terça-feira, 30 de setembro de 2014

Roménia e Bulgária, com a PLV

04 a 13 de Agosto '2014

I)
Antes da viagem

Mais uma vez, como é meu hábito, não preparei esta viagem. A preguiça, por um lado, e o gosto do fator surpresa, por outro, continuam a marcar pontos. A opção por estes dois países insere-se na vontade de observar in loco a 'diferença' e conhecer novos mundos e novas gentes e as suas histórias. Dos chamados países de leste, conheço apenas a Rússia, mais concretamente São Petersburgo, Moscovo e arredores; ou seja conheci a cabeça do Império Ksarino e Comunista, mas não ainda nenhum dos países seus satélites. Exceção para a República Checa e Eslováquia, em 1989.

Limitei-me a consultar os Pibs Per Capita / ano de ambos
[Roménia: 8.000 USD e Bulgária: 5.000 USD (Portugal: 20.000, Botswana: 16.000, Alemanha: 40.000, Sri Lanka: 1.000) e a suas populações e áreas, 23.000.000 / 240.000 km2, para a Roménia e 7.000.000 / 110.000 Km2, para a Bulgária],
e recordar o que a história guardou de cada um deles.

Se da Roménia detenho pouca informação, da Bulgária bastante menos. Da Roménia, recordo a sua inclusão e a consequente subordinação ao Império Otomano (até 1879) e ao Austro-húngaro até finais da primeira guerra (1918), o seu envolvimento nas duas guerras mundiais e principalmente da era de dependência comunista terminada apenas em 1989. A sua história foi pródiga, 'colorida' e terrível durante os duros e pobres anos da governação do ditador comunista, cruel e sanguinário Nicolae Ceauşescu. A vida sumptuosa que levou contrastou com a da sua gente, a todos os títulos miserável, de alguma indigência mesmo. Exceção, naturalmente e sempre, para a entourage que o sustentou durante todo esse tempo.
Hoje, desde 2007, está na U. E. e tenta soerguer-se nomeadamente através do financiamento dos fundos comunitários. Por motivos políticos e sociais mas também financeiros, estão neste momento a alienar o abastado património de Nicolae Ceauşescu. Infelizmente, digo eu. Em alturas de muito aperto vence sempre a tese do 'vão-se os anéis mas fiquem-se os dedos'. Mate-se a fome às pessoas em primeiro lugar. Mas é pena que assim tenha de ser. Espero que os seus dirigentes estejam a fazer a coisa certa e inevitável. E digo que é pena pois este espólio poderia ser um bom atrativo e ativo a explorar em particular para o setor turístico. Oxalá consigam conservar, pelo menos parte, para esse fim.

Durante alguns anos mantive alguma 'proximidade' profissional com o país em resultado do Banco Millennium, que o Millenniumbcp, Portugal, lá teve e que acabou de vender. Mantive contactos funcionais diários com esses colegas de profissão mas daí, desses contatos, não resultou especial conhecimento do país ou das suas gentes. Apenas espicaçou a curiosidade e interesse. Vou ver, pois, agora, o que consigo captar.
As minhas expectativas são baixas, bastantes baixas. Estou à espera de um país em progressão, pobre, desorganizado e com a ainda era monumental comunista a dominar.
Levo uma antiga curiosidade que é a de ver como se insere a comunidade cigana - 2.000.000 - no todo nacional.
Uma nota a propósito dos ciganos: nunca nutri simpatia por eles nem pelas suas opções de vida errante, nómada e anti comunitária de que se orgulham. Gostam de viver fora do sistema, e usufruir dos seus benefícios mas não contribuir para a sua manutenção. Ou seja só querem a parte boa.

