terça-feira, 7 de outubro de 2014

... escrever um Livro!

"Ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro"!

Há muitos anos que tropeçava nesta expressão: 'ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro'. Quando a ouvia de alguém passava-me pela mente o exagero, o pretensiosismo, o despropósito seguidos de algum desdém e desrespeito por quem a emitia, mesmo se convictamente. Definitivamente não a levava a sério; até risível e desprezível conseguia pensar do que então ouvia.
O certo porém é que no acontecer normal da vida o filho, no caso a filha, apareceu. Em boa hora, diga-se.
Mais tarde, também, fruto um pouco do acaso, a árvore, aliás várias, foi plantada.

O livro, faltava o livro.

Decorreram alguns anos e a carga negativa da expressão foi diminuindo de intensidade. Com o tempo, o 'risível' foi-se paulatinamente esbatendo e passou para a zona mais adormecida do cérebro.

Entretanto a vida continuava seu curso.

Outrora fui um leitor não direi compulsivo mas bastante amigo dos livros. Conservei sempre essa proximidade embora com distâncias irregulares. A leitura, a par de outras, sempre foi uma enorme porta aberta para o mundo, para novas descobertas e para o conhecimento, no seu sentido mais lato.

Fiz todavia um interregno da leitura mais assídua dos livros, para acompanhar com mais detalhe outra porta de entrada de informação e novidades: os jornais, a televisão e mais recentemente a internet. Na internet, a sua fonte inesgotável de informação levou-me, (e continua a levar) à subscrição de inúmeras Newsletter noticiosas oriundas de muitos quadrantes e dos vários cantos do mundo. E aí sim, esse acesso fácil e instantâneo a todas as notícias, traduziu-se efetivamente num salto gigantesco a tudo e em toda a parte do globo.

Foi já em 2010 quando mudei da casa, que me desfiz de uma boa parte dos livros que cuidadosamente conservava e isto pela simples razão de que não havia espaço disponível para os acomodar convenientemente na nova residência. Doei-os então a uma junta de freguesia das redondezas. Fiquei apenas com uma coleção de reserva (talvez uns 200) que, por ser coleção e serem todos do mesmo tamanho e com o formato de 'pocket book', facilitou e muito a sua arrumação e conservação.

Já na nova residência e tendo de deslocar-me todos os dias para o emprego, de Metro, em que despendia uma hora por dia (meia, mais meia), começou o tédio a acumular e a distorcer o lado lúdico da viagem. Olhar todos os dias as mesmas sonolentas e silenciosas pessoas ou escutar o som eletrónico, desumanizado, metálico, impessoal, frio, ensurcedor e rotineiro da menina do Metro ('Matosinhos Sul'; 'Matosinhos Sul' - 'Sentido, direction, Senhor de Matosinhos'), estava a destabilizar-me um pouco. O reservatório da tolerância estava a encher aceleradamente.
Que fazer?
Como resolver a questão?
Sem muita convicção ou mesmo vontade fui à estante e apanhei 'Cartas de Guerra' de António Lobo Antunes.
Além de me deparar com uma escrita fácil, o tema do livro era-me familiar: a guerra colonial portuguesa.
A leitura do livro reacendeu em mim recordações vívidas dos dois anos que por lá passei. Entusiasmado pelo fervilhar das recordações, alinhavei algumas perspetivas e vivências pessoais sobre o tema e coloquei-as lá, no próprio livro, e posteriormente neste Blog.
A seguir a este, outros livros foram aparecendo (recorrendo também aos da minha filha/genro) e durante as leituras a vontade de me pronunciar sobre os temas neles tratados ou sobre outros que eles me inspiravam, foi-se impondo naturalmente.
E aí nasceu o gosto de escrevinhar.
Já tinha experimentado textos e temas livres que inopitamente me iam surgindo ou a vida suscitava, mas as leituras de livros provocavam-me e convocavam-me quase irresistivelmente.

O Blog foi a solução encontrada, mais amigável, para a execução deste impulso.

