que quase todos passam. Foi desde os primórdios da independência até ontem, um carrocel de fenómenos sociais, políticos e económicos que vão da abundância (7° país mais rico do mundo) ao caos, com empréstimos vários do FMi. Um percurso com muitos restarts.

No século XX, ao não participarem nas duas guerras mundiais, geraram oportunidade para a produção de carne e cereais que as alimentaram. O país enriqueceu com isso. Muitos espanhóis e italianos, nomeadamente, em grande número, milhões, fugiram então da desgraça europeia e, atraídos pela rica Argentina, tentaram lá uma alternativa de vida. Com o fim da guerra vieram os problemas trazendo para a ribalta o popular Perón (1951) e sua esposa, mais popular ainda, Eva Perón. O povo ganhou voz e rua mas o país estagnava… e o general Videla  espreitava. De entre muitas outras esta era peronista marcou a história da Argentina e atravessou muitas fronteiras. Chegou mesmo a Hollywood com ‘Evita’ (vi o filme). Parece que gosta do carrossel (ironia negra): está novamente nas grilhetas do FMi.


Argentina é, por outro lado e paradoxalmente, uma potência regional e mundial. Faz parte do G20. País rico em matérias primas incluindo petróleo. Quem não aprecia um bom bife de ‘Las Pampas’? E como é fácil encontrá-lo longe das terras onde cresce! Suas gentes, maioritariamente de origem branca europeia, hão-de encontrar soluções e acertar o passo com o futuro. Oxalá.


(hoje habitam por lá 4.000.000 de italianos, igual número de espanhóis, 2.000.000 de portugueses e outros de muitas partes do mundo)


Chile, 3° puzzle.

Área 756 Mil Km², População 18 Milhões, PiBnpc 14 Mil

Chile, de há uns anos para cá, mais exatamente após Pinochet, vive anos de crescimento de PiB invejáveis, com vários índices bem no topo da escala. País comparável a muitos europeus. Há-de ultrapassar o momento conturbado que por estes dias leva pessoas para a rua e tentam alterar a constituição, ainda, do tempo de Pinochet.

Tenho enorme curiosidade em conhecer Santiago do Chile, a capital, palco de lutas sangrentas que na altura acompanhei com muito interesse.

Nos idos anos 1973/1990 Santiago do Chile / Salvador Allende / Pinochet encheram os media pelas piores razões. Chile ficou marcado com este sinete.


Patagónia (Chile e Argentina): o termómetro ambiental do mundo.

Patagónia, Patagónia, Patagónia …

(Fernão Magalhães, 1520: povo patagão; gigante: 1,80 / europeus: 1,55)

A sonoridade da palavra ressoa forte e de tão longínqua passa com facilidade para o lado mítico. David Attenborough trouxe-no-la - a Patagónia e outros santuários - para mais perto; retalhou-no-los em longas tardes de domingo. Implantou nas consciências o termómetro ambiental, habilitando-nos assim a tomarmos a temperatura ao impacto que a nossa pegada, o nosso modus vivendi,  está a provocar na natureza. Apesar de tardio foi um bom rastilho nas consciências adormecidas.

A curiosidade de ver ao vivo e a cores a natureza imaculada, sentir o seu pulsar longe da respiração dos humanos é um desígnio que trabalhava há muito. A expectativa é francamente grande.


_______* Depois da Viagem *_______

Inspirado pelo vôo do Condor ('abutre-do-novo-mundo', cognome interessante), dono e senhor da cordilheira andina, animador de fantasias e pombo-correio para o mundo e que bem lá do alto me convidava a segui-lo, resolvi aceitar a boleia e fui com as suas lentes telescópicas, olhar poderoso e penetrante, visitar lugares inóspitos, recônditos há muito fantasiados. Transportado na sua asa mágica fui entrando naquele 'mundo novo', estranho e belo. Fiz-me acompanhar do som fláutico de Zanfir e da dupla Simon/Garfunkel no 'El Condor Pasa', contrapondo o que ia vendo com o que do velho mundo levava. Dos dois assim amalgamados resultou uma visão bi, melhor, tridimensionada.