II)
Depois da viagem.

i)
Roménia: um país em desenvolvimento e desconcertante.
Ao longo dos 1.000 Kms percorridos, das 14 cidades visitadas e de 10 dias em excursão guiada, uma pergunta diariamente esquadrinhava em todos os cantos e recantos: como traduzir numa palavra ou expressão curta a impressão da visita turística a este país?
Tive de socorrer-me de duas: em desenvolvimento, numa visão benévola e desconcertante, numa perspetiva impressionista.
Conhecemos o seu percurso histórico e conhecemos também as vicissitudes e os entraves com que essa mesma história complicou a sua independência. Foi, como sabemos, pertença de alguém por tempo excessivo. Quando parecia, finalmente, ter chegado a sua hora, caiu-lhe violentamente o comunismo em cima submergindo-se por mais um longo período.
A seguir ao fim do comunismo, 1989, as naturais convulsões sociais originadas pela experimentação da liberdade, perturbaram a reorganização da sociedade. Apenas em 2007 com a adesão à UE e por necessidade imperiosa de acesso aos fundos comunitários para o financiamento da economia, começaram a aceitar a nova tutela e as suas regras. Com o dinheiro a entrar as tensões sociais acalmaram.
Porém, os anos de estagnação comunista deixaram marcas de monta por todo o lado.
O país está compartimentado, coexistindo e convergindo em, pelo menos, 4 componentes:
Uma palaciana do tempo dos impérios e da curta monarquia;
uma segunda de influência comunista cuja parte mais visível são os prédios de habitação populares e os megalómanos dos membros do politburo e os dos seus suportes, sobretudo em Bucareste;
uma terceira fortemente agrícola e
uma quarta filha já dos dinheiros da UE, em construção. 
Cada uma delas é perfeitamente visível nos respetivos lugares. Destaco porém a agrícola e a megalómana construção comunista. 
Ao percorrer o país, para além da imensa e dominante paisagem verde que nos é oferecida pelo cultivo dos campos e pelas serranias dos Cárpatos - o lado bucólico é muito matizado e francamente cativante -, ficamos apreensivos senão mesmo chocados com o estado depauperado das casas das pessoas. A sua deficiente manutenção influencia pesada e negativamente a impressão que deixam. Obviamente que se estão assim é em resultado de todo um passado de uma economia coletivizante e instável com raízes nos anos do comunismo (1947/1989). A coloração, repetidamente acastanhada, dos telhados feitos de chapa em estado avançado de ferrugem, envelhecem o país e dão dele uma imagem de algum abandono e triste, mas que cola com a realidade.
A URSS aproveitou-se da Roménia para dela explorar a produção de cereais - o seu principal celeiro abastecedor - não cuidando de estruturar o setor (típico de país explorador).
Não se vislumbra com clareza o impacto dos dinheiros recentes chegados da UE. Não acompanhei as negociações e desconheço o quadro com que a sobrevivência da agricultura foi salvaguardada, se o foi. Desejo apenas que o tenha sido por ter ficado com a ideia de que o país tem enormes potencialidades agrícolas e que seria um erro para o país e para a própria UE se deliberadamente as ignorassem. Diria até que seria um crime de lesa humanidade se não se aproveitasse este enorme recurso natural. Oxalá que o seu estado atual, similar ao português dos anos 80 do século XX, se converta rapidamente e incorpore as novas tecnologias, posicionando-se assim como player importante no mercado mundial como grande produtor de bens primários.

Perguntado agora, passado já algum tempo sobre o fim da viagem em que, por isso, alguma poeira daninha já se foi, sobre o que mais facilmente retenho da Roménia, a minha resposta começa a ficar clara: a agricultura, por estar presente e dominante a cada canto (e por definir o tipo de vida de uma quantidade significativa de pessoas), e a construção megalómana de Nicolae Ceauşescu.
Ao percorrer o país vamos construindo dele um quadro monocórdico, estagnado e sombrio, porém, ao chegarmos à capital somos surpreendidos por uma espécie de oásis formado pelas construções populares, pelas dos elementos do politburo e afins e principalmente pelo edifício onde funciona o atual parlamento (e não só).
Não vou aqui replicar a sua história ou detalhar a sua construção e constituição pois tudo isso está abundantemente documentado e espalhado pela internet. Direi apenas que, quer de longe quer de perto e por dentro, impressiona!
Impressiona a sua excessiva volumetria!
(Com 350.000 m² é o maior palácio do mundo e o segundo maior edifício, após o Pentágono)
Impressiona a conceção e execução arquitetónicas!
Impressiona a seleção e riqueza dos materiais utilizados!
Impressiona toda a sua sumptuosidade!
Impressiona o cuidado e requintes dos acabamentos!
Impressiona a fácil circularidade pelo seu interior!
Impressiona o prazer que empresta e com que deslumbra o visitante!
Impressiona como é que foi possível um país pobre, com qualidade de vida indigente, ter sido e durante tanto tempo, governado por um ditador desqualificado e ter permitido a construção de uma obra desta envergadura apenas para exibição e gáudio do seu mentor!
Impressiona!

