Não
detinha especial informação sobre este (famoso) evento sevilhano. A Sevilha que
conhecia datava da Expo'92, que visitei por duas vezes a partir de férias no
Algarve. Na altura, foi para mim o expoente máximo das Expo, com novidades
surpreendentes, quase deslumbrantes, vislumbrando-se aí o que poderia ser o
advento de um futuro muito próximo e, em muitos casos, concretizado.
Soube
agora lá - isto de não acompanhar tudo o que se passa no mundo no seu tempo tem
a vantagem da surpresa - que tinha havido uma outra em 1929 (ano do crash
americano) de similar dimensão. Visitei parte do que fora aquela e as inúmeras
marcas deixadas. Refiro-me aos abundantes e espaçosos jardins, ao vistoso e
luxuoso hotel Alfonso XIII e aos muitos pavilhões que lá permanecem em muito
bom estado, incluindo o português. Pelo que pude observar, terá sido uma Expo,
à data, equiparável à de '92.
Esta,
a de ‘92, apenas a revi de longe, do lado direito do rio (Guadalquivir), ficando com a perceção de algum reaproveitamento
mas, também, de razoável degradação.
Muita
coisa haverá ainda a fazer.
São
bem visíveis e bem conservados os ícones principais que a celebrizaram em todo
o mundo, tais como: a Torre, a ponte de Calatrava e o TGV para Madrid, então
inaugurado (fala-se, por estes dias, na sua extensão para Badajoz).
Considerando
estas duas grandes realizações, que vieram aumentar o perímetro da cidade e
potenciar o orgulho, a energia e o dinamismo das suas gentes, encontramos uma
cidade - a 4ª + de Espanha, capital da Andaluzia -, bem interessante. O casco
velho - bairro judeu (daí expulsos na altura da inquisição) -, é constituído
por ruelas estreitas - como se esperava - mas, bem cuidadas e adornadas pela
dinâmica do abundante comércio local. Cada canto e recanto é uma agradável
surpresa ao dobrar de qualquer esquina. As cores garridas andaluzas (como que
num prolongamento do nosso Alentejo/Algarve ou vice-versa) espalham-se por toda
a cidade velha, dotando-a de uma alegria contagiante e revigorante. O sol
radioso penetra generosamente pelas vielas dando-lhes vida e convidando o
forasteiro a se comprazer com elas. Pracinhas de eleição - a 'Elvira Plaza', por ex., - recebem e
retêm quem a elas chega com os cheiros intensos, frescos e adocicados das
laranjeiras floridas. Tive a sorte da visita coincidir com a floração das
laranjeiras (laranja amarga exportada para a GB), espalhadas praticamente por
toda a cidade, inundando as narinas com aquele odor refrescante que tão bem as
caracteriza e que nos bem-dispõe. O olfato assim arejado agradeceu a oferta
pródiga da natureza. A isto se acrescentam os inúmeros e enormes jardins - o de
Maria Luísa, p.ex., - já bastante bem
revestidos com a nova roupagem, meio envergonhada, meio luxuriante, dos
primeiros dias da primavera, fazendo adivinhar a sua utilidade refrescante lá
mais para diante, para os tórridos dias de verão (falava-se em 46/49º).
Nos
limites exteriores, as zonas novas da cidade cintam-na sem a apertar, mas são
basicamente iguais a muitas outras: zonas habitacionais com arquitetura
construtiva de gosto questionável, para não dizer dispensável.
A tentação da comparação.
Não
resisto, sem me alongar, de a comparar a Barcelona onde estive em Fev. último.
Barcelona é Barcelona, com identidade e personalidade próprias, mas posicionada
noutra escala. Tem-na, claramente, para ser uma Capital de país. Não estou com isto a
incentivar ou a concordar com a vontade de alguns para a independência catalã,
antes pelo contrário: acho mal e o futuro confirmará perniciosa.
Compararei
apenas o casco antigo: têm em comum o lado labiríntico das suas ruelas mas
estas de Barcelona, e também porque os prédios são substancialmente mais altos,
transmitem - sobretudo no inverno com a ausência do calor, da luz e das cores
vivas - uma sensação de maior desconforto, incluindo o térmico, e agarra-nos
menos. O forasteiro compensa-se na Broadway lá do sítio, deambulando-se
preguiçosamente pelas apinhadas e coloridas ramblas.
Semana Santa sevilhana
"Tocam
os sinos, rufam os tambores, estrelejam os foguetes: é dia de festa" - Título
para redação que o meu inesquecível professor liceal de português - prof. Rego
- disse para fazer, sobre as romarias portuguesas de então.
Recordo
o título para sublinhar do quão diferente é a manifestação religiosa de
Sevilha: apenas dobram os sinos dos carrilhões numa sonoridade tristonha,
sombria e de alcance longo - lembrando o toque de finados - que não convida à
festa no sentido mundano ou mais alegre do termo, antes ao recolhimento e à
introspeção.
Faz
tempo que - talvez desde que em Roma, no Vaticano, na Praça de S. Pedro e com
João Paulo II à janela e em igual período pascal - não presenciava um tempo de
tão generalizada demonstração e comoção religiosas.
Desde
o tempo dos Reis Católicos, Isabel I, Séc. XV - em que a religião católica
começou a ser a religião oficial - que se sabia deste lado dedicado do povo
espanhol, mas não o imaginava a este nível de participação popular e pública
nos dias de hoje, principalmente de tão elevado recolhimento e compenetração
(estatisticamente 76% são católicos).
Não
fica atrás da do Vaticano; com a apreciável diferença de que esta congrega
pessoas de todo o mundo (e muitas delas turistas), enquanto a de Sevilha é
essencialmente local, regional ou nacional.
