sexta-feira, 20 de novembro de 2015

'Valeu a pena' - Outras histórias

A publicação da prosa no link acima, despertou memórias adormecidas em muita gente da família que dela teve conhecimento (FdQ, FdV, m&c) e fez ressuscitar muitas outras histórias, algumas com curiosidades interessantes que, com tempo, tentarei aqui reproduzir.
Estas três que se seguem - vagamente conhecidas por todos - foram recontadas e melhor detalhadas pela minha irmã Mª Emília. Sem as distorcer, juntando o que sabia com o que ouvi, transcrevo-as ao meu jeito.

Grávida antes do tempo
Por exemplo, o episódio, algo rocambolesco, que precedeu o casamento da tia Rosa, a mais nova dos cinco irmãos do meu pai, com o seu futuro marido, António Marinho (ambos vivos a esta data, nov./2015; os dois últimos desta geração da FdV).
Rocambolesco, disse, visto à distância, mas desesperado, senão mesmo dramático, para quem o viveu.

Vamos à história, vista do lado ligeiro, pois o tempo que sobre ela passou já lhe arredondou todas as arestas.

Como inicialmente referi, ao tentar definir o perfil do meu avô paterno enquanto pessoa, era, também, muito temperamental e, até, irascível.
Exercia a sua autoridade de chefe de família com critérios muito próprios, do género: 'quero, posso e mando', ou, 'com mão de ferro', para não dizer mais. Confrontado com factos decidia pela sua cabeça sem fundamentação cultural, tradicional ou religiosa. Era sensível, sim, aos ditames sociais em vigor na região que seguia e fazia seguir escrupulosamente.
As suas andanças por terras de África na idade militar, não contribuíram para a reestruturação pessoal, nem lhe terão aberto outros horizontes.
As suas idas a Fafe e os contactos com o seu patrão, dono da Quinta da Veiga (Dr. Juiz), não terão ajudado ao refinamento das suas ideias, já então muito enquistadas.

A minha tia Rosa era uma mulher bonita e os seus olhos azuis harmonizavam-lhe o rosto, completando um agradável conjunto. Uma típica moçoila da aldeia com 'um palminho de cara', como soía dizer-se.

Os rígidos usos e costumes da altura impunham que 19 anos traduziam uma idade muito precoce para namorar e muito mais ainda para engravidar. Mas a força incontrolada da natureza e a espontaneidade da juventude falou mais alto: engravidou.

E agora?
Como dar a notícia ao respeitado e temível pai, tendo em conta que a distância da relação entre ambos era grande, muito grande e o 'imprevisto', sabiam-no todos bem, ia contra a vontade dele?

Sem força e coragem para abordarem a questão sozinhos, pediram a intermediação da irmã Maria - mais velha e já casada com o Francisco Marinho -, por obra do acaso que o destino teceu, um irmão do António Marinho. Eram, pois, dois irmãos e duas irmãs casados entre si ou em vias disso.

Vivia o casal, Maria e Francisco, a uma légua de distância da casa do pai, no lugar da Garceira (agora pertença de familiares: do falecido primo Francisco, entre nós, carinhosamente conhecido pelo Chico do Barão) e aí 'granjeavam' uma 'lavoura'.
Combinaram, então, entre os quatro, 'convidar' o pai a fazer-se deslocar até aí para lhe comunicar a 'desdita' ocorrência, na vã esperança da obtenção da sua bênção.
Durante a 'conversa' a tia Rosa permaneceria na Veiga, na casa do pai, a aguardar notícias e o António Marinho ficaria escondido no andar de baixo (na corte do gado) para que pudesse assistir, sem provocar, ao desenrolar dos acontecimentos e intervir se fosse caso disso.

Chegado o dia aprazado, lá seguiu o meu avô rumo à Garceira para saber as novas que o aguardavam.

A tia Maria e o tio Francisco, socorrendo-se de toda a subtileza de que eram capazes, tendo em conta o melindre da situação e o génio explosivo do interlocutor, foram expondo com doçura e verdade o plano que tinham gizado para a ocasião.
Não levou muito tempo a que o meu avô percebesse da verdade da situação e daí até à explosão incontrolada, carregada de ira, cólera e ameaças de morte à sua filha Rosa, foi um ápice; em menos de um fósforo, transformou-se. Esbaforido, saiu porta fora procurando a filha, para lhe 'chegar a roupa ao pêlo'.