Encontrar a fórmula, o formato e o estilo da escrita passou por um processo de aprendizagem e experimentação que levou algum tempo a definir-se até ao ponto em que comecei a sentir-me confortável e confiante com o resultado.

O processo criativo e a arrumação das ideias não sendo fácil e muito menos automático é todavia, para além de exigente, estimulante e até, por vezes, inebriante. Requer inclusive algumas cautelas para a salvaguarda do excessivo ou do deslumbramento torpe.

Não foi fácil ou pacífica a sua exposição na 'net'. Durante bastante tempo não tive a coragem suficiente para isso. Foi necessário vencer algumas enraizadas resistências interiores.
Passado algum tempo, anos, verifiquei não ser especialmente importante a sua exposição ao grande público internetiano. Estimulante, sim, começou a ser o prazer sentido na sua criação. Mais relevante que o número de leitores, quem lê, ou o que pensarão sobre o que eventualmente leiam, é ver expressas em forma de letra, o que este ou aquele tema me inspira ou sobre outros me apraz pronunciar. O que cada um pensa pertence ao seu direito individual e intocável e não me apoquenta mais. Assim como me sinto livre para pensar e escrevinhar, assim todos os outros o sentirão (ou não) também; mas isso pertence ao foro íntimo de cada um e a ninguém é dado o direito de o retirar.

Passei com alguma facilidade para o comentário / opinião político e social, com bastante naturalidade e apetência. Comecei também a incluir um ou outro pedaço de vida pessoal não só em texto próprio como inserto noutras crónicas, adicionando evidências pessoais como complementos à minha opinião ou ao tema em tratamento.

Estou numa fase de maior confiança em que transponho para aqui o que em cada momento me ocorre e sobre o qual acho oportuno dizer algo. As barreiras estão bastante mais reduzidas e salto-as com algum à-vontade.

Tem sido uma experiência bem interessante, com motivações e conclusões inesperadas.

Funciona muitas vezes como catarse para temas que pontualmente ou sempre me acompanharam mas que ao passá-los para aqui provocam um alívio apaziguador. Até parece que, ao alijar essa 'carga', fico mais leve, mais em paz comigo mesmo ou, porque não, como que me desfaço dela entregando-a a alguém.

Obviamente que ao pensar-se num tema e por uma questão de lealdade e honestidade tenta-se ser o mais verdadeiro possível. Não se devendo lealdade a terceiros fica apenas a verticalidade pessoal em causa e aí, pode-se não se ser verdadeiro - embora se tente (errare humanum esd) -, mas o que se escreve é honesto e sincero.
Também é verdade que, não raras vezes, se escreve pensando na pessoa A ou pessoa B, funcionando um pouco ao contrário de quando nos posicionamos como leitores ao sentirmo-nos incluídos neste ou naquele parágrafo de um qualquer texto.
Por outro lado, ao longo da vida, o nosso depósito de conhecimentos, experiências, vivências e emoções, tendem a enchê-lo até ao vazamento, e dá vontade a certa altura que esta emulsão laboratorial veja a luz do dia. Quanto mais não seja para memória futura.

Tenho notado que fico refém do que escrevinho, isto é, á medida que aqueles temas evoluem ou vão sendo repassados no tempo, vão sendo sempre testados e validados no dia-a-dia; se continuam a fazer sentido. Logo, o mais seguro é estar-se bastante certo com o que se escreve. 
Obviamente que o discurso oral alicerça-se muito no que já foi ali pensado e escrito, sendo que o contrário também é verdadeiro. Quantas vezes uma conversa solta, um pensamento, uma frase aparecidos do nada, vão servir de mote para o tema que mais tarde se desenvolverá.
Obviamente, também, não reescrevinho nada. O que foi escrito, assim fica.

Irei continuar a escrevinhar assim me acompanhe o gosto, alguma inspiração, algum engenho e alguma arte.

Voltando ao início deste apontamento, dou por ultrapassadas as dúvidas e demais questões referidas e, digo mais, aconselho vivamente a qualquer um a simples tentativa ainda que em regime experimental. Estou certo que concluirão o mesmo que eu: vale bem a pena.