Estamos
a falar, segundo se lê, numa adesão de cerca de 1M de pessoas... e, na sua
maioria, com uma postura religiosa genuína.
Exteriorizam
essa seriedade com a sua melhor roupa domingueira: os homens de fato e gravata,
irrepreensivelmente limpos e aprumados; as senhoras com finos e elegantes
vestidos. Salpicando a multidão, muitas mulheres exibem o típico traje
sevilhano de ocasião: um vestido preto define-lhes os corpos; um sapato bem
alto eleva-lhes a elegância; de um pente andaluz solta-se uma comprida mantilha
de fina renda que, cobrindo-lhes os ombros, esvoaça leve e solto ao ritmo do
andamento, imprimindo-lhe o último toque de leveza, fazendo aparecer,
destacado, um rosto jovial, alegre e sorridente, sempre recetivo para quem
passa e para qualquer máquina fotográfica. Elas e eles passeiam-se pela urbe
num passo altivo, ora lento, ora mais apressado, dirigindo-se para os locais
por onde passará a sua procissão e prosseguir com a sua devoção.
A
autarquia também se junta aos seus munícipes para o engrandecimento das
cerimónias e prepara a cidade para que nada falte, tudo esteja arranjado a
preceito e o ritual se cumpra por inteiro. A proteção civil, sempre presente,
previne o bem-estar das suas gentes; as forças policiais garantem que não haja
distúrbios; cadeiras são instaladas em pontos estratégicos para
proporcionar um acompanhamento ainda mais calmo e atento; muitas varandas são
enfeitadas com colchas grená e orlas douradas… tudo, revestindo a cidade de
uma look cromático uniforme.
57
Confrarias saem das suas igrejas e em procissão com rituais, trajes e andores
distintos, percorrem as ruas predefinidas até à Catedral, organizadamente, por
um tempo que pode durar 10 horas, incluindo a noite da célebre ‘Madrugá’; daí e
com o mesmo andamento solene e concentração, regressam às origens. O percurso é
lento, silencioso, intimista. Os trajes dos participantes escondem o corpo e o
sorriso.
Descalços
e de círio pascal na mão, os figurantes marcam o ritmo e abrem alas à
hierarquia da igreja e aos enormes, pesados e enfeitados andores que os
precedem. Uma quarentena de homens mais jovens, com indumentária própria e
escondidos por panos quaresmais, transportam-nos em ombros em esforço e suor,
sem um lamento e até satisfeitos pela honra. Nas substituições saem de lá de
baixo cansados, corados e suados mas com a satisfação estampada no rosto pelo
dever (ou promessa ?) cumprido.
Aqui
ou/e além um(a) cantante assome a uma janela engalanada e, numa voz sonora
solta sua reza num canto de melodia contida fazendo parar a procissão. Todos
param e em profundo silêncio lavam também suas mágoas mundanas ao som daquele
'fado' andaluz.
Purificados,
a procissão prossegue lenta para mais beatificação.
Com
o tempo, sem menosprezo para as demais, algumas procissões ganharam mais
destaque e a elas acorre um maior número de fiéis (ou mirones). A primeira,
incontestada, a da Macarena, seguida da da Triana, El Cachorro, Gran Poder,
Citanos...
Adicionalmente.
Dos
vários pontos de interesse e sem os quais o conhecimento de Sevilha fica
diminuído, para além dos já referidos, acrescento: Praça de Touros La Maestrança, Torre del Oro, Real Alcazar,
Giralda, Praça de Espanha, Parasol
e, para mim, sem a menor sombra de dúvida e sublinhadamente, a Catedral de
Sevilha.
O
facto de se posicionar, ex-equo, no top4 das catedrais mundiais, é, desde logo,
um bom indicador da sua magnitude, imponência e importância. Não me atrevo a entrar
em mais detalhes quer exteriores quer, por dificuldade acrescida, interiores;
na ‘net’ abundam fotos que falam por si e vasta literatura; refiro, tão só, que
por lá passou muito da história de Espanha e que lá estão com a pompa,
importância e destaque que o país lhe atribui, os restos mortais de Cristóvão
Colombo num túmulo de dimensões a condizer: grande e majestoso (deixo agora de
parte a controvérsia sobre o tema).
Era,
de resto, um dos locais onde tinha forte empenho em chegar. Acompanho CC desde
que comecei a ouvir falar dele por começar desde cedo a perceber que foi um
personagem realizador de feitos que transcenderam o seu tempo (1492) e que
determinaram e moldaram os destinos do mundo para sempre.
Ficou
ainda mais saciada a minha curiosidade quando consegui (nesta mesma viagem)
chegar a La Rábida, (Huelva), local
de onde desancorou nos seus pequenos barcos à vela (a nau Santa Maria, e as
caravelas Niña e Pinta) rumo à
aventura, mas com um propósito bem definido.
No
Mosteiro de La Rábida, em Palos de la Frontera, Huelva, fomos
recebidos por um frade, um contador de histórias fantástico, que historiou com
razoável detalhe a vida de CC, em especial sobre o tempo da sua permanência em
Espanha e mais concretamente neste mosteiro. Tinha um tal dom expressivo, quase
teatral, que parecia estar a escutar alguém que privou com CC e viveu
pessoalmente os acontecimentos ou, renascido das cinzas, alguém acabado de
chegar para relatar com toda a minúcia os 7 anos que CC lá viveu e as
vicissitudes por que passou até conseguir garantir financiamento da Coroa
(Isabel I) para o empreendimento que sempre o animou: a descoberta da América.