Assim como lá dispus de várias camadas de roupa para adaptação às diferentes áreas climáticas, também agora vou usar o tempo para acomodar tudo o que de relance perscrutei. Vou ter como muleta as muitas fotos que cliquei na ânsia de trazer cada pedaço que meus olhos viram e meus sentidos sentiram e guardaram. Humildemente aceito o desafio de transpor para aqui alguns, reconhecendo desde logo a minha incapacidade para o alcançar. Vou alimentar bem o Condor para me levar novamente a cada lugar e rogar-lhe paciência para esperar por mim mais um pouco em alguns onde o olhar mais se arrebatou.


Perito Moreno.

Inevitavelmente, pedi ao Condor que me transportasse logo para o Perito Moreno. Já por lá, a magia iniciada e treinada nos bancos da escola ganha expressão, dimensão e realidade.

A aproximação foi lenta, longínqua. Como que num zoom, a cada centímetro de aproximação ele ia crescendo imparável enchendo o olhar de brancura e tamanho e o corpo de um frio gracial e seco. Como no amor, a primeira impressão conta e aqui, ainda em fase de namora, sente-se o germe a brilhar.

Primeira paragem numa colina sobranceira, ainda o sol matinal espreitava envergonhado por trás das altas e geladas montanhas. Recortavam e moldavam o horizonte tentando esconder e proteger o seu filho amado. O momento foi rebobinador, amaciador e solene. Uma pausa para a contemplação veio mesmo a calhar. Os seus contornos começaram a definir-se, como faz o pintor nos primeiros esquissos. Os primeiros traços ficaram alinhavados. Mas a pressa de lhe tocar crescia imparável. 

Já no ponto de embarque, numa baía protegida das derrocadas, o barco esperava. Sem demoras, o Comandante que nos sabia acelerados, ligou os motores e fez-se ao largo. Nó após nó, num navegar suave para dar tempo para o despertar de todos os sentidos, a casca de noz rasgava as águas calmas e geladas em direção ao seu centro, contornando agilmente os enormes pedaços de gelo recém desprendidos. O zoom repetia-se e a grande massa de gelo ia entrando pelo olhar adentro numa aceleração apoteótica. O barco parou a poucos metros, talvez 100, mesmo no centro. Os motores baixaram o roncar e a paralisia apoderou-se de todos como que inoculados pelas drogas incas.

Ei-lo.

Ei-lo na sua grandeza.

Majestático.

Seguiram-se momentos de adormecimento. De contemplação. De reflexão. De êxtase. Trocamos abraços entusiasmados e em cada um deles  alegria incontida. ‘O que eu andei para aqui chegar' - ousei cantarolar.

*Pausa contemplativa*

Houve tempo para revisitar os efeitos da pegada humana. Será que estamos a caminho de um novo tempo atmosférico? É evitável? Deve evitar-se? A natureza é ainda mais forte e imprevisível do que imaginamos?

Encaixado e prisioneiro nas  entranhas das montanhas andinas, o Perito aguardava-nos inerte há milhares de anos. Recebeu-nos com um sol bonito, radioso, entrecortado por sombras de nuvens passageiras, como que para lhe simular mais vida. De quando em vez um pedaço de si despenhava-se lá do alto dos seus 60 metros e precipava-se no abismo num ruído estrondoso e ecooso. O ar gelado gelava desta vez as nossas entranhas expostas à inclemência dos ventos antárticos e com pouca resistência dos raios solares. Talvez possamos alcançá-lo de outro ângulo? - deduzimos. Dirigimo-nos então para um local estrategicamente eleito (turístico). 

Glaciar Perito Moreno

Oh My God!

Que coisa bonita!

Que coisa grandiosa!

                  Magestosa!

Que coisa arrebatadora!

                How is it possible!?

                              Does it exist? 

                                          Really?


Vou agora dar vez à foto para que fale por si, já que me falta  ‘engenho e arte’ para tanto. Um turbilhão de pensamentos apequena-me, quase me esmagam. 

Já ‘acordado’ e com forças renovadas, melhor dito, refrescadas, subimos e descemos os passadiços, enchendo o coração e a alma de imagens avassaladoras. Preciosas. Únicas. Quase o tocamos… e isso sim, seria tocante. ‘Apanhei’ todos os pedacinhos que consegui mas preocupado em deixar muitos para quem aqui vier a seguir.


