segunda-feira, 15 de setembro de 2014

"Um Milionário em Lisboa", de José Rodrigues dos Santos, (JRS)

(Ver comentário no Post de 23JUN’2014 sobre o primeiro tomo da vida de CG)
http://dinamico-dinamico.blogspot.pt/2014/06/estamos-em-presenca-de-mais-um-livro-de.html 
JRS inicia este 2º volume da 'pseudo-biografia' de Calouste Gulbenquian colocando seu filho KriKor (nome para o romance) em ação e no centro dela. Contextualiza sua entrada em cena inserindo-o e inserindo a saga do povo armênio ocorrida nos anos 1915 / 1923. Fá-lo usando o primeiro terço do livro de forma primorosa e tocante. Introduz na deportação e no genocídio toda uma série de episódios criteriosamente selecionados, que ilustram bem o sofrimento infligido a este povo / nação, massacrado pelos seus carrascos e trucidários turcos, ao tempo os ‘senhores’ do império otomano.
Faltou um detalhe (!?), a quantificação que se estima em 1.500.000 mortos, segundo os últimos estudos publicados em 2006.
O relato que JRS expõe sobre o que foi o império otomano e em particular sobre as atrocidades infligidas sobre o povo arménio, poderia e gostaria que tivesse ido mais longe. Mas não está mal, aceita-se.

Um pouco de história da Arménia (mais recente):
Nação secular remontando a 2.492 (a.C).
Foi a primeira nação a adotar o cristianismo como religião de Estado em 301 (d.C).
Entre 1915 e 1923 sofreu o que os historiadores consideram o primeiro genocídio do século XX, perpetrado pelo Império Otomano e negado até hoje pela República da Turquia. As mortes são estimadas em 1,5 milhão de arménios e a deportação de milhões de outros, fazendo com que a Arménia tenha uma diáspora gigantesca pelo mundo de descendentes que, fugindo das perseguições, tomaram o rumo de países como França, Estados Unidos,  Argentina,  Brasil,  Líbano e muitos outros.
República Democrática da Arménia estabelecida em 1918
Independência da URSS desde 03AGO1990
Área 29.743 km2
População 3,262.000
Densidade 108 Km2
Diáspora: 8.000.000
Pib Per Capita 5,000 USD/Ano (Portugal 23,000)

Em SET’2001, nas vésperas da queda das torres Gémeas, 11SET, 
(…mas a viagem estava programada), fiz uma viagem turística à Turquia.
Foi o primeiro país árabe que conheci, seguindo-se em datas posteriores Marrocos e Tunísia. Os três bastantes parecidos, aliás, no que aos usos e costumes dos seus povos diz respeito. Esta viagem foi pensada com o objetivo de começar a conhecer os países de influência árabe e, no caso concreto, conhecer também a sede do que foi o grande e longo império otomano.
Percorri quase metade do país, as zonas mais importantes e turisticamente mais emblemáticas – a grande Anatólia: Istambul, Capadócia, Ancara, Konia, Pamukkale, Ephesus, Izmir. Gostei francamente do que observei. Não esqueço a vista fabulosa sobre o mar de Marmara; a bonita e elegante ponte que liga a parte europeia à asiática; a pequena ilha no meio do mar de Marmara onde estava feito prisioneiro o líder curdo; a mesquita Santa Sofia com os seus famosos e dominantes minaretes. Capadócia, Pamukkale e Ephesus, são locais inesquecíveis pela sua singularidade. Da capital, Ancara, não gostei especialmente. Apreciei o lado agrícola que, apesar não estar ainda industrializado, oferecia produtos maravilhosos de entre os quais sublinho, salivando, as gostosas azeitonas e os enormes e saborosos figos secos.
O ambiente, o país, é dominado ainda pela ideia da revolução de 1923 de Mustafa Atatürk. O seu grandioso e até desmesurado Mausoléu é bem o exemplo da promoção que continua a ser feita ao espírito que a animou. Convenhamos que foi uma revolução total! O país deu uma volta em todos os setores de 180º. Até o alfabeto passou a ser europeu!
Mas essa viagem, ela própria, mereceria um comentário mais alargado e talvez um dia o venha a desenvolver aqui mesmo neste blog.
Lembrei-me dela, viagem, a propósito deste livro e do ex-império otomano, tão lembrado e até dissecado por JRS. Apesar de Atatürk ter acabado com o Califado e ter destronado o Sultanato e toda a entourage que o suportava, permanecem bem visíveis muitos vestígios dessa altura, alguns significativos, nomeadamente a parte monumental e palaciana. Muitos desses vestígios estão recolhidos em museus, que visitei, e pude extrapolar a partir deles o que teria sido a vida dos Califas e dos Sultões.

A forma atribulada e atabalhoada que JRS recriou no romance para tirar o ator principal da fila dos deportados arménios a caminho da Síria - KriKor, o filho de CG - 'salvando-o' de uma morte mais que certa, tendo sido ‘colorida’ ou aventureira não foi contudo bem conseguida: pouco imaginativa. Roçou o folhetinesco. Precipitou uma sequência de frágeis acontecimentos, a meu ver, só para não o perder, por dele precisar para o resto da narrativa. Obviamente que não fazia sentido deixá-lo morrer logo ali, quando havia tanta história ainda para contar e quando o filho de Gulbenkuien, Nubar, o autêntico, não morreu de fato nessa altura. Todavia foi um ‘unhappy’ deste trecho da narrativa.