Nesse entretanto, o tio António Marinho que tudo escutava em baixo na 'corte do gado', não hesitou em fazer bom uso da força e agilidade da sua juventude e 'oh pernas para que te quero': desatou numa correria desenfreada até à Veiga, antecipando-se, assim, à chegada do meu avô que, enfurecido, o seguia - sem o saber - e com intenções malévolas, a que apenas a fuga atempado com a tia Rosa, sua amada, não permitiu saber quais pudessem ter sido. Mas livrou-se, concerteza, no mínimo, de uma tareia a valer.

Desconheço os pormenores subsequentes ao episódio da relação entre as partes envolvidas, apenas sei que os dois jovens casaram e tiveram uma bonita prole de quem conheço melhor a Emília, a mais velha - afinal uma das protagonistas da história - a que, por sua vez, viria a casar com o Carlos, irmão da minha cunhada Isabel, esposa do meu irmão Chico.
Confuso?
As voltas que o mundo dá...

Prenda de casamento
Depois do que tenho dito sobre o controverso perfil do meu avô paterno, e na tentativa de o enriquecer um pouco mais, olhando-o de vários ângulos, vem a propósito que aqui deixe registado, também, uma sua (rara) atitude de reconhecimento e gratidão tida para com o meu pai, faceta que vem um pouco ao arrepio do que era seu hábito.

Meu pai não chegou a cumprir o serviço militar.
Também não fui investigar a pressão que sobre esse sector existia na altura (1934) para poder avaliar melhor do grau de dificuldade em 'livrar' alguém da tropa. No meu tempo, 1972/1974, era difícil, muito difícil até porque as condições de isenção estavam vertidas em lei e a arregimentação, praticamente geral. (Pessoalmente cumpri 3 anos). 
Sei, de cor, que nesse tempo (1934) estávamos ainda no rescaldo da I Guerra e o Führer Hitler, fazia as suas aparições populistas cuja evolução viria a dar na II Guerra. A nível nacional, continuava o recrutamento para a defesa dos, então, territórios ultramarinos portugueses: Goa, Damão e Dio (Índia); Macau (China); Timor (Oceania); Guiné, Cabo Verde, Moçambique e Angola (África). (Brasil já tinha dado o seu grito de Ipiranga em 1822). 
Creio, pois, haver alguma dificuldade para isentar alguém dessa obrigação.

... e não cumpriu o serviço militar porque seu pai, precisando muito da força dos braços possantes vindos dos seus 20 anos de idade, deslocou-se a Fafe, a casa do 'respeitoso e influente, Sr. Dr. Juiz' - seu patrão e dono da Lavoura da Veiga - com um propósito claro, um 'pedido' interesseiro e um argumento acintoso: que livrasse o Avelino da tropa por precisar muito dele nos trabalhos da lavoura (da sua lavoura, dele, Juiz) .

Imagino o Dr. Juiz a mexer-se na cadeira, a bisbilhotar 'atentamente' os papéis na secretária, a acariciar o queixo, a cofiar o bigode, a voltear-se pela secretária, a teatralizar a situação, enfim, mas a saber que tudo faria para garantir aquela mão de obra para a sua propriedade.
E foi o que aconteceu: livrou o pai da tropa.

Em conclusão e por via disso também, meu pai permaneceu na Lavoura da Veiga como principal força orientadora e de trabalho até casar: aos 30 anos.

Nessa altura - 1944 - ainda a II guerra estava no auge e as populações europeias exangues com as despesas da sua manutenção; e a portuguesa, exangue também, com o esforço financeiro para a manutenção de todo o seu Ultramar.
Recomeçar uma vida a dois era, no mínimo, 'complicado'.

A região era pobre e vivia quase num regime feudal, com 'os senhores' a dominar a economia, essencialmente agrícola. Eram poucos os 'Lavradores', i.e., os detentores de terras. O dinheiro não chegava aos de baixo. A economia agrícola pouco mais era que a de subsistência. A indústria, explorava o volfrâmio para exportação. Só com enorme esforço, trabalho e muita poupança forçada havia algum dinheiro para as necessidades imediatas. Os progenitores, mesmo querendo, tinham sérias dificuldades para ajudar as novas vidas dos seus filhos.
Quem quisesse começar vida própria, tinha de o fazer por sua conta, sem alavancas. 

Os mais bem sucedidos, com algum desafogo financeiro, dominavam um modelo de negócio: 'dar gado a pensar fora'; ou seja, compravam os animais - vacas parideiras - e, em troco da criação que elas dessem, emprestavam-nas como força de trabalho a pessoas em quem confiassem, mantendo, porém, a sua titularidade. Era assim que funcionava, também, para quem quisesse começar vida nova e com carências. Muita gente da região - os caseiros, como eram chamados - viveu muitos anos, para não dizer toda a vida, neste regime.