ValParaiso

Ainda com o Perito preso na retina - e  suspeito que nunca mais dali sairá -, assobiei ao Condor para voarmos para ValParaíso, a cidade de Neruda. Aí chegamos bem cedinho, a tempo ainda de acordar sua gente (1.600.000).

O primeiro look foi de surpresa e estupefação, mas simultaneamente de encantamento. Ocorreu-me ter chegado aos morros das favelas brasileiras e não ao ValParaíso chileno.

Dispostas aleatoriamente pelas colinas abaixo até à baía pacífica que as espelhava numa policromia total e cativante, as casas pintadas de cores garridas, eram ímanes para os olhos. Um desafio para o melhor dos pintores. Uma suscitação para os fazedores de pixels.

Subimos e adentramos na casa de Pablo Neruda (1904/1973), o Mestre, o Nobel, e não estranhamos a sua opção residencial. Situada num promontório a meio de uma das encostas, com uma vista soberba sobre a baía e inserida bem no meio de suas gentes, dali ele passou para o mundo o viver complicado de seus iguais. Elevou a níveis únicos o sentir dos seus e o sentido da vida de todos nós. Transitamos de colina em colina, de encosta em encosta ‘tocando’ em cada canto; calcorreamos pelo casco antigo para melhor sentir o respirar daqueles nossos iguais. Descemos num teleférico secular que nos transportou a uma época áurea.

Valparaíso é um sítio encantatório, merecedor do epíteto que o seu nome sugere: Vale do Paraíso. De lá seguimos para Viña del Mar.

Nota: 

Esta terra e suas gentes foi próspera e farta enquanto foi entreposto mundial  de mercadorias entre o atlântico e o pacífico. A travessia através do Canal do Panamá (1880/2016), anulou sua economia, até hoje sem rumo.


Viña del Mar

Deixei o Condor em paz, visto Viña del Mar ficar apenas a uma légua. Recomendei-lhe que se alimentasse bem e treinasse o voo pois muitas milhas nos esperavam ainda.

Um outro mundo, este. Cidade nova, mais pequena,  moderna. Filha do turismo e refúgio dos endinheirados que a elegeram e construíram. Espalhada pela serrania a descair  para a baía, é servida de zonas arborizadas, canal represado e praia ‘pacífica’. Um pequeno castelo numa saliência rochosa sobre as águas salgadas completa o quadro idílico.


ViñaMar 

de CasaBlanca

Já que o Condor me sobrevoava, chamei-o para me levar a uma Quinta de Produção de Viños: ViñaMar.

Detinha bastante informação sobre a produção vinícola da Argentina e Chile: bons vinhos espalhados pelo mundo, incluindo Portugal.

Degustei ali mesmo alguns bons vinhos e espumantes e outros durante o percurso. Fiquei com uma boa impressão sobre os métodos de produção e a qualidade final. Sendo que, à parte o bairrismo nacional, não ultrapassam os nossos, nem os europeus em geral, onde de resto se inspiram.

Nota: reparei numa rosa plantada no início de cada bardo vinhateiro, fazendo jus à descoberta da nossa D. Antónia da Ferreirinha, (hoje da Sogrape) para se prevenir do míldio.


(Porque as estações do ano são contrárias às nossas, a Sogrape.pt tem produções na Argentina e Chile, para além de Espanha, EUA e New Zealand)


De regresso à Capital, a Santiago do Chile, para apreciar a cidade e o viver urbano de suas gentes.

Dos 18M de habitantes do Chile, 9M vivem aqui… e isso, de per se, já permite ilações sobre os efeitos dessa pressão demográfica localizada e das soluções criativas necessárias para o seu funcionamento.

Não desiludiu. 

Do rooftop do 17° andar do restaurante do hotel, longínqua-se toda a parte nova da cidade. Avenidas rasgadas orientam o trânsito e definem o alinhamento dos prédios. A média distância um arranha-céus marca a paisagem. Largas rotundas alargam as áreas. Um shopping moderno com marcas de topo mundial, comercializa como cá.

O Casco Antigo concentra as marcas do passado, do passado colonial, expresso no desenho dos arruamentos e na monumentalidade exuberante da época, e passado social, concretamente, o dos anos ‘70. Olhar pelo retrovisor o tempo de Salvador Allende, de Pinochet (não vi qualquer estátua dele), La Casa de la Moneda tão mundializada ao tempo, foi uma viagem tangível a tudo o que se passou naquelas décadas. Com 20 anos e a abrir as portas para o mundo, vivi-as então intensamente. E agora efetuei um replay vívido.

