quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

"A história não acaba assim", de MST, Miguel Sousa Tavares


 
“Não há perdão. Mas há sempre esperança, tem de haver. Portugal não acaba assim nem agora.”

Escritos políticos 2005-2012

Depois de ler o livro…

Não nutro particular estima por MST mas isso não significa necessariamente que não lhe reconheça solidez intelectual, um trabalhador incansável e um lutador de causas (algumas quixotescas).
Irreverente, frontal, desembaraçado, intrépido, irónico, corrosivo, mordaz, são qualificativos bem evidentes que ajudam a traçar o seu perfil muito similar, de resto, ao do seu falecido pai (Francisco S.T.).
Cuidadoso e fundamentado e com uma veia literária interessante, expõe suas opiniões cativantemente.
Faz bem o trabalho de casa.
Do lado materno - Sofia de Mello Breyner Andresen - herdou a facilidade de expressão no campo das letras que, não sendo brilhante é, contudo, aprazível de se seguir. Não se destaca especialmente nesta área, posicionando-se porém acima da média do setor.

Não obstante, revejo-me em algumas, aliás bastantes, das causas que defende e aprecio a argúcia e o timing como e em que as denuncia.
Acompanho-o numas e outras há em que sou claramente contra.
Por exemplo:

i) 'Direitos dos Fumadores', tema em que sou contra. 
Já fui fumador (durante 20 anos) como julgo que MST ainda o será. Nessa altura, como ele, julgava-me detentor do supremo e intocável direito de fumador. Não admitia que alguém se opusesse a esse meu direito inalienável. Arrolava argumentos que sustentassem essa minha pretensão e a lei protegeu-me durante todo aquele tempo. MST, inteligente como é, é capaz de carrear para o assunto uma infindável lista de justificações (‘Para os outros justificações, para mim convicções’, diz com ironia um colega meu), mas MST esquece que há efetivamente gente – onde me incluo – que não tolera o ambiente / cheiro do tabaco. O legislador ao dividir o mal pelas aldeias, parece-me que andou bem. Mais, no meu ambiente profissional existe naturalmente essa restrição e os fumadores exercem esse seu direito com toda a liberdade em espaço reservado para o efeito, e o que digo é que noto por parte dos não fumadores maior respeito ainda pelo exercício desse seu direito. Exagera pois MST nos seus argumentos de pseudo-defendor de causa alheia ou social por o estar a fazer à luz do seu próprio umbigo.

ii) 'Adoção de crianças por homossexuais'.
Diz ele que é contra porque apenas ‘cura dos interesses dos adotantes sem curar dos do menor, cuja vontade presume indiferente’. A simplicidade da frase peca por exagero; admito que tenha outros argumentos que sustentem a sua posição pois esta, só por si, é francamente pouco por relegar para o esquecimento outras vertentes da questão que importam ao caso. Pegando no exemplo largamente conhecido dos ‘meninos da rua’, (quem não viu o filme ‘Cidade de Deus’ - uma caricatura bem conseguida sobre o tema) dá-nos, com um grau de crueza notável e realista, o que pode ser a vida dos meninos que crescem sem eira bem beira, fora de qualquer carril paternal ou social.

Vou apenas também lembrar aqui o desempenho (às vezes questionável) de algumas instituições coletivas - Casa Pia / Casa do Gaiato / Refúgio Aboim Ascensão, sempre tão faladas – que sendo necessárias e de apoiar, são todavia bem mais impessoais e de ambientes potenciadores de ‘problemas’, pelas naturais dificuldades de acompanhamento e de gestão humanas. E a questão põe-se aqui: qual será a aposta mais visionária: a da continuação dos ‘meninos de rua’ ou a da adoção por pessoas ‘diferentes’ mas, em princípio, portadoras de valores humanos e de qualidade de vida social e financeira que lhes venham a proporcionar futuros mais promissores e mais socializantes? O que é que a sociedade prefere, uns ou outros? Chegou a altura de fazer a escolha. Pode-se dizer que a escolha é exigente e fraturante mas, por a mim, opto claramente pela segunda, pela adoção.

iii) 'Facebook'. 
O argumentário que MST usa para fundamentar a sua posição contra, peca, novamente, por exagero. Muita coisa do que diz é obviamente verdade; mas existem bons exemplos que rejeita e que eu aplaudo. E dou dois: i) o meu grupo de tropa. Encontramo-nos uma vez por ano e reencontramo-nos e comunicamo-nos em bloco no Facebook. É-nos útil, portanto (de acesso restrito).

Um outro exemplo é o do ii) meu grupo privado familiar (de acesso restrito). Aí cada elemento do grupo diz o que quer, quando quer e todos reagem animadamente e isso não condiciona o contato pessoal, antes pelo contrário, estimula-o.

Deixo apenas estes três exemplos mas outros mais há.

Alguns dos testos selecionados para o presente livro, contêm verdades indesmentíveis e, para quem assim o quiser, premonitórias também no sentido em que certas causas juntas, sabemo-lo, produzem invariavelmente efeitos previsíveis.

Os textos de abordagem política deixam o leitor encharcado de um pessimismo pró-doentio, tamanho é o ‘imbróglio’ em que Portugal está submerso. Estamos mesmo no fio da navalha. Os vícios encrustados na sociedade portuguesa em geral, como quistos, estão na fase terminal e não se vislumbram soluções economicamente criativas nem alguém com capacidade técnica e de liderança para lhe introduzir os necessários e já tardios antídotos. Desde a inamovível casta dos professores aos dependentes mais ‘inofensivos’ do patrão estado, muita gente mesmo está viciada nesta dependência; habituaram-se a viver e a sobreviver sob esse imenso guarda-chuva, alijando responsabilidades e furtando-se a iniciativas próprias para no conjunto darem o seu contributo para a saída do atoleiro. Só que esse guarda-chuva já não guarda coisa nenhuma e está mesmo sem conserto. A única reparação que se conhece é a do aumento dos impostos, mais e mais impostos, até à asfixia total de quem trabalha por conta de outrem e que não consegue escapar-lhe.

No geral, MST, posiciona-se a uma distância apreciável de não alinhamento de quase tudo: partidos, corporações (…) cultivando contudo de todos eles um conhecimento continuado das suas envolvências ou interesses.

A calibração, a ponderação do funcionamento das coisas, da sociedade, da vida, permite-lhe percecionar em tempo útil a origem das tensões, criticar com denodo os desvios dos grupos e pessoas do normal comportamento numa sociedade democrática.

Todavia MST coloca-se do lado do observador, do lado crítico, do lado de quem não tem que tomar decisões. Resta saber, se estivesse do outro lado, como faria? Quando tivesse de animar a economia; quando tivesse de cortar nas despesas, ou quando não tivesse dinheiro para animar o cego, como atuaria!? Por quais optaria?

Neste ponto estou certo que i) MST não aceitaria lugares de decisão e, ii) por outro lado, a sua mente já está formatada para a análise crítica, vivendo financeiramente disso, aliás.

MST a decidir seria um problema para todos.

Se recomendo a leitura destes escritos políticos? Claro, vivamente e que cada qual tire as suas conclusões.