E cheguei ao episódio que aqui queria deixar: meu avô, no tal gesto de reconhecimento e gratidão - quase magnânimo -, ofereceu ao meu pai pelo seu casamento 'uma parelha de vacas'.
Com este fermento, não sei se inesperado, começou sua vida com minha doce mãe.

Coração de Mãe
Mais uma pequena mas não menos interessante e tocante história.

Muito diferente do que acontece nos dias de hoje - suponho - era meu avô da Veiga o Vago-Mestre (para utilizar um termo militar) lá de casa, ou seja, a pessoa que administrava os víveres para toda a família.
A avaliar pelo que dele conheci ou soube não admito a hipótese de também ser ele o cozinheiro. Essa função 'menor' seria executado pela minha avó Emília, sua esposa, e com os menus que ele indicava.

A simplicidade exagerada dela ou o poder exagerado dele assim definiu o funcionamento das coisas lá em casa.

Meu tio Manuel, irmão do meu pai, o mais 'simples' dos irmãos, teve uns inícios de vida de casado difíceis. Mesmo iletrado ainda foi cumprir o serviço militar obrigatório a Angola. Depois de regressar de África e casado, as suas dificuldades em lidar com a vida aumentaram até um ponto 'complicado'.

(teve, como camarada de armas um outro meu tio, do lado da minha mãe, o tio Zé, que com ele lá esteve e ambos haviam de trazer o açúcar para o casamento dos meus pais em Dez/1944. Curiosidades.)

Um parênteses pessoal.
No meu tempo de tropa, 72/74, já não tive analfabetos portugueses na Companhia, mas havia bastantes soldados com escolas primárias muito precárias.
'Em tempo de guerra não se limpam (só) armas' e depois de reafectarmos os 150 homens às tarefas que cada um melhor sabia fazer para tornar o dia-a-dia mais funcional, recriamos uma escola primária, no quartel, para os soldados nativos, alguns desses, sim, analfabetos. Eu próprio dei as aulas e na altura certa levei-os a exame da 4ª classe, à cidade do Luso, agora renomeada Luena.
Fecho parênteses.

Retomando a história.
Já à mesa para comerem a refeição, era meu avô quem distribua as porções pelos presentes, incluindo a da minha avó que a recolhia cabisbaixa e coração distante: sorrateiramente, escondia-a debaixo da mesa para mais tarde a levar ao seu filho Manuel...
E mais não digo: Mãe.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Croácia, Eslovénia e Bósnia-Herzegovina, com a PLV.

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I - Antes da Viagem.

A opção por esta viagem aparece muito por força do aliciamento encantatório com que as agências de viagem promovem e difundem os seus produtos, por um lado, e por estar atento a novas oportunidades para conhecer novas gentes, novas regiões e novos mundos, por outro.
Os encantos de belezas naturais daquela zona da costa adriática, bem ilustrados em merchandising, chegam-nos como locais únicos e como uma daquelas 'x coisas a ver na vida'.
Vou, pois, animado de um otimismo moderado e aberto às novidades. Levarei, naturalmente, a máquina fotográfica esperando dar-lhe bom uso.

Estes três países a visitar - os dois primeiros já na UE - faziam parte dos oito da ex-Jugoslávia (6 repúblicas e 2 províncias autónomas) e é também nesse quadro que os olharei; um olhar não só sobre o passado mas sobretudo para o futuro (grande parte deles, dos 8, já na UE).
Relembro as guerras e os dramas humanos recentes - anos '90 - provocados pela desagregação, (desanexação ou recomposição) daquela outrora federação, cujo desfecho foi aquilo que sabemos: restauração de antigos países e de alguns novos.

O ímpeto independentista dos diversos povos que a compunham, a redefinição das suas muitas fronteiras e o reajustamento social - com os reagrupamentos subsequentes - elevou as tensões ao nível da guerra civil de que vieram a resultar muitos milhares de mortos, muita miséria, muita precariedade e indefinição. Neste momento estão todos socialmente bastante estabilizados e trabalhando nas suas reconstruções.
Os seus Pib's per capita são, regra geral, relativamente baixos, o maior dos quais o da Eslovénia  (28.000 USD), e o menor o do Kosovo (7.000 USD).
Por aquela zona, nomeadamente pela Macedónia e, depois de fechadas as fronteiras húngaras, também pela Croácia, está a passar a rota migrante dos desgraçados sírios, especialmente, mas também a de muitos outros países do Médio Oriente.
Fugindo das devastadoras guerras nacionais ou regionais, do crescente poder arrasador do Estado Islâmico (IE), da miséria e da fome, arriscam tudo - a própria vida - para alcançarem alguma paz, alguma vida. A UE, a começar pela Alemanha - que tem sido exemplar no acolhimento e na condução deste processo - tem sido a zona mais à mão para o conseguir.

