sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

"Vietnam, Laos e Camboja", com a PLV


«Escrever uma história do mundo é algo ridículo. A informação é demasiado [...] as probabilidades de erro tremendas. [...] não ter uma ideia da história do mundo é ainda mais ridículo»
Andrew Marr em 'A História do Mundo'

17NOV2018 a 01DEZ2018

I) Antes da Viagem

Vietnam, Laos e Cambodja: Forçando virar a orelha da  página de um tempo encapsulado.

Há acontecimentos tão intensos, tão dramáticos, tão mortíferos, tão cruéis, tão absurdos que marcam indelevelmente as gerações que os vivem e as páginas mais negras da história da humanidade.

Julgava-se que o desrespeito, as atrocidades infligidos ao Ser Humano, a banalização da morte tinham atingido o seu pico mais alto com os 50 Milhões (70?) de mortos e indeterminado número de estropiados na II Guerra;

Desejou-se que o sono pesado desses mortos mantivesse despertas as consciências dos vivos;

Pensou-se que os machados de guerra tinham sido enterrados bem lá no  fundo;

Sonhava-se, após essa vivência dramática coletiva, que os povos reunidos na ONU, encontrariam consensos para um rumo digno e seguro;

Acreditou-se que a partir daí o valor da vida contaria, condicionaria e determinaria em definitivo as grandes opções;

[Ago’2018
Papa Francisco proclama Urbi et Orbi que doravante a "Igreja considerará inadmissível a pena de morte" (até então aceitava-a em algumas circunstâncias).
1791, Declaração Independência EUA: “todos os homens são criados iguais e têm direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade”]

Apostou-se que as cotações da harmonia e do bem-estar geral tinham ultrapassado as do vil metal;

Vaticinou-se um futuro promissor de paz e concórdia;

Avaliou-se que a temperatura relacional baixara para níveis suportáveis…

mas não,

a disputa, pela supremacia mundial por parte dos dois grandes regimes detentores do poder de então - capitalismo, versus, comunismo -, encontrou aqui motivações bélicas 'inultrapassáveis' e fez esquecer aos contendores, novamente, do caminho que havia sido percorrido: voltaram, sem hesitar, a pegar em armas para dizimar mais milhões de seres humanos nestes três países: Vietname, Laos e Camboja.

Aqueles intermináveis dias de holocausto que nos entravam pela porta adentro diariamente em doses maciças muito mediatizadas, acirradas e cruas, apanharam-me em cheio na minha fase de fim da adolescência e princípio da adultez e, angustiante à época, a fazer a mochila para, também eu, pegar em armas.

Meio imberbe para o mundo, para este mundo sobretudo, o monstro bateu-me à porta com estrondo, entrou sem cerimónia e ia-me deixando tonto.

Perceber o que se passava lá e cá - e tinha de entender rapidamente até para dissipar a tontez e preparar-me para dar o corpo às balas - era tarefa hercúlea e nada pacífica; saber que viria a ser, cá, um agente dessa confusão - para dizer o menos - só adensava a complexidade das questões.
As interrogações sobrepunham-se, atropelavam-se em catadupa sem um fim à vista.

O dia-a-dia dessa guerra medonha, vivida em direto, com estilhaços a atingir todos em todo o lado, foi contada e recontada com visões multilateralistas, sobretudo do lado americano, em que pouco ficou por dizer.

O cinema desempenhou aqui um grande papel informativo e opinativo com filmes marcantes: ‘Good Morning Vietnam’, ‘Nascido para Matar’, ‘O Caçador’, ‘Apocalypse Now’, ‘Platoon’ (estes vi).
The Vietnam War” - A NetFlix tem um Série com este título (10 episodios de +/- 01:30 cada), onde documenta, reflete e gera opinião sobre o antes, o durante e o depois com bastante clareza. Um compacto de 14 horas de boa e sustentada informação, emitida em 2017, com uma distância crítica que se assinala.
A NetFlix tem muita documentação sobre esta zona, incluindo do tempo da IndoChina.

