quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

BudaPeste em Dezembro (9_a_12)


Uma incursão rápida de três dias levou-me a BudaPeste, capital que não conhecia. Tinha apreciado em tempos os países e as capitais vizinhas e retinha deles e delas uma ideia grandiosa, em especial da Áustria/Viena. A alguma distância, gostei também da, agora, Rep. Checa e sua capital Praga e da, agora também, Eslováquia/Bratislava. Com esta ida fechei aquela área do centro-europeu.

Decorria o ano 1989 - ainda na era comunista - e eu dava os primeiros passos por essa Europa adentro. Uma excursão de 17 dias levou-me ao ponto mais longínquo: até à, então, Tchecoslováquia. No percurso de ida e volta, ao som do ronronar da camioneta, fui registando as particularidades dos países por onde transitava. Fiquei assim com uma visão, fraca, do status de cada um/uma ao tempo. Em retrospetiva, acho curioso, até bizarro, ter conhecido África antes da Europa. Enfim, coisas que as dinâmicas dos tempos explicam.

Sem entrar aqui e agora em pormenores - até porque deslocados no tempo - sempre direi que me choquei com o que observei do lado de lá da cortina de ferro. Se do lado de cá havia problemas (Portugal aderiu à UE em '86), do lado de lá miseravelmente pior. Os poucos dias de permanência por lá, validaram os conhecimentos académicos que tinha e deram para ficar com uma ideia, embora vaga, do funcionamento do sistema e do modus vitae - difícil, no mínimo - de suas gentes. Para concluir sobre o que não defendo para as sociedades como modelo político: o comunismo.

• 'Sissi', o filme de 1955 (vi na altura e revi agora) - drama romântico-histórico-biográfico com a bela Romy Schneider no papel de Sissi -, revisita a vida da Imperatriz Isabel da Áustria, conhecida como “Sissi”, esposa do Imperador Francisco José I. O enorme sucesso do filme popularizou na Europa a nova imagem com que a Imperatriz passou para o grande público. Filme seguido de várias réplicas.
• Estou a ver ainda um outro filme - série de três episódios - gravado em 2009 com o título ‘Sisi’.
• Em ‘Musica no Coração’, 1965, (vi) é lembrado ainda o ambiente glamoroso de Salzburgo.

Hungria, bem no centro da Europa, semelhante a Portugal em território e população - PiB per capita: 18Mil € contra 26Mil € portugueses e ordenado mínimo 500€ contra 760€ -, teve e tem na sua capital, BudaPeste, o centro de gravidade maior do país.

Enquanto Portugal se metia em caravelas em busca de outros mundos, o Reino da Hungria era cassado pelo Império Otomano, 1526. Mais tarde, depois de muito guerrearem com o Império Austríaco, já cansados e esgotados, optaram ambos pela formação conjunta do Império Austro-Húngaro, na segunda metade do século XIX, 1867. E assim se mantiveram até ao fim da I Guerra e, por causa dela, ao fim do Império (Tratado de Trianon). O Reino da Hungria ainda se manteve sob a alçada da URSS até 1946.

Vem tudo isto a propósito do que encontrei agora em BudaPeste.
- Que cidade é esta nos dias de hoje?
O pouco tempo de que dispunha não permitiu observar senão as partes históricas dos dois lados do Danúbio. Praticamente não visitei as zonas novas da cidade, apenas passei pelas que ficavam na rota do aeroporto, e essas mostram os seus arrabaldes de aparência habitacional precária. Bastante precária, aliás. Reflexo do País? Fica a incógnita a que me tentarei responder mais tarde no sofá.

