02Jul'2016: fui espreitar o passado.
Fazia algum tempo que não entrava na Casa da Garceira.
[a casa que meus avós maternos reservaram para a sua velhice e que em criança visitava amiúde; também a primeira casa de meus pais logo após o casamento. Em partilhas, foi adquirida por um dos filhos, o meu tio António, e agora é pertença de um dos filhos dele, o Fernando].
Avistava-a apenas en passant quando esporadicamente por ali transitava. O meu imaginário era pois preenchido por vivas memórias de anos atrás e que, parecendo terem vida própria, foram resistindo à erosão natural dos dias, não deixando de reivindicar seu estatuto privilegiado de primeiras.
A reentrada foi suave, como se tivesse chegado ao destino de uma longa viagem, investigando cada canto com serena minúcia.
Passado algum tempo, depois de ter inspirado “aquele ar” revigorante que apazigua e remoça o caminhante, assentei sem delongas que tudo estava no mesmo lugar e tudo igual ao que sempre fora (ou não quis ou não fui capaz de captar os novos aromas):
A porta para os quartos lá estava: igual;
A porta para a sala de entrada onde era recebido o ‘compasso’, lá estava também: igual;
A janela para ver quem passa na estrada: no mesmo sítio.
Não vi mais compartimentos mas, era este espaço, verdadeiramente - a cozinha -, que mais me interessava.
Não houve, pois, sobressaltos.
Senti-me bem ali sentado num banco corrido (não existem mais os preguiceiros), frente à velha lareira, agora sem a negritude da fuligem pulverulenta a realçar a parede, desfolhando conversa solta com os familiares presentes numa imitação quase perfeita d’outros tempos.
O acolhimento sem reservas, o à-vontade, o sem-cerimónia, a simplicidade com alma e o saudável ambiente vivido e sentido entre aqueles primos, primas e tia, facilitaram não só a integração no seu seio - tornando-me rapidamente em mais um deles -, como foi facilitada também a observação e preservação sem danos desse passado que gosto de conservar intocado.
E que agradável que foi!
As portas e os corações franquearam-se sem receios, numa confiança recíproca sem limites que, então aumentada, dura até hoje.
Outros tempos foram recuperados dos escaninhos de cada um numa conversa morna e prazenteira embalada por um ritmo calmo como recomendava aquele dia deste crepitante verão.
Para outra altura, com mais tempo, pedirei para ver mais, incluindo os campos, o açude, a eira e o alpendre. Estou certo que me será dada permissão para tornar mais abundante a colheita de saborosas recordações.
Nesse dia soube bem espreitar algum passado comum com estas pessoas boas, honestas e sinceras, sem filtros ou presunções a tolher a relação.
Fiquei ainda com mais estima por esta família por assim serem e por darem viva mostra do genuíno ADN da FdQ que, visivelmente, carrega.
Optei por não tirar fotos para não aprisionar o momento e a circunstância; prefiro, outro sim, dar mais espaço à imaginação para que voe sem freios, mais livre e agora mais fértil com esta atualização.
“Tudo está no seu lugar, graças a deus, graças a deus” (Benito di Paula).
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