Saltando para os dias de hoje e deixando que a história continue a falar por si, a afinar e a lembrar tudo o que se passou.

Não raramente o vento passa e abana as folhas dessa tragédia, deixando a pairar uma sombra com alguma negritude ainda.
A simples audição da palavra Vietname, faz tocar campainhas meio enferrujadas na cabeça de muitos e acorda temores engavetados.

Entretanto,

os povos desses países, com as dificuldades e incertezas que sempre subjazem a um pós-guerra, desafiaram-se por trilhos novos e prosseguiram seus caminhos adaptando-se às novas realidades com que o futuro sempre surpreende.
Cada um deles vive agora senhor de si, à sua maneira, experimentando democracias próprias, escolhendo de entre o espólio de eras mais tenebrosas o rumo que julgam ser o mais certo.

Vou até lá tentar ver: que ar agora os oxigena; se há feridas de outrora e o estado delas; o seu modus vivendi; admirar aquela morfologia asiática que de há muito seduz o ocidente; conhecê-los liberto de filtros alheios.

Não vou mais à espera de encontrar as imagens apocalípticas que, nomeadamente, o cinema consagrou, mas sim de países que, de forma mais certa ou errada, se soergueram a pulso, por vezes ensanguentados; de povos com um longo percurso ainda pela frente - nisto igual a todos nós - mas, acredito, com a mesma coragem.

II) Depois da viagem

Preâmbulo

Ainda a respirar os ares orientais ali do lado (http://dinamico-dinamico.blogspot.com/2017/10/china-classica-com-plv.html) - que, suspeito? continuarão a pairar por estas bandas como uma nuvem presa por um cordel -, vim até aqui novamente para revitalizá-los e acrescentar-lhe mais alguns.
Suspeito também que desta vez a nuvem se arrioste melhor garantindo-se por um tempo mais duradoiro; vou cuidar para que a ferrugem não chegue à arriosta e guardar a nuvem na minha cloud, assim bem cheia.

Quinze dias apenas para ‘fotografar’ três países, aconselham desde logo a que se leve na bagagem óculos graduados e, opcionalmente, polaroides: foi o que fiz.
Equipado, como se exige aos bons batedores, lá fui, animado, ainda que as expectativas que levava na mochila fossem bastante baixas: de países com PiBs entre 2/3 mil usd, só se pode esperar dificuldades.

Considerações gerais

Deixei deliberadamente passar alguns dias sobre o terminus da viagem antes de pensar este draft para dar tempo a que, pela peneira, passassem os grãos mais finos e ficassem apenas as pepitas mais valiosas.
Porque as há grandes e boas.
Mais de quarenta horas a voar bem lá em cima para atingir zonas de bom garimpo, é um preço justo a pagar.
Já agradeci ao Poeta o ter-me cedido sua alma por empréstimo - aquela que adoça a realidade -, para registar (quase) tudo sem ferir muito a minha.
Devolvê-la-ei lá mais para diante… sine die.
As notas aqui (des)alinhadas, sem grandes rigores literários ou conceptuais, resultam da vontade de deixar registados os imputs mais impressivos, dos que afinal no futuro mais lembrarei: os meus.

A viagem

a) Visão de conjunto dos 3 países
b) Visão por país
c) Cidades e locais inesquecíveis
d) Diversos
e) Considerações finais