Esta duplicidade de antigo e moderno é a foto do Chile atual.

Com uma democracia vibrante - excessiva nas destruições e marginalidade… ou não -, o país tem do melhor nível de vida da América Latina, senão mesmo o melhor. Muito idêntico, de resto, aos níveis europeus.


Desta vez a viagem vai ser mais longa, de Bus, para cruzar os Andes. Há que chamar o Guia para, bem lá do alto, marcar o trajeto no GPS.

Deixada a rigorosa fronteira chilena, num Bus todo terreno, por caminhos e carreiros, aos solavancos para massajar o físico destreinado, fomos em busca dos Lagos Argentinos, do outro lado.

O Bus furava resoluto a estrada por entre o arvoredo selvagem como se fosse um carro de  corrida na consola da Nintendo. Como esquecer esta travessia? Como esquecer que cruzei os Andes?

Dissemos adeus ao Chile a caminho da Argentina bem no topo dos Andes, na fronteira com foto para o álbum.  Adentramos na Argentina através dos lagos montanhosos.

E que Lagos!

Das maiores reservas mundiais de água doce estão aqui nestes lagos. Alimentados pelo degelo dos glaciares a escorrer das altas montanhas ao longo dos milénios, ali permanecem a alimentar o mundo. Já tiveram melhores dias, sim, e parecem agora aguardar por outros melhores que os atuais. Que futuro lhes estará reservado? As altas montanhas cobertas das neves eternas, escondem-os do mundo. Cercam-os castamente com fervor maternal. Impõem respeito pela natureza. Interpelam-nos a ter cuidado com eles, sem medos. Apetece pedir licença à natureza para passar por ali, prometendo não profanar estes templos da humanidade. Aqui não temos inveja de outros lugares no mundo. A perfeição existe.


(Aqui e ali, nas encostas solarengas há quem tenha construído casa de lazer… enfim, excessos dos afortunados)


Descobrir o que se esconde por trás das montanhas na busca constante do imprevisto é instintivo. E o Condor, dominador da área e sabedor das minhas ambições, propôs-me, imagine-se, uma viagem ao Fim do Mundo. Estranhei mas aceitei.


Tierra del Fuego

Ushuaia

Confesso-me atrapalhado e desajeitado para passar para aqui as emoções sentidas nos dias intensos vividos na Tierra del Fuego.

Tierra del Fuego, ilha separada do continente pelo Estreito do nosso épico Magalhães - pormenor que inflamou again o orgulho português -, partilhada com o Chile, 76 mil km2, é um pedaço da nossa terra de características… únicas, cada qual a mais arrebatadora. Tem como capital, do lado argentino, Ushuaia com 56 mil habitantes. Talhada a machado por reclusos para ali desterrados vive hoje muito do turismo que para ali voa à procura do ‘nunca visto’. 

Manhã cedinho, ainda o sol hesitava por trás do gelo glaciar, o comboio a vapor fez-se ao trilho em lenta velocidade, desprezando o sururu entusiasmado dos ocupantes. Ele sabia bem melhor que nós que este dia deveria ser colhido com tempo. Com parcimónia. Imaginando-nos a caminho do Far-West americano, ‘gringávamos’ com o nosso ‘TrofaFafe’. E lá foi ele a contorcer-se por  entre colinas e vales, ladeado de arvoredo frondoso. 8 kms apitados, deixamo-lo para, a pé, sentir o  respirar desse micromundo.  E como respira! Indiferente ao bulício do mundo, a natureza cumpre aqui também os seus rituais, os seus ciclos de vida. Entranhamos maravilhados e impotentes esse alheamento mas absorvemos com sofreguidão este pulsar da vida eterna. Inspiradora esta vegetação outonal de luxo.