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pal%C3%A1cio_do_Parlamento )

Algumas notas avulsas:

Turismo
Visivelmente num crescendo. O trabalho de campo já foi feito e eleitos os principais ícones que alimentarão o setor. Lembro o Castelo de Bran (de Drácula) em Brasov, as montanhas dos Cárpatos, o Delta do Danúbio (património da Unesco), o centro histórico de Sighisoara, (património da Unesco), Mar Negro, os Mosteiros pintados, o Palácio da Caixa Económica, Sinaia (Castelo Peles), Bucareste.

Rede viária
Em pré-início de construção. Não há ainda autoestradas.

Paisagem natural
Composta por um mix alternado entre a planície e o planalto povoados e alegrados pelo pastoreio (muito diferentes das paisagens da Grã-Bretanha onde predomina a monótona e cansável verdura e os tão falados carneiros);
o serrano e a floresta negra, mais parecendo esta um prolongamento da Alemã.

Conde Drácula
O Castelo de Bran (1212), casa de Vlad III, mais conhecido entre nós como o Castelo de Drácula - uma não história ou história virtual (de literatura) - projeta e promove o país além-fronteiras; por ventura o seu maior e mais famoso ex-libris internacional. O Conde Drácula está para a Roménia como o vinho do Porto para Portugal.
Não deixa de ser notável a força e a dimensão que este fenómeno literário alcançou em todo o mundo.
Verifiquei com ingénuo espanto que o país não aproveita capazmente esta publicidade já consagrada para se promover no exterior. Achando estranho, fui investigar. Do que me foi dito, fiquei com a ideia de que os romenos não apreciam particularmente a recreação literária preferindo a verdadeira (já em fase de lenda); dessa, sim, gostam por Vlad III, o Empalador, ser seu herói na conquista secular pela independência do país.

Nicolae Ceauşescu / Helena Ceauşescu
Sente-se uma animosidade latente e uma sensibilidade especial do país em geral perante estes dois personagens. Regista-se como maturidade democrática o normal acolhimento que é dado há ainda existência de Valentin Ceauşescu, um dos 3 filhos do casal. Vive sua vida de normal cidadão e não é incomodado pelo fato de não ter aderido às loucuras dos pais ou dos dois outros irmãos, os primeiros mortos após julgamento sumário e os segundos já desaparecidos, vítimas dos seus públicos vícios: cirrose e cancro pulmão.
Se é verdade que os Ceauşescus continuam a ser uma referência inesquecível, inultrapassável  e a abater e por razões  justificadas - com as quais concordo por inteiro -, também é verdade que serve outros propósitos. Os políticos de hoje e dos próximos anos precisam dessas bandeiras que utilizam como cortinas para ofuscar este ou aquele ato de gestão política mais difícil de fazer passar na opinião pública.
Alexandru Vișinescu, antigo comandante de um campo de trabalhos forçados, começou agora a ser julgado em Bucareste, por exemplo. Manter viva e atiçada ocasionalmente esta chama revolucionária é útil e com sucesso garantido. É um dos truques bem conhecido a que assistimos noutras geografias, em muitas mesmo, apenas com outras bandeiras: Angola usa (e abusa) da dos ex-colonizadores, nós os portugueses; Maduro, na Venezuela, usa Chaves; Cuba e Coreia do Norte, a América e o Ocidente em geral; alguns países árabes, o islão, etc.
Há poucas semanas circulou no ocidente a notícia, - que lá não me confirmaram, pelo contrário, negaram - de que estariam a vender o ouro dos Ceauşescus. Interpreto a notícia, ou melhor não notícia, como intencional e enquadrada na exploração do fenómeno Ceauşescu.

