sábado, 17 de outubro de 2020

“Pelos caminhos de Portugal…” - Alentejo



Foi mais um banho de imersão razoável, rural e urbano, pelo sempre renovado e apaixonante Alentejo (Elvas, Vila Viçosa, Borba, Estremoz, Évora e Beja).


Gosto mesmo do Alentejo. Começou a impressionar-me nos idos anos ‘70 e continua um íman com atração crescente. Volta e meia e aí vou eu meter quilómetros nas suas longas retas ou serpentear pelos lugarejos mais incomuns. Desta vez disse ao GPS que não queria autoestradas. Consegui, assim, encontrar novos pontos de interesse. E as novidades, tantas, com a ajuda da vegetação desnudado e tonalidades outonais em pano de fundo, estavam lá como que à espera de se mostrarem.


É certo que este Alentejo me agrada mas é certo também que não me deslumbra; prefiro outro, sim, aquele que se fixou no meu imaginário.

Distantes vão os dias tórridos de verão que fogueiam quem lá vive ou quem por lá passa. Distantes as pacatas searas douradas revezantes com as de penteado ondulado pelas brisas escassas. Distante a imagem de trigais fartos e espigas a desbulhar. As sinfonias das cigarras, então tocadas em vivace, estão agora em pausa ou, talvez, a serem ensaiadas para a próxima temporada. Os decrépitos ninhos das omnipresentes cegonhas espreitam lá de cima a chegada de um novo ou conhecido dono que os refaça para receber a nova criação. Os campos, exangues pelo último esforço, repousam com a promessa de mais e melhor. Lá pelo meio, à espera de um olhar que a encontre, a minúscula casinha branca, realçada pelo azul e pelo ocre vistosos, perdida no espaço e no tempo, quebra a monotonia da paisagem ao avistador, satisfaz-lhe a curiosidade e perpetua a tradição secular. Os sobreiros, refúgio amigo dos animais, recortam a planura e suas sombras alongadas definem a estação. As colinas, numa morfologia regular, modulam o horizonte com um traço sinusoidal harmonioso. As lagoas sequiosas de tanto fartar sedentos aflitos, aguardam pacientes a nuvem escura crentes de que suas águas as saciarão mais uma vez. O pastoreio ovino e caprino, cabisbaixo, de chocalho feito instrumento musical, procuram os últimos tocos do feno que os bovinos enjeitaram. Os suínos deglutem apressadamente as bolotas que o céu lhes atirou e fuçam desperdícios à sorte.

Há vida por ali.


Há outra vida, muita vida, filha de outros tempos, os nossos, que engrandece o novo Alentejo.

(não vem ao caso, por ora, o lado da sustentabilidade)

É bem consolador observar a pujança bem evidente do setor agrícola. É grandioso vaguear, agora, por entre alternâncias de vinhedos, de olivais, de sobreirais, de searais, de lagoais, de animais... 

Está mais diversificado e rico este nosso Alentejo.

Os vinhedos, alinhados em parada militar, matizados de roupagem policromática, como que acabada de sair de uma qualquer tinturaria para alegrar estes dias, descansam hirtos e silenciosos. Extenuados, em fim de ciclo, deixam cair a folhagem num derradeiro adeus, não sem antes nos mimosear com bailados em suspensão e de imobilizante coreografia.

A oliveira, essa planta ancestral e bíblica e com pretensões dominantes em toda área, impõe-se às demais tal é a vastidão do seu plantio. Vergadas pela abundância e pelo peso do seu fruto em amadurecimento rápido, forçam o olhar do passante; impõem-lhe velocidade lenta para que valide sua vitalidade e antecipa, via pavloviana, o prazer de refeições bem gostosas condimentadas com o seu azeite dourado e virginal. A anteceder esse ainda lhe dá um outro: o da saborosa azeitona curtida.


Tivesse eu o engenho e arte de outros e não seria difícil fixar tudo isto em tela.


Se distante está o verão, mais distantes ainda se sente a ausência do tapete verde, macio, que a primavera lá trás por ali estendeu.


Ou seja, o Alentejo continua no seu lugar: sempre novo, sempre velho, sempre em transição. E é tudo isto e muito mais - em cada incursão seleciona-se uma variante - que o torna fascinante.


Encantou-me Vila Viçosa. Destaco o lugar por mérito próprio.

É a segunda vez que lá vou. Da primeira, há muitos anos, retive boa recordação embora os muitos anos tivessem apagado o pormenor que agora recuperei. Evidentemente, o Paço Ducal de Vila Viçosa dos Duques de Bragança desde o séc. XV e edifícios conexos com ele relacionados, dominam o sítio e continuam a ser o centro das atrações.

Merecidamente, acrescento.


Na linha da sucessão dos Bragança, D. João IV assume o reinado na revolução 1640. Séculos mais à frente, o Rei D. Carlos, também herdeiro dos Bragança, saiu daqui para Lisboa onde viria a ser morto em Fev/1908. Seu desaparecimento determinou o início da República em 1910. Aqui viveu a Dinastia de Bragança por quem passou muita da nossa história. E a Vila não desmerece esse legado. Provavelmente dos sítios alentejanos melhor conservados.


Pela famosa A2, a partir de Castro Verde, segui para  um banho Algarvio.

Mas isso seria outra história. Boa história.