O outono ia a meio. Sobre as folhas amarelecidas, gotículas de orvalho reluziam com um pedaço de sol no seu centro. Os ramos, outrora verdes,  ligados à árvore-mãe que os suportava, metamorfoseavam-se em galhos secos e nus. A árvore-mãe, a última a cair, de porte altivo, exibia ainda fulgor apreciável. Suas irmãs à sua volta e muitas mais por ali dispersas, seguiam-lhe o exemplo. Uma ou outra mais remoçada ostentava ainda tufos de verde como último pingente. Umas tantas em fim de ciclo, tombaram exangues entre as suas, mas satisfeitas com o tempo de vida que lhes foi dado e por terem realizado o que a natureza no seu tempo lhes pediu. Por entre elas, nas cascatas, riachos, ribeiros, rios e lagos circulava água pura e cristalina que lhes nutria a raiz,  lhes dava força e vida. Desta harmonia, pleno de cores outonais a desafiar as do arco-íris, de silêncios interrompidos pelos galhos em queda, pelo falatório dos animais, pelo soprar da brisa a animar a quietude, este todo salta para dentro de nós e imobiliza-nos numa serena sintonia.

Deste lugar virginal, da natureza no seu melhor à vontade, fomos até ao 


Fim do Mundo. 

Baía de LaPataia.

Aqui começa o Fim do Mundo e acaba a route PanAmérica nr 3 que, desde o Alaska e depois de percorrer 17.848 km,  aqui tem o seu terminus.

O Mundo escolheu bem o sítio onde acabar: selecionou um lago sem fim à vista e alongou fatias de terra para chegar ao seu centro. Nesse imenso vale rodeou-se de altas e geladas montanhas e nas suas encostas semeou abundante vegetação onde reinam os animais sem dono. O Rei lá do alto tudo raia e anima; tudo colore em matizes inimagináveis. As montanhas duplicam-se na lagoa em espelhos ondulantes para nosso contentamento.

Fiquei na dúvida sobre se aqui seria mesmo o Fim do Mundo… Por que haveria de ser? Lugares assim tão encantatórios, tão sedutores, não podem ter fim. Nem no Fim do Mundo.

Lá longe, onde a vista não alcança, as Ilhas Malvinas. Afinal o mundo continua…


Não refeito ainda destes choques com o inacreditável, embarcamos para a Ilha dos Pássaros e dos Lobos. O catamaran, circunavegando por canais, ilhas e ilhotas, rumava para destino certo. À esquerda e à direita um grasnar mais excitado ou um uivar mais gutural cumprimentavam-nos alegremente.  E nós retribuímos em dobro, enquanto o barquinho continuava a navegar.

Como numa miragem,  algo ao longe se mexia fora d’água, enquanto um dorso fusiforme, que fazia guarda de honra ao barco, submergia sua cauda bífida. Mantendo a guarda, o cetáceo conduziu-nos a uma pequena ilha rochosa onde reinavam animais marinhos. Várias espécies de animais, entre eles lobos do mar (pinguins não), ponteavam ao sol em toda a ilha. O barco abrandou mas nós aceleramos a curiosidade. As imagens elevadas ao mitológico pela televisão estavam ali mesmo à nossa frente, em carne e penas, ao alcance da vista e do ouvido. O coração disparou; bateu forte. Ainda hoje bate… Por momentos entramos em sintonia com este outro mundo. Com este nosso mundo. 

Que dia este!

   Que dia este!


Nas asas do Condor voei para Buenos Aires, a cidade que ocupou por décadas a minha atenção, mais entusiasticamente desde os anos ‘50 para cá.


As gentes argentinas passam neste momento dias complicados a juntar a muitos outros de décadas anteriores. E isso impacta em tudo, também no estado da capital. A Maria, a Guia local, pessoa idónea, bem formada (também academicamente), desabou em lágrimas ao referir que metade da população (+/- 25 milhões) vive na pobreza… O momento foi solidário e comovente, por todos sabermos que o país tem um potencial económico enorme. O PiB per capita, enfim, não é dos piores mas a distribuição da riqueza corrompida desiguala e muito a escala social. Na rota do aeroporto principal para o centro a pobreza é notória, bem visível na precariedade das habitações e no desarrumo das pessoas. Havia nesse dia um bloqueio na autoestrada com uma manifestação de emigrantes colombianos que também por ali habitam ou escondem.

Creio que por não fazer parte do programa, não cheguei a ver exatamente o interior das partes novas da cidade. Vi melhor a parte antiga, ainda do tempo colonial, e esta não defrauda mas é também notória a urgência na reabilitação de diversas zonas. 