Lembro também os oriundos destes ou de outros países que 'dão à costa' de Lampedusa, às costas do sul de Itália, ilhas gregas e Grécia. UK.  ... 
Em 2014 - 62% Vinham de Síria, Afeganistão, Somália, Sudão e Sudão do Sul
Em 2015 - 380.000, até início Setembro, segundo UNHCR:
(http://data.unhcr.org/mediterranean/regional.html)
 Syrians - 50% 
 Afghans – 13% 
 Nigerians – 4% 
 Somalians – 3% 
 Pakistanis – 3% 
  Iraqis – 3% 
  Sudanese – 2%
Veremos os dramáticos números finais.

No início de Setembro a imagem do menino de 3 anos - Aylan Kurdi / Síria - cujo corpo deu à costa em Bodum, na Turquia, e que os media fizeram passar para todo o mundo, incendiou finalmente as consciências coletivas para o drama destas pessoas, obrigando o poder político a alguma ação.
 Concordo que o tema não é de trato fácil; não basta um incoerente e simples 'venham', mas o drama humano tem de ser considerado e superado. Vai custar derrapagens orçamentais? Os 'sossegados' na vida vão ter de abdicar de algumas privilégios para salvar alguma humanidade? Pois que seja, mas faça-se.

II – Depois da Viagem

1) A viajem correu bem, sem imprevistos, perfeitamente dentro das expectativas, apenas algo condicionada pelo tempo que fez: alguma chuva e nuvens baixas. Refiro o fato pois, assim, a grandeza e beleza das montanhas balcânicas perderam dimensão e profundidade; as planícies e planaltos foram encurtados; os diversos enquadramentos - paisagísticos e urbanos - foram reduzidos. Porém o resultado final foi largamente positivo.

Vou pegar já na questão dos migrantes por ser um tema que levava com alguma apreensão e para dizer que 'não foi tema'. Apenas vagamente aflorado entre os excursionistas mas sem evidenciarem preocupação especial. Também é certo que a viagem decorreu, sobretudo, pela orla marítima e não era suposto que a usassem como possível zona de passagem.
Nas fronteiras com a Bósnia (não UE), no dizer de pessoas familiarizadas com estas andanças, a vigilância tinha sido ligeiramente mais cuidada, tendo a polícia entrado na bagageira do autocarro para despistar a existência de migrantes; e vi tendas numa outra para os acolher. Mas, repito, 'não foi tema'.

Não vou alongar-me pela história dos países visitados ou pela da Federação - próxima ou longínqua - pois ela é tão rica e variada que aqui não cabe nem a domino capazmente ao ponto de sobre ela opinar com rigor; referirei um ou outro aspectos, ocorridos em datas mais próximas, que melhor conhecia e que agora melhor consolidei.

Com a derrota e o subsequente espartilhamento dos territórios do Império Austro-Húngaro (sucessor do Otomano / Francês / Itália) que nessa área imperou até ao fim da Primeira Guerra Mundial, foi decidido pelos ganhadores, os Aliados, no Tratado de Versalhes, constituir uma Federação, juntando todos estes estados debaixo de uma única bandeira, tutelados por um Rei (Pedro I) e num Reino: o da Jugoslávia.
Com o avanço do comunismo vindo de Leste, emerge o carismático líder Josip Broz Tito que, dotado de uma habilidade política rara, consegue reinventar o clássico comunismo de Lenine e Estaline e revesti-lo com outra roupagem mais ocidentalizada. Conseguiu com esse carisma e com essa diferença política autonomizar-se da todo-poderosa URSS e acreditar-se no ocidente como não-alinhado. Com esta sua 'independência' atingida, robusteceu sua liderança externa e interna conseguindo manter unidos todos os estados da Jugoslávia. Inclusive, até aos anos '70, houve crescimento económico (6%) na Federação.
Adoptou, porém, uma política de instalação de fábricas nos países mais fracos, redistribuindo assim a riqueza produzida pela Federação, favorecendo-os, em detrimento dos mais ricos e essa política começou a abrir tensões nomeadamente na Eslovénia e Croácia, rastilhando-lhe o futuro.