Ciganos
Mantendo o que disse no último parágrafo do ponto I), acrescento agora alguns detalhes.
Sabemos que a sua história, sua vida, sua procedência indiana e chegada à Europa no século XV, está envolta em incertezas a que a sua existência ágrafa muita contribui para alimentar especulações. O que se vai conhecendo é-nos transmitido por terceiros que, apesar de sérios, deixam, todavia, que a dúvida do seu verdadeiro estilo de vida e vida, permaneçam.
Posto isto, e voltando concretamente aos ciganos romenos, ficamos com a ideia de que, por razões atribuíveis a eles mesmo, estão acantonados, ou, melhor dito, distribuíram-se por áreas conhecidas e não propriamente segregados; que continuam a viver como sempre viveram: rejeitando a integração.
E isso tem consequências que se podem traduzir pela dificuldade que o país tem em lidar com o assunto. O país está na UE e esta, como grande centro difusor de influências, de cultura e de poder, não abdica de ver alinhados e normalizados procedimentos e até maneiras de estar em sociedade e de difundir uma certa ideia de cultura a que chamarei 'europeia ou ocidental'.
Se é verdade que no ocidente europeu se enraizou a ideia de 'personas non gratas' - e essa é também a minha -, tal se deve à sua postura isolacionista e fechada à sociedade. Corpos estranhos, por tendência, são naturalmente rejeitados.
Acabo este apontamento dizendo que poderia ser outro o seu comportamento e a perceção que deles se tem se a Roménia fosse um país próspero e rico. 'Casa onde não há pão ...'

Alimentação / Refeições
Estrategicamente a PLV programou praticamente todas as refeições em restaurantes de hotéis. Por norma esta opção ocorre em países onde o setor não responde aos níveis tidos como normais, estando em causa a qualidade da confeção culinária, o conforto dos espaços e a segurança higiénico-alimentar.
A opção confirmou-se correta. Mesmo servidos em hotéis a qualidade culinária era um pouco abaixo dos padrões europeus, incluindo a falta de diversidade (sobretudo frango e porco).
Não usam sopa! e em sua substituição servem salada de vegetais.
Não relevo as quantidades servidas pois para mim isso não é importante.
Acrescento, porém, que, sabemos, o resultado final também depende do que foi previamente comprado pelo agente de viagens, que, no caso da PLV, nos habituou a bons padrões. Ou seja, adianto que o que digo pode não corresponder exatamente à verdade.

ii)
Bulgária
Percorri apenas 300 km's mas deu para perceber o que será o país.
Tem semelhanças com a Roménia mas também tem marcas próprias e bem distintas. As casas sendo igualmente de construção frágil e de manutenção minguada, parecem-se bastante mais com as europeias, a começar pela cobertura: telhados como os nossos. Parece um pormenor sem grande importância mas o que é fato é que este visual os aproxima, desde logo, muito mais de nós, dos nossos usos e costumes.
Não fossem os grandes blocos habitacionais da era comunista que ainda dominam e toldam o horizonte (e em acelerada degradação), e até pareceria que não tinha sido um país comunista.

Alfabeto Búlgaro
O grupo económico a que aderiram em 2007, a UE, vai obrigar a grandes transformações e opções alinhados pelos centros de gravidade europeus. Os grandes atraem e sobrepõem-se aos mais pequenos obrigando mesmo à anulação de boa parte das suas culturas, mesmo as mais importantes como é o caso do alfabeto.
O melhor e maior exemplo disso será a adoção do alfabeto romano com a consequente descontinuação do original, o cirílico.

Mulheres búlgaras
As mulheres búlgaras são elegante e provocadoramente bonitas pelo menos as mais vistas no centro da capital. Não consegui captar e ninguém conseguiu explicar do porquê e a que grupos sociais pertenciam mas, adivinhando, quiçá filhas privilegiadas da corrupção que, dizem, ser enorme, endémica e sistémica. Mas por ora isso não é relevante. O que ficou foi sua elegância - são altas em geral - seu look europeu, seu porte altivo e sabem, nota-se, que são bonitas.