- Onde está então o fascínio que enche BudaPeste de turistas?
Eliminado o esforço financeiro com a guerra e restabelecida a paz entre ambos em 1867, as cinco décadas seguintes foram tempos de prosperidade. A força centrípeta do Império carreou para os seus grandes centros - Viena, Praga, BudaPeste… - a riqueza recolhida nos países tomados. Neste ambiente de paz - Sissi, a Imperatriz, convivia em ambas as capitais - a prosperidade de Viena e BudaPeste atingiu, progressivamente, o auge. BudaPeste é hoje, ainda, a mostra e a montra desses 50 anos, pese embora a degradação do casario, assaz deteriorado e abandonado. A traça da cidade, suas rasgadas avenidas, suas grandes áreas edificadas - fazendo lembrar a nossa baixa pombalina -, seus monumentos - desde logo o do Parlamento, o da Ópera, o da Catedral Stº. Estevão, o da Igreja de São Matias, o do Mercado, os atuais Hotel New York (e o seu emblemático Café) e o Hotel Paris (antigas galerias Lafayette), entre outros - são o reflexo e continuidade desse tempo.

- Como reabilitar e conservar tão vasta área edificada e monumental num país pp, pequeno e pobre?
- Que destinos lhes pode ser dado, uma vez que sua população não tem recursos suficientes para suportar os custos da recuperação e depois da habitação?
i) Para a reabilitação descortinei quatro fontes de financiamento:
    Estado
    Turismo
    Unesco
    Oligarcas russos (ao que dizem os principais a operar).
ii) Para a habitação, vejo como hipóteses o turismo, ainda acessível a grandes massas, e a instalação de escritórios de multinacionais que queiram aproveitar um custo de vida e mão de obra ainda competitivos na Europa.

Parlamento (1885)
De qualquer lugar onde se esteja, de Buda ou de Peste, mas principalmente de Buda, o edifício parlamentar - de monumentalidade anormal - acompanha-nos, e nós a ele, a cada passo, a cada desvio de cabeça. Se olhado da margem direita do Danúbio ou da colina sobranceira ao rio - do Castelo de Buda ou da Estátua da Liberdade - o edifício ressalta o majestoso. Visto de noite, estratégica e profusamente iluminado e rodeado pela escuridão envolvente, é gigante. Magnífico. Encantatório. 
Navegamos pelo Danúbio - por esse mesmo, o da valsa de Strauss que tanto passado nos traz - já noite cerrada por ambas as margens e entre pontes (7) e aquele ex-libris maior húngaro impõe-se a qualquer radar. Por mais que queiramos ‘fotografar’ outros ícones - e há-os - o olhar volta sempre à casa de partida.
Por dentro… bom, por dentro supera a imaginação, a nossa, porque outros em tempos a tiveram.
Em cada detalhe há época, há arte, há arquitetura, há bom gosto. Os olhos arregalados regalam-se com o que vêem. Poisam em tudo e demoram-se no todo e nas partes. O recinto da Assembleia, não sendo especialmente grande, é, contudo, especialmente bonito. Há um outro espaço (no photos) onde apetece ficar mais tempo: Sala da Cúpula. No seu centro é guardada a coroa real. Esta sala é de uma beleza rara, harmoniosa e absorvente.
Todo o resto visitável - desconheço a percentagem no todo - obedece ao mesmo padrão estético e artístico: câmaras e antecâmaras, corredores, galerias, chãos, tapeçarias, vitrais… um deslumbre para o olhar e um deleite para a mente.
(Copiado) - "A Santa Coroa da Hungria, também conhecida como a Coroa de Santo Estêvão, foi a coroa utilizada nas coroações do Reino da Hungria na maior parte de sua existência; os Reis foram coroados com ela desde o século XII"