Introduzo aqui um não inocente e curto parênteses para equiparar o que há bastante tempo acontece com o país Basco, a Catalunha e a Escócia: três regiões ricas. As espanholas, das mais ricas de Espanha e a Escocesa, também, em resultado do petróleo e gás existentes na sua costa do Mar do Norte. 
Fecho parênteses.

Após os anos '70 - concretamente '73, ano da primeira grande crise do preço do petróleo que chegou a aumentar 400% - a Jugoslávia começou a ter sérios problemas de financiamento tendo, inclusive, recorrido ao FMI.

... Entretanto o rastilho continuava, silencioso, a avançar.

Mais tarde, já próximo dos anos '90, o (grande) comunismo da URSS, colapsou e o modelo Jugoslavo não resistiu à onda de choque.
As razões do colapso Jugoslavo são pois de simpatia e de oportunidade a que se juntam as de identidade étnica, religião e outras menores.
E as guerras das independências começaram, desde logo, pelos mais ricos: Eslovénia e Croácia.

À medida que ia assimilando e validando localmente a história da região e dos países que a compõem, e tendo em conta que, primeiro, tendo estado sob domínio externo tantos séculos (Império Otomano, Francês, Austro-Húngaro, Itália) e, segundo, tutelado por uma Monarquia e por um Partido Único (comunista), uma questão pairava-me na mente: como explicar que a Jugoslávia, enquanto Federação, não tivesse conseguido ganhar raízes e tivesse vingado, ponto um, e, ponto dois, como explicar também a persistência e manutenção da identidade de cada um dos oito, ao ponto de, tantos anos depois, terem unidade e coragem bastantes para reivindicarem e lutarem com derramamento de (muito) sangue pelas suas independências!?
- Questão que fica, em parte, em aberto.

Introduzo aqui mais um parênteses para me pronunciar sobre o tema das independências. Já o fiz noutra oportunidade mas, porque a propósito, aqui fica mais uma vez.
E para dizer que, num mundo global em que cada vez mais vivemos, não faz sentido nem beneficia as populações, independências de países tão pequenos, no caso, cinco deles bem menores que o nosso Alentejo, por exemplo. O que seria dele, do nosso Alentejo, se tivesse de viver sozinho neste mundo global?
Pois é o que se passa em vários destes países mormente nos mais interiores, com Pib's muito baixos, tendo de recorrer a soluções marginais de economia para o conseguirem. Fazia  mais sentido uma Jugoslávia fortalecida pelos somatório das suas populações e territórios. Com essa dimensão – 25.000.000 de habitantes e 260.000 Km2 de área - poderia constituir-se em player mundial com alguma expressão.
Onde chega o interesse de pequenos grupos!?
Fecho parênteses.

Continuando.
O centro do poder, em particular do bélico, estava do lado mais pobre (como impusera Tito) que o aproveitou enquanto pode para conservar a hegemonia.
As guerras foram desastrosas e sangrentas e com os resultados habituais: muitos milhares de mortos, muita destruição, muita miséria e fome. 

2) Croácia

O primeiro país onde aterrei foi duramente atingido e percebe-se porquê. Quem o tomasse dominaria parcelas importantes da economia:
• Costa marítima longa e rica;
• Bordejada por 1.000 ilhas;
• Potencial turístico ilimitado;
• Porto de águas profundas.

Do aeroporto de Dubrovnic chegamos rapidamente (½ hora) à cidade com mesmo nome, à Pérola do Adriático, que é digna do epíteto e de merecido destaque.

Se há locais em que a natureza parece ter querido privilegiar de forma generosa, reunindo num curto espaço, num bem apelativo wallpaper, um conjunto de singularidades, Dubrovnic é, por certo, um deles.

E não se esqueceu de colocar uma ilha, à medida, à sua frente para proteger a baía e a cidade, desencorajando o mar mais mal disposto de perturbar as gentes que por ali veraneiam.
E não se esqueceu de aquecer a água do mar tornando-a caldosa, apetecível e mergulhável.
E não se esqueceu de a clarear de um mui nobre e cristalino azul-mar, para incendiar os sonhos.
E não se esqueceu de lhe oferecer um clima quente, descamisando quem por lá se espraia.
E não se esqueceu de pintar de verde vivo a vegetação circundante, para suavizar o olhar e a mente.
E não se esqueceu de abraçar a cidade com serranias grandiosas, para a proteger e às suas gentes.
E não se esqueceu de dotar o local com um promontório especial, oferecendo a quem a visita uma soberba, calmante e enlevada vista panorâmica.
E não se esqueceu de a aconchegar com uma bem dimensionada enseada onde diariamente aportam milhares de entusiastas turistas em luxuosos cruzeiros.