Pelo que percecionei da mini-investigação que fiz, verifiquei que já muita gente tentou fazer a biografia de Calouste Gulbenquian e há, de resto, várias publicadas. Porém, há a impressão generalizada de todas elas serem parciais ou incompletas.
Existe atualmente um grupo de estudiosos ingleses (?) a trabalhar o tema e, pensa-se, que o concluirão em 2019…
Elaborar uma biografia credível deste homem é como refazer a ‘volta ao mundo’ de Júlio Verne. O seu lado de ator ‘solitário’ bloqueia muitas pistas e é bom lembrar que a sua influência no mundo do petróleo foi pioneira, monopolizadora e influenciadora na condução do mundo energético, principalmente, mas não só, quer em tempo de guerra quer em tempo de paz. Atuando sozinho em muitas geografias não deixou rastos suficientemente visíveis e passíveis de serem recolhidos. É mais fácil (?) fazer uma biografia de Winston Churchill do que a de C.G. Apesar de tudo a vida de Churchill é mais transparente e buscável. Por onde passou, deixou marcas menos ocultas.

Foi C.G. o arquiteto do negócio do petróleo e a história do século XX ficaria pobre e incompleta com a sua exclusão.
Foi o homem mais rico do século XX e isso, por si só, diz bem do que poderá ter sido a sua vida.

Vou continuar a ler o livro.

Calouste Gulbenquian, o Homem.
Acabada a leitura há que dizer que foi com grande prazer que percorri todas as linhas do romance. Pena é que não se possa reter como verdadeiro o que é ficção, ou seja, seria bem simpático se a biografia de CG pudesse ser assim relatada.
Não há dúvida quanto à sua inigualável - única - capacidade para negociar. Conhecedor das envolventes do seu negócio, portador de uma tenacidade rara e nervos de aço, à prova de bala, aguentava a pressão até ao limite, conseguindo sair ganhador em muitas das diversas contendas empresariais em que esteve envolvido. Ele mesmo dizia que a antecipação do conhecimento era essencial a um bom resultado. Fossem quem fossem os seus litigantes batia-se não como igual mas como superior. Considerava-se o melhor. Para ter sido considerado o homem mais rico do século XX, qualidades superiormente anormais teria de ter e dominar. Sabemos que herdou uma enorme fortuna quer do seu lado familiar quer do da esposa, mas o colossal mealheiro foi sendo meticulosamente rendilhado e recheado por ele ao longo da sua vida. Era muito seletivo nos seus demais interesses pela vida incluindo a atenção à sua família direta; no final da vida praticamente deserdou o próprio filho e filha!
Muitos adjetivos podem ser aplicados a CG, mas o de negociador astuto e implacável assentam-lhe bem.

Há porém um lado da vida dele, sobejamente conhecida e bem tratada no livro, que merece que se repense com serenidade, não aderindo facilmente a certas correntes de opinião que pululam por aí. Refiro-me à sua particular e inultrapassável aversão ao pagamento de impostos. Sou dos que pensam que não pode, não deve haver exceção para ninguém quanto ao dever do pagamento de imposto. E se o digo não é por teimosia ou cegueira mas por achar que na organização de uma sociedade dos nossos dias que se pretende moderna, ou seja, com capacidade para aceitar no seu seio pessoas diferentes e ter serviços sociais tendencialmente gratuitos para todos (saúde, educação, justiça, forças policiais, segurança social…), isso só será possível e justo se todos contribuírem na justa medida dos seus rendimentos. Dito isto, vem agora a segunda parte da questão. Se a CG não tivesse sido concedido um regime de exceção em matéria de impostos, ter-se-ia ido embora com toda a sua imensa riqueza atrás dele, ficando Portugal a olhar para a cauda dourada do cometa que se iria embora para sempre. O país teria perdido muito mais. Pergunta, em qual das duas versões Portugal ficou a ganhar mais? Números exatos para responder a esta questão, não tenho. O que sei é que a permanência dela, da riqueza, em Portugal deixou e continua a deixar por cá imenso dinheiro. Lucramos ou perdemos? Lembro aqui a imperiosa necessidade de, por vezes, deixar que a 'realpolítik' seja aplicada.
Curiosamente e desde sempre, nunca ouvi vozes discordantes em relação a este particular regime de exceção atribuído a CG, incluindo os partidos mais à esquerda. O que vi foi o aproveitamento destes regimes de exceção para a disseminação ad hoc de fundações, com objetivos muitos discutíveis. Mas isso é outra história.
Mais uma nota a propósito do seu relacionamento com a esposa e secretaria, de que direi tão somente: curioso.
Nota final, fica uma pergunta e responda quem quiser: porque não houve até hoje ninguém que pusesse em filme a vida de Calouste Gulbenquian?

Sem comentários:

Enviar um comentário