a) Visão de conjunto dos 3 países

Porque têm um passado secular muito igual e por vezes comum, vou pensá-los, por ora, como um todo.
Para azar dos seus povos - em especial dos do Vietname (mais litoral) - estes países gozam de uma excelente posição geo-estratégica, nomeadamente pelos ganhos de tempo no trânsito de commodities que circulam entre o índico e o pacífico -, posição que os tornaram (e tornam) alvos permanentes da cobiça internacional pelo controlo marítimo da zona.
Recuando apenas ao tempo colonial francês - findo em 1954 - nunca estes povos tiveram sossego: atrás de um explorador outro veio. Atrás de um dominador outro veio. Sempre.
E sabemos como se comportam: políticas extrativas rápidas e nunca repositivas ou estruturais. Levam o que há como uma rede de arrasto. Quando não há bens transacionáveis (ouro, prata, jóias, especiarias… matérias primas), traficam humanos.
Os franceses no seu tempo, reuniram os três países num só - a que chamaram IndoChina (territórios a sul da Índia e da China) -, para fazer esquecer aos seus habitantes os seus nomes e os sentimentos nacionalistas (nação: local onde  se nasce) que os uniam, e agilizar o ‘saque’. Destruíram, ainda, perdulariamente, o que quiseram. Praticamente tudo a começar pelos ícones históricos onde assentava a memória colectiva destes povos.
A seguir aos franceses lutaram pelo pedaço os americanos e soviéticos…
… o que os levou à revolta.
Fartos de trabalhar para estrangeiros extratores e sobreviver sob o pesado fardo dos seus impostos (expatriados), juntaram forças e liderados por Ho-Chi-Minh, forçaram um basta, vindo a readquirir a independência (em 1975) depois de muito sangue semeado nos pântanos e florestas e milhões de mortos sacrificados.
Até aos invencíveis americanos resistiram (15 milhões de bombas aí despejadas - mais 10 milhões que na 2ª guerra…) com inteligência e valentia inimagináveis.
Obviamente que esta ‘coragem’ só foi possível depois de uma segunda guerra clarificadora de lados e ambições e sobretudo pela nova onda anti colonial e independentista então estimulada pelos dois blocos.
Obviamente, também, os apoios logísticos e militares de ambos os lados foram decisivos para a prossecução da guerra e enriqueceram  os lobbies da indústria do  armamento.

[Um dos companheiros de viagem (55 anos) durante o longo voo de regresso (15 horas), naturalmente perturbado com tudo o que viu e ouviu - de que lhe resultou uma consciência machucada e em fase agitada de reavaliação -, argumentava pensativo comigo (depois de saber que eu tinha estado na nossa guerra em Angola): “não compreendo a guerra; seria incapaz de a fazer”, dixit. Sem esquecer o meu longínquo endorsement militar retorqui: “concordo em termos pessoais. Individualmente ninguém a defende ou muito menos a quer fazer. Mas a questão aqui vai para além do particular. Se vivesse nestes países e vendo o seu futuro, dos filhos e dos netos irremediavelmente hipotecado, condenados a serem sempre de outrem, duvido que não pegasse em armas para o resgatar. As mortes vêm depois”. 
Seguiu-se o Silêncio…]

Passados uns tempos longos de miséria extrema, sem qualquer apoio financeiro do mundo capitalista - muito menos do comunista que não alinha em peditórios -, estão finalmente, ao que parece, num processo de crescimento económico sustentado, embora lento, pela valiosa indústria turística (Chineses, Japoneses, Sul Coreanos, Europeus…), energética (hidroelétrica) e outras que o ocidente procura pela mão de obra barata (mais barata que a chinesa).
Visivelmente, de momento, as preocupações ambientalistas praticamente não existem; privilegiam o crescimento económico a todo o custo - ainda não o social - e em resultado o plástico e outros detritos abundam em cada canto.
Fiquei com a convicção que antes de melhorar nesta área ambiental ainda vai piorar.
Observa-se uma monótona pobreza, extrema pobreza tantas vezes - urbana e principalmente rural - mesclada com oásis modernistas de gostos livres, sem (aparente) controlo.
A necessidade da recuperação acelerada do parque habitacional, está a levar à descaracterização daquele oriente tal como o conhecemos, substituindo-a pela do ocidente e de mau gosto.
Lamentável.
Qualquer dia o mundo fica igual.