Tudo, dando à zona e à cidade a atração que muito séculos atrás os homens elegeram como seus para seu usufruto.

Muito danificada pela guerra recente da independência, a ela chegaram sem hesitar os dinheiros da Unesco e UE, que rapidamente a refizeram, atirando para bem longe tão fatídica lembrança.
Saímos de Dubrovnic para Mostar (Bósnia), pela 'Riviera de Tito', ou seja, pela orla litoral Croata em direção a norte, com o olhar pairando e investigando a paisagem que parecia caminhar à nossa frente e sem um fim definido.
A apropriação do cognome é merecida e justa (aparte o aproveitamento promocional).
Houve quem a equiparasse, também, com Amalfitana, localizada na costa mediterrânica italiana (não conheço). Opte-se por uma ou por outra, ou por ambas, o certo é que toda ela é uma costa especialmente bonita, com um potencial turístico fabuloso.
A estrada tudo serpentava mostrando cada canto, cada esquina.
Ladeada de incontáveis ilhas ou ilhotas, lagos, lagoas e enseadas, serras e colinas, uma variedade interminável de morfologias manteve-nos os sentidos bem despertos. Os telhados cor de telha e as casas pintadas de branco descendo encostas abaixo até à água, foram o elemento humano que faltava para enriquecer a paleta de cores da pintura e torná-la preciosa.
A retina logo a fixou e continuar a 'fotografá-la' por muitos quilómetros, foi um prazer esperado mas inesquecível que dura até hoje.

Oxalá os poderes públicos façam bem o seu trabalho de coordenação, para que toda a zona seja bem preservada e o carisma mantido.

Chegados à Bósnia, infletimos para a direita em direção a Mostar para visitar esta cidade (Património Mundial Unesco) e parte do país, a que regressarei mais tarde.
Vou continuar na Croácia para evitar intermitências.

Aligeirarei as cidades de Split, Togir, Rijeka e mesmo Zagreb, a capital, sem contudo com isso significar menosprezo por elas. Embora diferentes, as três primeiras têm semelhanças significativas, desde logo pela sua litoralidade e ambiência.
A de Split é muito marcada (e bem) pelo Palácio de Diocleciano mandado construir no Século V, estava já o Império Romano em acelerada decadência (acabou justamente nesse século, 476 d.C.). Apesar de estar em muito mau estado (como conservar edifícios desta envergadura pelos séculos fora?), é, não obstante, um testemunho arquitetónico surpreendentemente perfeito e a cidade continua a viver e a crescer à sua sombra e dentro dele.
Split. Palácio Diocleciano
Split. Palácio Diocleciano

Togir, dizem e não discordo, faz lembrar a Veneza daquele lado do mar, do mesmo mar Adriático da italiana. Apesar da comparação, Veneza tem uma história riquíssima tendo sido uma zona comercial importante a nível mundial porquanto detinha o monopólio do comércio com o Oriente. Viria a sucumbir com a alternativa do percurso marítimo descoberto pelo nosso Vasco da Gama, ao tornar os produtos daí oriundos muito mais baratos. Prefiro, de longe, esta Veneza, a autêntica, mas não me choca a comparação compreendendo o efeito promocional.
Rijeka, entra na história várias vezes pela disputa do seu porto de águas profundas por onde circulam as mercadorias de e para toda esta zona.
Zagreb é uma capital interessante, com características peculiares mas equiparada a outras suas congéneres. Apreciei especialmente o entardecer das suas gentes que com toda a normalidade prolongam um pouco mais o seu dia, noite adentro, em amena cavaqueira na Movida das ruas da baixa.

Notas curiosas:
a gravata nasceu lá, na Croácia, no séc XVII, como complemento do traje dos soldados numa parada militar a Luís XIV.
Nikola Tesla (1856), o engenheiro e inventor da corrente alterna, é Croata, celebridade perpetuada atualmente no novíssimo e bonito carro elétrico americano Tesla.