Grande Hotel de Sofia
Refiro este hotel por ter sido o melhor hotel onde estive até hoje. Um 5* construído no prolongamento de um outro do antigo do regime, de que manteve o nome, mas com dimensões, espaços interiores, composição e decoração dos quartos, bem fora e acima do normal. As suites são soberbas: vários compartimentos, vários WC's e decoração cuidada e requintada.

III)
Custa a perceber como é que nos dias de hoje ainda há partidos políticos que defendem aqueles extintos modelos de organização da sociedade. É que apenas aproveitam o grupo dirigente paralisando a necessária dinâmica da economia. Está mais que provado de que o grande motor da modernização e evolução das sociedades passa pela estabilidade do direito à propriedade privada e à livre iniciativa económica para se produzir riqueza. Ora, aquele sistema não admite nenhum deles e as consequências são paralisantes.

IV)
Observações finais
As diferenças entre estes dois países são facilmente notadas e na aparência contradizem os seus PIBs.
Na Roménia, apesar do PIB ser ligeiramente mais elevado, o país rural com os tetos das casas característicos, de cor da ferrugem, a que se somam a inexistência da indústria e a agricultura numa fase pré-industrial, sem autoestradas, dá uma monótona ideia de um país envelhecido e de inevitavelmente lenta, muito lenta, recuperação económica.
As urbes confinam-se a Bucareste e não se pode dizer que tenha um ambiente cosmopolita. A segunda cidade, Brasov, está a anos-luz da Capital. Shausesco concentrou estrategicamente os dinheiros disponíveis na capital.
O palácio do povo é um absurdo nacional. 3 Biliões de USD enterrados num único espaço em claro detrimento ou dispersão pelo todo nacional. É um oásis no todo romeno. Enquanto monumento é de fato um ex-libris extraordinário a vários títulos e muitas dimensões. Além de ser o segundo monumento maior do mundo, logo a seguir ao Pentágono, oferece-nos uma riqueza exuberante dotado de salas ricamente trabalhadas e de dimensões inimagináveis.
Mas tudo isso reduz o país.
Bulgária, apesar de mais pobre, dá a ideia de melhor distribuída. A era comunista, não fora as tristes construções dos edifícios perfeitamente datadas, seria de mais fácil e rápida transformação.

Acompanharemos o futuro de ambos desejando-lhes o melhor.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

"Um Milionário em Lisboa", de José Rodrigues dos Santos, (JRS)

(Ver comentário no Post de 23JUN’2014 sobre o primeiro tomo da vida de CG)
http://dinamico-dinamico.blogspot.pt/2014/06/estamos-em-presenca-de-mais-um-livro-de.html 
JRS inicia este 2º volume da 'pseudo-biografia' de Calouste Gulbenquian colocando seu filho KriKor (nome para o romance) em ação e no centro dela. Contextualiza sua entrada em cena inserindo-o e inserindo a saga do povo armênio ocorrida nos anos 1915 / 1923. Fá-lo usando o primeiro terço do livro de forma primorosa e tocante. Introduz na deportação e no genocídio toda uma série de episódios criteriosamente selecionados, que ilustram bem o sofrimento infligido a este povo / nação, massacrado pelos seus carrascos e trucidários turcos, ao tempo os ‘senhores’ do império otomano.
Faltou um detalhe (!?), a quantificação que se estima em 1.500.000 mortos, segundo os últimos estudos publicados em 2006.
O relato que JRS expõe sobre o que foi o império otomano e em particular sobre as atrocidades infligidas sobre o povo arménio, poderia e gostaria que tivesse ido mais longe. Mas não está mal, aceita-se.