Depois deste périplo menos acolhedor, vou trocar de lentes para ver o outro lado. Que existe.


Plaza de Mayo

Cabildo, 1725/1751

Casa Rosada, 1882/1898

Catedral Primada, XVI, a do Papa Francisco.

• O tempo colonial, a revolução, o populismo, a ditadura, a democracia passaram e passam por esta histórica Plaza de Mayo.


Teatro Colón, 1908. 

Livraria Ateneo, 1819, restaurada.

Cafe Tortoni, 1858, restaurado.

La Ideal, 1913, restaurada.


Basílica Nuestra Señora del Pilar

Túmulo de Evita

• Memórias de um país. 


Puerto Madero, 1996

Puente de la Mujer, 1998, Calatrava

Floralis Generica, 2002

• Perspectivas de futuro. 


La Bombonera, 1940, do Boca Junior 

• Mundo do futebol argentino.

• Escolha das Cores do Club: as da bandeira do primeiro barco que aí aportasse: Suécia.


El Caminito

• Rua-museu localizado no bairro de La Boca, a 400m de La Bombonera. Lugar de inspiração para a música do tango Caminito (1926).

Para regalo do olhar, nas paredes das casas estão concentradas todas as cores garridas sul-americanas.


Rio de la Plata e estátua de Colón

• Símbolo da riqueza de outrora. 


Basílica de San Isidro. XI/XII

• A perfeição.


Rio Luján, Tigre

• Paradeiro residencial e nobre dos ‘eleitos’.


Nestes lugares, nestes espaços, nestes ícones de Buenos Aires que cruzam o mundo, há a beleza dos tempos áureos argentinos, sem o glamour, porém, que se adivinha ter aqui existido.

A área nova de Puerto Madero espelhada nas águas da ilha - o ex-libris maior da Argentina moderna - reflete bem o que a Argentina quer do futuro.

Para quem seguiu e segue o percurso da Argentina encontra em muitos lados muitas marcas do que imaginou à distância. Sublinho todas mas retenho com gosto especial o interior do Teatro Colón, símbolo de uma época. Pela sua magnitude, pela sua exuberância, pelo bom gosto e excelente conservação.


Apesar da correria a que as enormes distâncias obrigaram - e que várias voos (9) resolveram - foi, em conclusão, uma viagem incrível. Daquelas a emparelhar com outras ‘Viagem de uma Vida’.

Foi ainda especialmente grandiosa porque convivida com o mano Nando e cunhada Anita, companheiros de vida, com a sempre alegre e bem disposta Madalena, com o sorriso espontâneo, aberto, franco e lindo da Carla e com a recatada Branca,  a Mayor. Sem eles, ‘não seria a mesma coisa’. Um Xi reforçado.


Festejei - e aqui a palavra traduz bem o dia 5/5 - os meus 72. Foi um dia em grande, dia de festa do primeiro ao último segundo para mim em particular, mas também para todo o grupo (24). A alegria reinou durante todo o dia com ‘parabéns a você’ cantados em todo o lado, até no teleférico. O bolo (da Oásis), o champanhe (do Mano), as prendas especialmente dedicadas e carinhosas destes amigos e os ‘Parabéns a Você’ cantados em uníssono num jantar-espetáculo, foi a cereja dourada deste meu dia. Retribuí com um abraço sentido.


Despedi-me do Condor com um ‘hasta la vista’, Compañero.


Link Photos: https://photos.app.goo.gl/8dBp9tCXiwfenjz98


Casa Rosada
Cabildo
Puerto Madero
El Caminito
Teatro Colón
Livraria Ateneo
Puente de La Mujer
Tango Porteño
Fim do Mundo
Ilha dos Pássaros e dos Lobos
Mirador de los Navegantes
Puerto la Puella
Lagos Argentinos
SanTiago do Chile
ValParaíso
ValParaíso
ViñaMar
Cordilheira dos Andes


3 comentários:

  1. Muito bom. Parabéns Magalhães!!!

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  2. Não há nada melhor do que viajar. Que grande aventura. Um dia espero ter tempo para fazer o mesmo. Entretanto vou apreciando esta bela partilha. Obrigada ❤️

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  3. Obrigada por me levar nesta viagem de sonho e sem sair do sofá. Adorei

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