Lagos de Plitviče
Deixei para último, para fechar com chave de ouro a passagem por este belo país, a visita aos lagos de Plitviče.
E sobre eles, ocorre-me a figura clássica do número de dias gastos na 'criação do mundo' para lhe acrescentar mais um. E esse dia adicional foi seguramente para fazer Plitviče (Património Mundial da Unesco).
O criador esteve particularmente inspirado nesse dia e ainda bem pois fez ali uma obra-prima deslumbrante: a natureza no seu melhor, no seu estado mais intocado, de uma prodigalidade rara e inebriante.
O dia climático, chuvoso e pardacento mas não frio, permitiu realçar aspetos que por vezes o sol radioso camufla. A começar pela abundância diluviana da água. Jorrando em generosas quantidades de todos os lados, transbordava livremente libertando-se das amarras das suas margens, seguindo solta e veloz o seu destino.
Lá do alto, de cachoeiras gigantes e em queda livre, lançava-se em voo picado em espaço aberto, rebatendo-se aqui e ali numa saliência rochosa mais viva para abrilhantar a acrobacia, vindo morrer com estrondo bem cá em baixo agitando a pacífica lagoa que a acolhia num turbilhão frenético e vaporoso para logo se despedir num adeus rápido sem retorno.
Tinha pressa nesse dia.
A vegetação outrora carregada de verdes que o sol de verão realçara e que a fartura das águas alimentara, despede-se agora, mortiçamente, para dar lugar aos castanhos outonais, distribuídos em boa quantidade e homogeneidade por todo aquele original vale.
O pintor tem trabalhado muito por estes dias.

No human  is or was there, only nature.
Fazer parte desta diversidade que os homens, com algum engenho, tornaram mais acessível, faz um bem enorme à alma.
Não posso deixar de imaginar o que  seria repetir o percurso com céu e sol escancarados, agora ofuscado pelo tamanho do útil guarda-chuva e com a pesada neblina a limitar horizonte.
Quem sabe se não haverá uma segunda vez. 


3) Bósnia e Hersegovina

Não vou alongar-me sobre estes dois países Federados pois a pequena parte que observei não me anima o suficiente.
Sei que é um país socialmente complicado e instável com sensibilidades étnicas ainda muito à flor da pele, ao ponto do governo em exercício se obrigar a uma rotatividade do primeiro-ministro de oito em oito meses. E isto por a gestão dos grupos sociais que a compõem, de tão distintos e fraturantes, assim o aconselharem e exigirem, a bem de alguma governabilidade.
44% de bósnios  (eslavos muçulmanos)
31% de sérvios,
17% de croatas, 

O país, em forma disforme de amiba, encravado entre a grande Sérvia, a comprida Croácia e as altas montanhas balcânicas, respira para o mar através de um minúsculo funil numa faixa de 24,5 km de largo, cruzando, literalmente, a Croácia.
A concessão desta fatia tem uma história curiosa que remonta ao tempo do Império Otomano de que era parte e que é contada assim: a Bósnia pagaria uma renda anual pelo uso deste acesso, e o 'pagador da renda' ficava um ano retido em Istambul como garantia, até que chegasse o próximo pagamento.

Com o tempo o pequeno território consolidou-se na Bósnia e hoje é parte integrante e pertença inquestionável do país sem qualquer restrição ou pagamento de renda a quem quer que seja, incluindo à Croácia que atravessa e com quem mantém relações de boa vizinhança.

Há planos para que o porto de Neum onde termina, e as rodovias que chegam até lá sejam melhorados de forma a potenciar o funcionamento e circulação de pessoas e mercadorias.

Seguimos ao longo do rio Neretva rodeado de montanhas alcantiladas, gargantas profundas e desfiladeiros intermináveis à volta do qual e entre os quais segue um vale fértil onde é produzida muita da agricultura que abastece o país, essencialmente agrícola.

Deixado o vale e depois de subir as íngremes e despojadas montanhas, já em pleno planalto, passamos ao largo da cada vez mais célebre aldeia de Medjugorje, onde em 1981 terá aparecido Nossa Senhora a 6 videntes.
(O processo de acreditação decorre os seus trâmites no Vaticano)

Este fenómeno ainda recente é uma réplica dos já conhecidos de Lurdes (1858) com a aparição a uma vidente, Bernadette Soubirous, e, depois, à nossa de Fátima (1917) a três: Lúcia, Francisco e Jacinta.

Todos sabemos o que aconteceu a estes dois locais após a ocorrência e principalmente depois da aceitação por parte da Igreja. Estou certo que o mesmo acontecerá no da Bósnia: o Vaticano, mais dia, menos dia, reconhecerá a aparição e Lurdes e Fátima repetir-se-ão em terras Bósnias.

Mais um pouco e chegamos a Mostar (Património Mundial da Unesco).
É uma cidade histórica, pitoresca, dominada ubiquamente pela Ponte de Mostar datada do séc. XVI - destruída em 1993 e reconstruída em 2004 - e pelo característico pavimento das suas ruas em godos toscos colhidos do rio. De tão irregular, diga-se, é um chão nada simpático para o turista. A ponte, de um só arco perfeito simples, vale pela (lembrança da) sua antiguidade.