Um pouco de história da Arménia (mais recente):
Nação secular remontando a 2.492 (a.C).
Foi a primeira nação a adotar o cristianismo como religião de Estado em 301 (d.C).
Entre 1915 e 1923 sofreu o que os historiadores consideram o primeiro genocídio do século XX, perpetrado pelo Império Otomano e negado até hoje pela República da Turquia. As mortes são estimadas em 1,5 milhão de arménios e a deportação de milhões de outros, fazendo com que a Arménia tenha uma diáspora gigantesca pelo mundo de descendentes que, fugindo das perseguições, tomaram o rumo de países como França, Estados Unidos,  Argentina,  Brasil,  Líbano e muitos outros.
República Democrática da Arménia estabelecida em 1918
Independência da URSS desde 03AGO1990
Área 29.743 km2
População 3,262.000
Densidade 108 Km2
Diáspora: 8.000.000
Pib Per Capita 5,000 USD/Ano (Portugal 23,000)

Em SET’2001, nas vésperas da queda das torres Gémeas, 11SET, 
(…mas a viagem estava programada), fiz uma viagem turística à Turquia.
Foi o primeiro país árabe que conheci, seguindo-se em datas posteriores Marrocos e Tunísia. Os três bastantes parecidos, aliás, no que aos usos e costumes dos seus povos diz respeito. Esta viagem foi pensada com o objetivo de começar a conhecer os países de influência árabe e, no caso concreto, conhecer também a sede do que foi o grande e longo império otomano.
Percorri quase metade do país, as zonas mais importantes e turisticamente mais emblemáticas – a grande Anatólia: Istambul, Capadócia, Ancara, Konia, Pamukkale, Ephesus, Izmir. Gostei francamente do que observei. Não esqueço a vista fabulosa sobre o mar de Marmara; a bonita e elegante ponte que liga a parte europeia à asiática; a pequena ilha no meio do mar de Marmara onde estava feito prisioneiro o líder curdo; a mesquita Santa Sofia com os seus famosos e dominantes minaretes. Capadócia, Pamukkale e Ephesus, são locais inesquecíveis pela sua singularidade. Da capital, Ancara, não gostei especialmente. Apreciei o lado agrícola que, apesar não estar ainda industrializado, oferecia produtos maravilhosos de entre os quais sublinho, salivando, as gostosas azeitonas e os enormes e saborosos figos secos.
O ambiente, o país, é dominado ainda pela ideia da revolução de 1923 de Mustafa Atatürk. O seu grandioso e até desmesurado Mausoléu é bem o exemplo da promoção que continua a ser feita ao espírito que a animou. Convenhamos que foi uma revolução total! O país deu uma volta em todos os setores de 180º. Até o alfabeto passou a ser europeu!
Mas essa viagem, ela própria, mereceria um comentário mais alargado e talvez um dia o venha a desenvolver aqui mesmo neste blog.
Lembrei-me dela, viagem, a propósito deste livro e do ex-império otomano, tão lembrado e até dissecado por JRS. Apesar de Atatürk ter acabado com o Califado e ter destronado o Sultanato e toda a entourage que o suportava, permanecem bem visíveis muitos vestígios dessa altura, alguns significativos, nomeadamente a parte monumental e palaciana. Muitos desses vestígios estão recolhidos em museus, que visitei, e pude extrapolar a partir deles o que teria sido a vida dos Califas e dos Sultões.

A forma atribulada e atabalhoada que JRS recriou no romance para tirar o ator principal da fila dos deportados arménios a caminho da Síria - KriKor, o filho de CG - 'salvando-o' de uma morte mais que certa, tendo sido ‘colorida’ ou aventureira não foi contudo bem conseguida: pouco imaginativa. Roçou o folhetinesco. Precipitou uma sequência de frágeis acontecimentos, a meu ver, só para não o perder, por dele precisar para o resto da narrativa. Obviamente que não fazia sentido deixá-lo morrer logo ali, quando havia tanta história ainda para contar e quando o filho de Gulbenkuien, Nubar, o autêntico, não morreu de fato nessa altura. Todavia foi um ‘unhappy’ deste trecho da narrativa.

Pelo que percecionei da mini-investigação que fiz, verifiquei que já muita gente tentou fazer a biografia de Calouste Gulbenquian e há, de resto, várias publicadas. Porém, há a impressão generalizada de todas elas serem parciais ou incompletas.
Existe atualmente um grupo de estudiosos ingleses (?) a trabalhar o tema e, pensa-se, que o concluirão em 2019…
Elaborar uma biografia credível deste homem é como refazer a ‘volta ao mundo’ de Júlio Verne. O seu lado de ator ‘solitário’ bloqueia muitas pistas e é bom lembrar que a sua influência no mundo do petróleo foi pioneira, monopolizadora e influenciadora na condução do mundo energético, principalmente, mas não só, quer em tempo de guerra quer em tempo de paz. Atuando sozinho em muitas geografias não deixou rastos suficientemente visíveis e passíveis de serem recolhidos. É mais fácil (?) fazer uma biografia de Winston Churchill do que a de C.G. Apesar de tudo a vida de Churchill é mais transparente e buscável. Por onde passou, deixou marcas menos ocultas.