Reerguer estes países de grande dimensão territorial e humana - em 1975 eram ⅓ do que são hoje -, ainda no rescaldo do pós-guerra e ostracizados pelo mundo capitalista, será bem complicado e demorado.
Quantas gerações passarão ainda por esta difícil etapa?

Que mal fez ao mundo esta gente para tão duramente ser castigada? - inevitável pensar.
Que méritos especiais transportam os ocidentais - nós - para serem agraciados com o lado bom da vida?
… nem sempre foi assim, claro.

Suas gentes - heroínas sobreviventes - são de uma simpatia e afabilidade inultrapassáveis.
Apesar de conviverem diariamente com a pobreza e até miséria não desistem do seu quinhão ou sonho de felicidade, do direito à vida agradável e olham-na com um sorriso esperançoso no rosto e coragem inquebrável.
Até parece que a guerra não passou por aqui!
Até parece que o seu ferrete não os marcou!

Nos anos ‘60’ do século passado as novas gerações ocidentais, nascidas já no pós guerra, deram o seu grito de Ipiranga e com os movimentos hippies reivindicaram nova vida, novo recomeço.
Conseguiram.
Aqui, passados que estão 40 anos, nada aconteceu. 
O Ipiranga está sonolento.

Tentei fechar os olhos ocidentais e olhá-los com os locais para ver com algum distanciamento outras vidas, outras culturas; tomar um banho de imersão de terceiro mundo.
Não é fácil… usei várias vezes o escafandro e quase sempre o tubo de respiração que levava na mochila.

b) Visão por país

i) Vietname
A carga negativa que o nome carrega continuará à tona por aí por mais alguns anos. Desombrar-se-á apenas com o desaparecimento das gerações testemunhas, com a democratização do país e com o crescimento económico.
Será muito mais demorado com as velhas carcaças e respectivo séquito alapados ao poder.

Até ao fim da guerra a sua história é conhecida.
Depois também, mas ver in loco como tudo aconteceu e acontece, têm um adicional tangível inigualável.
Ter um relato na primeira pessoa, longo, de dias, de alguém que viveu tudo por dentro até aos dias de hoje -  testemunha viva - foi um benesse rara.
(Tang, 69 anos, arquiteto, guia local, homem do partido).
Mais verdade que ficção foi assim nos últimos tempos.

[Tang, o Guia: "houve um tempo de racionamento (1975/1986) de 0,5 kg de carne importada para o trabalho braçal/mês. Hoje é player mundial de alguns produtos primários"]

Entretanto suas 93 milhões de pessoas acantonam-se principalmente nas grandes cidades resgatando-se da vida ainda mais difícil, porque mais desapoiada, longe delas.
Procuram aí, num contacto maior com a frente daquele outro mundo resolver melhor seu dia-a-dia.
Das muitas interrogações que levava poucas foram respondidas e mais acrescentadas.

Curiosidade:
Alfabeto latino introduzido por missionários portugueses no séc XVI, único no mundo asiático.
Expressam-se, escrito e falado, por monossílabos. A sonoridade falada é que define a significação e os acentos o escrito.

ii) Camboja
Um dos países mais pobres do mundo!
O enunciado da simples frase assusta e faz baixar todos os níveis; imprime respeito e consideração por tudo e por toda esta gente e pela maneira como vivem.
Para além do que é conhecido e que vai passando nas gordas do mundo, o que vale mesmo a pena sublinhar a bold, é a era dos Khmers Vermelhos, do crápula e sanguinário Pol-Pot (1975/1979). Sua política de exterminação marcou a ferro, fogo e sangue as consciências de todos os cambojanos e do mundo.
O genocídio atingiu milhões: metade da população, diz-se.