(Encontrei este tipo de pavimento na cidade de Trinita, Cuba, também Património Mundial da Unesco)

A cidade vive muito - quase em exclusivo - dos muitos visitantes que a procuram. O comércio é simples, essencialmente constituído por artesanato local e nacional onde não faltam brinquedos (de mau gosto e pior lembrança) feitos com invólucros e balas reais do tempo da bem presente, ainda, guerra civil.
Mostar

4) Eslovénia
Relaxemos o mais possível.
Relembremos a Áustria (vizinha) ou a Suíça.
Respiremos o ar puro das montanhas.
Apreciemos as varandas floridas.
Alarguemos o olhar nos lagos calmos.
Apalpemos os tufos coloridos da sua luxuriante vegetação.
Preparemos a máquina fotográfica, aquela de muitos pixéis: chegamos à Eslovénia.

Vou deixar de lado as dificuldades económico-financeiras que o país atravessa (vai ter de baixar o salário mínimo dos 700€), mas que por ser um pequeno país, com poucos habitantes, não desperta os ânimos da imprensa internacional.

Vou referir, apenas de passagem, a sua pequena mas importante linha de mar no Adriático, junto a Trieste e em frente a Veneza.

Vou mencionar, por curiosidade, o seu monte mais alto, o Triglav, de 2.900 m de altitude.

Vou passar ao de leve pelas grutas de Postojna onde a natureza se repetiu, apenas mais demoradamente, brindando-nos, mais uma vez, com aquelas bonitas formações caprichosas e onde foi particularmente exímia na sua execução.

Vou apreciar um pouco a sua pequena, cosmopolita e elegante capital, Liubliana, (duas vezes de noite e uma vez de dia) e dizer que é uma cidade bem simpática para nela se passear apesar de pequena, principalmente por ser pequena e estar tudo concentrado, à mão, onde:

Não falta um rio ao meio com histórias seculares interessantes;
Não falta uma praça principal com a estátua do seu maior poeta: France Preserev (o nosso Luís de Camões) a olhar a sua amada numa janela ali bem perto;
Não falta uma lindíssima catedral;
Não falta uma ponte original de três tabuleiros, a célebre ponte tripla;
Não falta um castelo altaneiro para a ver bem;
Não faltam bonitas esplanadas ao longo e sobranceiras ao rio;
Não faltam significativas estátuas nas outras pontes que ligam as margens;
Não falta bom comércio nas ruas principais;
Não falta um bonito e muito colorido mercado ao ar livre das coisas do campo;
Não falta uma máquina a vender leite natural...

Mas deixemos tudo isso e dirijamo-nos para o Lago Bled.
Aqui chegados recorramos à maior das musas e peçamos-lhe inspiração ou que ela mesma guia a nossa mão para aqui deixar o que lá se vê, observa ou contempla.
A 'fotografia' tirada lá do alto do velho castelo suspende a respiração. O mundo para e a imaginação levita sem que nada a perturbe.
O sol, saltando de nuvem em nuvem, espalha sua luz criteriosamente em tons claros/escuros, diversificando o cenário. Lá em baixo o longo e prateado lençol de água espelha essa luz solar em manchas reluzentes. Os barcos a remos, pequenos pontos coloridos, deslizam sem magoar a água e sem acordar seus habitantes, deixando atrás de si uma crescente e pequena ondulação, de rasto cada mais ténue, para a seguir se desfazer e dar lugar a uma próxima. Das suas encostas salta uma vegetação diversificada, tonificada, abundante e colorida que compõe e adorna toda a orla. Do lado do Triglav e já mais no seu sopé, começa a descair a cidade sua homónima, salpicando de cor também aquele horizonte, estendendo-se até ao lago. Um pouco mais ao fundo e algo descentrada emerge uma minúscula ilha encimada por uma igreja e uma bem visível e sonora torre sineira. 
Se do alto do castelo a visão deslumbra, das suas margens, já ao nível das águas, extasia. 
É possível meter numa só 'frame', o castelo suspenso na rocha e rodeado de vegetação a condizer. 
Lá cabe um bom pedaço do majestoso Triglav.
Lá cabe a extensão calma das águas. 
Lá cabem as casas multicolores que por perto se foram instalando.
Lá cabem os patos selvagens que por ali se alimentam. 
Lá cabem os pequenos barcos a remos que se passeiam no seu meio. 
Lá cabe a ilha e a igreja mais a torre sineira. 

E se tudo lá não couber pudemos sempre duplicá-la no reflexo das águas límpidas do lago que não regateia a oferta.

Lago Plitviče

Lago Bled