Foi C.G. o arquiteto do negócio do petróleo e a história do século XX ficaria pobre e incompleta com a sua exclusão.
Foi o homem mais rico do século XX e isso, por si só, diz bem do que poderá ter sido a sua vida.

Vou continuar a ler o livro.

Calouste Gulbenquian, o Homem.
Acabada a leitura há que dizer que foi com grande prazer que percorri todas as linhas do romance. Pena é que não se possa reter como verdadeiro o que é ficção, ou seja, seria bem simpático se a biografia de CG pudesse ser assim relatada.
Não há dúvida quanto à sua inigualável - única - capacidade para negociar. Conhecedor das envolventes do seu negócio, portador de uma tenacidade rara e nervos de aço, à prova de bala, aguentava a pressão até ao limite, conseguindo sair ganhador em muitas das diversas contendas empresariais em que esteve envolvido. Ele mesmo dizia que a antecipação do conhecimento era essencial a um bom resultado. Fossem quem fossem os seus litigantes batia-se não como igual mas como superior. Considerava-se o melhor. Para ter sido considerado o homem mais rico do século XX, qualidades superiormente anormais teria de ter e dominar. Sabemos que herdou uma enorme fortuna quer do seu lado familiar quer do da esposa, mas o colossal mealheiro foi sendo meticulosamente rendilhado e recheado por ele ao longo da sua vida. Era muito seletivo nos seus demais interesses pela vida incluindo a atenção à sua família direta; no final da vida praticamente deserdou o próprio filho e filha!
Muitos adjetivos podem ser aplicados a CG, mas o de negociador astuto e implacável assentam-lhe bem.

Há porém um lado da vida dele, sobejamente conhecida e bem tratada no livro, que merece que se repense com serenidade, não aderindo facilmente a certas correntes de opinião que pululam por aí. Refiro-me à sua particular e inultrapassável aversão ao pagamento de impostos. Sou dos que pensam que não pode, não deve haver exceção para ninguém quanto ao dever do pagamento de imposto. E se o digo não é por teimosia ou cegueira mas por achar que na organização de uma sociedade dos nossos dias que se pretende moderna, ou seja, com capacidade para aceitar no seu seio pessoas diferentes e ter serviços sociais tendencialmente gratuitos para todos (saúde, educação, justiça, forças policiais, segurança social…), isso só será possível e justo se todos contribuírem na justa medida dos seus rendimentos. Dito isto, vem agora a segunda parte da questão. Se a CG não tivesse sido concedido um regime de exceção em matéria de impostos, ter-se-ia ido embora com toda a sua imensa riqueza atrás dele, ficando Portugal a olhar para a cauda dourada do cometa que se iria embora para sempre. O país teria perdido muito mais. Pergunta, em qual das duas versões Portugal ficou a ganhar mais? Números exatos para responder a esta questão, não tenho. O que sei é que a permanência dela, da riqueza, em Portugal deixou e continua a deixar por cá imenso dinheiro. Lucramos ou perdemos? Lembro aqui a imperiosa necessidade de, por vezes, deixar que a 'realpolítik' seja aplicada.
Curiosamente e desde sempre, nunca ouvi vozes discordantes em relação a este particular regime de exceção atribuído a CG, incluindo os partidos mais à esquerda. O que vi foi o aproveitamento destes regimes de exceção para a disseminação ad hoc de fundações, com objetivos muitos discutíveis. Mas isso é outra história.
Mais uma nota a propósito do seu relacionamento com a esposa e secretaria, de que direi tão somente: curioso.
Nota final, fica uma pergunta e responda quem quiser: porque não houve até hoje ninguém que pusesse em filme a vida de Calouste Gulbenquian?