Não se podendo falar propriamente da introdução de uma ideologia mas antes do assalto ao poder para uso próprio, Pol-Pot mandou matar todos os descartáveis académicos, toda a gente que soubesse ler e os velhos.
Elegendo a agricultura como principal fonte de rendimento, queria dos mais jovens força braçal.
Esta mortandade teve até hoje consequências terríveis:
a idade média ronda os 21 anos!
a juventude, incitada ainda pela (compreensível) triste memória dos progenitores, não quis e ainda não quer estudar!
70 % da população é analfabeta!
não há segurança social nenhuma!
não há, sequer, impostos (nenhuns) para a sustentar!
(visitamos uma ONG - Artisans AngKor - dirigida por uma armeno-portuguesa - Nuné Alexanián - que está, no seu dizer, a obter resultados)

Para afastarem Pol-Pot do poder pediram auxílio externo ao Vietname e, ironia das ironias, tentaram os Vietnamitas - eles mesmo com um historial de lutas pela sua própria independência! - dominar e anexar os cambojanos!

As sociedades são mesmo insanas, insaciáveis e cruéis.

Como sair daqui?
Até agora não conseguiram ainda, nem se perspectivam facilidades, mas vêm-se luzinhas verdes a cintilar no escuro.
Oxalá consigam, a bem das pessoas.

iii) Laos
Terra dos Monges.
O menor dos três em população (7 Milhões), o segundo em território (236.000 Km2) e com um PiB a meio de ambos (2.500 usd), tem na agricultura (arroz), no turismo e na produção de energia hidroelétrica (quase 50 barragens) - que exportam para todos os países vizinhos -, os seus motores económicos.
Com um passado idêntico aos outros dois foi igualmente assaltado por invasores exploradores e recentemente condicionado pelo sistema político - e pela onda da economia mundial, claro -, que os mantêm no estado letárgico onde se encontram.
As dificuldades para sair daqui são muitas, idênticas às dos vizinhos, e têm por isso dinâmicas económicas muito iguais.

c) Cidades e Locais Inesquecíveis

i) Hanoi e Ho-Chi-Minh (ex-Saigão)
Duas cidades incríveis e irresistíveis.
Com uma população residente a caminho dos 20 milhões que aqui se refugiaram; sem empregos ou empregos criativos (desconhecido o conceito precário); salários pouco acima dos 100 usd; muitos filhos (+ de 10 é frequente); idades médias (do país) pouco mais que 30; transportes públicos impossíveis; ruas e estradas com traçados de ocasião; trânsito infernal ou caótico; motos, motos, e mais motos: milhões; viseiras anti-poluição: obrigatório; (já não se vêm bicicletas), obriga-os a uma ginástica diária com recurso a golpes de rins desconhecidos por cá.

Vê-los a atuar, a desembaraçar, a desenrascar, é daquelas sessões que nenhum cinema consegue reproduzir na dimensão certa.
Vale a pena alugar uma varanda ou janela e observar a destreza como se locomovem.
Mas, mais aventureiro, e interessante também, é misturarmo-nos com eles e fazer como eles: passar de espectador a ator.

Espantosamente e depois das primeiras titubeantes misturas por entre eles, até foi fácil a inclusão: basta imprimir ao nosso ritmo de marcha um ritmo não hesitante que passamos a ser apenas mais um a encaixar-se na onda. É um movimento colectivo a várias velocidades mas de sincronia perfeita.
Apesar de se deslocarem milhões - pedestres, rickshaws, motorizadas, carros particulares, de mercadorias e outros em movimentos cruzados ou opostos e a várias ritmos, a coisa funciona com uma eficácia surpreendente. Um relógio suíço de corda analógica matinal e de funcionamento estranho.
Inacreditável, mas não vi em todo o tempo que por lá andei qualquer acidente, por grande ou pequeno que fosse. Um espetáculo suspensoso e hilariante.
A circulação por bus reflete um pouco o funcionamento do todo citadino; a pedestre o pormenor; e a de rickshaw um look  pela bizarria dos labirinto das ruas apinhadas de gente, bazares, lojas abarrotadas com todo o tipo de artigos ‘made in China’.

