Nasci nos anos ‘50, ainda a escutar os ecos do troar dos canhões a reverberar nos corações, nas almas e na vida das gentes, da minha gente, e de cujas bocas saiu a morte de milhões. De pessoas como nós. Fui poupado, então, às incertezas que fustigavam o renascer dos adultos.
Habituou-se essa minha tenra idade a aceitar sem queixumes as precariedades existenciais que as sequelas da II guerra semeou até ao mais recôndito recanto. Até aqui. Míngua que se alongou no tempo por mais umas décadas.
Habituei-me, também, a temer como possível outras novas guerras em horizontes vários, quando comecei a percepcionar que a vontade de abocanhamento continuaria voraz. O caos generalizado, a desestruturação em que ficaram mergulhadas as nações e as sociedades, as indefinições e fragilidades políticas, nomeadamente em zonas apetecíveis às partes famintas, enfeitavam o bolo e aguçavam ainda mais os apetites.
Por via das armas, obviamente…
Os países democráticos de um lado e os ditatoriais do outro degladiavam-se, tantas vezes em campo aberto, à conquista de mais territórios para incremento de zonas a influenciar: Coreia (1950-1953); Argélia (1954-1962); Mísseis Cuba (1962); Vietname/Laos/Camboja (1964-1973); Israel (1967); Afeganistão URSS (1979-1989); Irão-Iraque (1980-1988); Malvinas (1982); Golfo (1990-1991); Chechênia (1994-1999); Países colonizados (estive num deles)... estavam na wishlist. Em escala regional, é certo, mas numa escala de guerra, certo também.
O fim da URSS nos anos ‘90, destronava(?) a crença comunista. O lado liberal apressava-se na corrida. Timonava o mundo. A China de Mao Tsé Tung redefinia-se também.
Uma onda de otimismo varria o mundo e imprimia nas suas gentes uma outra onda de acelerada mudança em vagas regionais sucessivas. A Paz e a prosperidade eram o alvo. O simples cidadão sentia-se convertido em Cidadão do Mundo. E andou pelo mundo.
Os ‘filósofos’ sociais - everyday, everywhere - entusiasmavam as gentes e os mais perspicazes advertiam para a falsa solidez do bem estar geral, ao acompanharem com mais astúcia e distanciamento os centros de poder em formação.
Os alertas dados não foram, contudo, suficientes para retirar as pessoas do conforto em que já viviam, anestesiadas por uma imprensa acéfala que lhes aumentava a cegueira.
Na antiga Jugoslávia (1991-2001) - zona de nacionalidades difusas - a clarificação demorava e levaria à morte muita gente.
Afeganistão EUA (2001-2002) e Iraque (2003–2010), - permeadas pelas Twin Towers (2001), estremeceram as crenças dos ‘Bon Vivant’, mas a avidez pelo usufruto dos dias e pela alegre vontade de bem viver, rapidamente fez esquecer as suas causas e reconduziram as grandes maiorias ao conforto.
Putin, qual chinês paciente, escondido no silêncio dos inocentes e dos incautos, ia tecendo meticulosamente o ardil onde iríamos cair. Com o poder do dinheiro, rodeou-se de ‘gente boa’ e todos urdiram a teia. Peça a peça.
(um dia se saberá melhor o conteúdo da teia)
E chegou o dia G
Guerra
Guerra
Guerra
O que há décadas nos habituamos a pensar como inadmissível, impossível mesmo, bateu à porta do mundo com um estrondo tal que acordou toda a gente.
As imagens que nos chegam são...
... não há léxico bastante para expressar o turbilhão dos sentimentos humanos há muito destreinados.
Ao acaso, ou talvez não, seleciono este
desumanidades
Ansiosamente, fico à espera do Day After.
Por último,
Sabemos bem de que lado está o ocidente - salvo algumas estranhas excepções - e o porquê.
Sabemos bem o porquê do tocante acolhimento dado aos ucranianos.
Mas aqui apetece-me elevar bem alto a
bondade
irmandade
generosidade
humanidade
bem audíveis nas expressões vocais e melhor vistas nos gestos abnegados de tanta gente.
Há esperança.
Dias melhores virão.