Ópera Estatal Húngara
Um destaque exaltado para esta obra de arte.
Uma pepita dourada que as duas guerras pouparam.
Obra datada e requintada, só possível em tempos imperiais.
(copiado) - "A construção do edifício aconteceu entre 1875 e 1884 e foi financiada por Francisco José I, imperador da Áustria e rei da Boêmia, com a condição de que esta não fosse maior que a Ópera de Viena"
Embora de volumetria invulgar, este Monumento é digno de um espaço exterior mais amplo para melhor se distinguir de outros mais comuns. Não se destaca, como devia, ao passarmos na famosa avenida Andrássy que lhe dá acesso. Visto de fora e de frente, depois de conhecida a monumentalidade circundante, o edifício não impressiona especialmente mas, por dentro… ah, sim, um encanto. As áreas exteriores, o Hall, de apoio à grande sala, ao Auditório, decoradas com desenhos, pinturas e esculturas da época - tudo bem conservado! -, maravilham quem delas se abeira. As carpetes grená que nos atapetam aos andares superiores, ladeadas de mármores de Carrara impecavelmente polidos e brilhosos, encimadas por lustrosos e majestosos candelabros que bem lá do alto jorram luminosidade, convertem a mente do comum chegante elevando-o à categoria real. Preparam-no para o que virá a seguir. Embora temporária, esta transformação mágica sabe bem. Experimentam-se por minutos outras vidas.
E entramos na grande nave, no Auditório, onde habitam os deuses do Olimpo. Assim parece.
De repente o silêncio e a estupefação apoderam-se de quem chega, algo esmagado diante de tanta grandeza e beleza. O olhar meio petrificado desliza lentamente percorrendo cada milímetro. Do topo da boca de cena de um palco a ocupar toda a frente, caem enormes panos vermelho aveludados de cor forte e nobre. Sobe para os camarotes dourados e fundo grená, e sobe ainda mais até à cúpula central do teto da sala, deixando-se encadear pela luz e pelo lustre grandioso a iluminar abundantemente tudo e todos. Ainda marejado, o olhar vai descendo para o distinto camarote real. Aí fica por algum tempo a imaginar a presença do monarca a escutar líricas, enquanto nobres, duques, duquesas e princesas e alguma plebe ovacionam de satisfação o desempenho dos tenores e das sopranos. Depois de se demorar mais um pouco no outro lado, o olhar desce à plateia hipnotizado pelo vermelho púrpura das cadeiras. Ainda com tempo para ir ao fosso da orquestra e adivinhar a execução exímia dos instrumentistas, vai a seguir repousar no centro da nave. Aí, sentado bem no meio, a olhar a cúpula colorida e abrilhantada pelo enorme lustre, salta lá para trás no tempo para a companhia da Sissi que do seu camarote assiste connosco à ‘La Bohème’ de Puccini (esteve aqui em cena a 3/12).
Um miminho de um pequeno trecho de uma opereta oferecido no final da visita, executado por dois cantores residentes mesmo no pátio da escadaria de acesso ao auditório, entusiasmou as centenas de visitantes e deixou vontade de assistir a óperas inteiras por cá. Assisti empolgado da balaustradas superior com uma vista privilegiada.

BudaPeste em Dezembro.
Mercadinhos de Natal.
Tempo frio (-1) e chuva, alguma, muito pouca, neve e gelo foram companhia diária. Sendo que em todos os interiores - transportes, restaurantes, hotéis, museus, Ópera, Parlamento… -, o aquecimento mecânico esteve sempre ao melhor nível. Se por um lado as características atmosféricas condicionaram a circularidade, por outro emprestaram por antecipação um ambiente natalício. Os Mercadinhos de Natal, os nichos de encontros - mais participados que os dos nossos dos Clérigos ou da Ribeira -, os centros principais apinhados de forasteiros e as luzes de Natal a enfeitar e iluminar os prédios, as ruas e as gentes deram o principal: animismo, agitação, alegria e um caloroso sentimento de partilha a todos que ousaram viver o momento. Estive entre os demais e gostei francamente. Um copo de vinho quente saboreado ali mesmo no meio da multidão com a Maria, a Grace e a Branca afugentaram o frio e a chuva e abriu sorrisos a quatro.
Admito que idêntica visita em pleno verão - desaconselhável nos meses mais quentes por calor excessivo, referiu quem sabe -, possa dar uma visão dos mesmos lugares mais participada e completa. Quem sabe um dia…