A vida, as vidas, acontecem sobre as duas rodas das motos para as deslocações, para o street food (eufemismo, claro), para o transporte da vaca ao colchão, mercadorias em geral: tudo, enfim.
De madrugada (às cinco é dia) até noite dentro (às cinco é noite), a cidade cresce e agiganta-se; vê-se, ouve-se, cheira-se e escuta-se plena de vida, enérgica, frenética, vibrante, perto do estonteante (oh poeta, onde andas tu?).
Com a noite chegam as luzes orientais aos prédios altos e os néons aos baixos transformando o escuro em claro, a pobreza em riqueza (não vás embora, poeta), o feio em bonito, as águas do rio antes acastanhadas em espelhos d’água policromáticos.
Já com o dia fechado e as luzes a brilhar lá nos altos, a cidade afunda-se baía abaixo, 'vendo-se' então New York ou, mais perto, Shanghai.

A noite é amiga desta gente (e nossa) e transporta-os (e a nós) para o país da Alice.
É desaconselhável travar-lhes o sonho; deixemo-los sonhar (a eles e a nós).
Por curto que seja o sono, sonhemos todos.

ii) Baía de HaLong - Hanói
[Uma das 7 maravilhas do mundo]

Local de Poesia pura.
Pura Poesia no seu estado mais puro.

Uma pausa no caminho...
Uma viagem pelo universo...
Um salto às origens...
Uma provocação para os sentidos...
Um prazer para o olhar...
Um deleite para a alma...


Ainda de longe as rochas milenares (1969 pinos) emergem das águas como gigantes patudos e sonolentos a sair das profundezas de suas cavernas.
Como menhires lapidados pelo tempo, começam a definir e a marcar o horizonte, cintadas por uma ténue neblina a uni-las numa paleta de cores suaves entre o verde-esmeralda e o verde-tropical, afinadas com uma última pincelada de azul-celeste.
Se por um lado nos sentimos ousados, quase criminosos, por poder vir a profanar este templo da humanidade aqui escondido, por outro somos impelidos a prosseguir - porque já hipnotizados - pela vontade irreprimível de lhes tocar.
À medida que se avança adentro dela outras importâncias vão-se desvanecendo; ela avança para nós soberana e aos poucos vai-se apoderando de nós.
Acredita que não lhe façamos mal e, em retorno, faz-nos esquecer a existência de belezas maiores.
Se das suas margens as vistas extasiam, lá do cimo do menhir sufocam.
Esmagado pela grandeza das imagens que como Majestades tomam conta do horizonte, sentei-me e fiz os zooms que a vontade quis, deambulando pelo tempo e pelo espaço.
A natureza foi aqui criativa na sua construção; exprimiu-se de forma sublime, generosa e benévola para com os terrestres ao permitir que nela se integrassem.

iii) ANGKOR
     Angkor Wat
     Angkor Thom
       Templo Bayon
       Terraço dos Elefantes
       Ta Prohm
[Angkor Wat
O complexo do templo ocupa 81 hectares (os mesmos ha do Parque da Cidade do Porto).
Tem 5 torres, que estão representadas na bandeira do Camboja e simbolizam os 5 picos de Meru.

Angkor Thom
Templo Bayon
Com as suas 54 torres decoradas com mais de 200 rostos sorridentes de Avalokitesvara
Terraço dos Elefantes.
Ta Prohm
Um dos mais belos templos da região, com as enormes raízes entrelaçadas nas pedras dos edifícios]

Opto por pensar estes templos como um todo pois são eles a mostra sobrante de uma era longa (500 anos | séculos IX a XIV) do domínio dos Khmers Vermelhos e também a sua expressão maior.

As Raízes desse Tempo, estão seguras pelas raízes destas árvores gigantes e imortais. Séculos e séculos de histórias nelas se entrelaçam.
Ah, se elas soubessem escrever?... que grandes histórias narrariam!
Pela sua seiva flui ainda um imaginável passado muito vivo, rico e faustoso, com meios humanos e materiais capazes de concluir tão grandiosas realizações.
A importância e o estado degradado destes templos que por imagens navegam abundantemente por todo o mundo, estão a ajudar à sua (lenta) reabilitação. Oxalá continue pois a sua perda seria de lesa humanidade.

iv) Monges - Laos
O objetivo desta peugada por Laos era mesmo o de chegar mais perto dos Monges, do seu habitat, dos seus Templos.
Levava a expectativa de os observar na suas áreas restritas, de os ver em grande número nos seus rituais (à semelhança dos Godspell a cantar na igreja no Harlem/Bronx), mas não, isso não estava previsto no programa, nem sei se o permitem.
Vi-os no exterior por acaso nas suas esporádicas saídas, ficando deles a imagem que já tinha: andando principalmente em grupo, nas suas vestes tradicionais laranja, numa escala de idades aberta; só homens;
Cheguei à fala(?) com um ou outro numa aproximação de simplicidade, de recato e fugidia, porém afável;
Cumpri o dever cívico de lhes oferecer arroz cozido pelas 05:00 da manhã que recolheram silenciosamente;
Assisti a um pequeno ritual oratório num dos templos, notando na concentração do monge o mesmo ascetismo de outras religiões, apenas diferente nos adereços.

Do que se vê com admiração é toda a Arquitetura Templária!
Uma arquitetura única e diferente
da romana: opulenta;
da americana: vistosa;
da ortodoxa: grandiosa;
da muçulmana: grande.


Impõe-se por si mesma quanto ao desenho, estrutura, materiais usados, cores - principalmente cores fortes, garridas (douradas e granã/bordeaux/vermelho acastanhado).
Não são templos especialmente grandes - talvez por serem de madeira - mas são bonitos e originais e no geral bem cuidados.

v) Esconderijos/túneis - Vietname
255 kms deles
São, felizmente, apenas, uma memória viva de outros tempos que estrangeiros apreciam visitar e de que os mais velhos se orgulham em mostrar (uma pequeníssima parte).
Pelo que se sabe e pelo que foi dito uma obra de engenharia pioneira(?) com detalhes de concepção e eficácia raras.
Conceber um projeto para esconder por tempo indeterminado cerca de 60.000 pessoas em estado de alerta operacional, foi um verdadeiro desafio à criatividade e inteligência humanas. E, como se sabe pelos resultados, funcionou perfeitamente durante décadas:
entrada nos túneis por um pequeno retângulo de +/- 60x40 que tapava por dentro como uma escotilha camuflada;
entradas de ar disfarçadas no exterior de termiteiras;
túneis em zize-zague (anti-penetraçao de bombas);
chaminé da cozinha bem longe, com tratamento de fumo;
hospital…
 …um mundo subterrâneo desconhecido a funcionar em pleno, dando vida a tantos!
Alimentam a imaginação mas já não impressionam muito até porque suas gentes já os referem mais como uma evidência histórica.

vi) Rio Mekong
Nasce no Tibete e depois de 4.800 km (o 4º maior do mundo) a receber água de outros 9 e a irrigar tudo por onde serpenteia, despeja, através do Delta de Mekong, kms e kms cúbicos de água no Pacífico (a sul do Vietname, ao largo de Saigão).
Fomos até lá e de barco perfuramos suas águas calmas e pardacentas.
Sua boa navegabilidade favorece a circulação a dragas, barcos de pesca, de mercadorias e de turismo; a foz é centro de um trânsito intenso que tudo ajuda a funcionar.

Obviamente que o nome, Mekon, - palco de muitas batalhas - ecoa até hoje nos tímpanos de muitos. Os meus incluídos.
De qualquer local, colina ou país, por onde se passe, o Mekong anda por perto, oferecendo vistas contemplativas impressionantes.
Apetece sentar na pedra, poisar a mochila terrestre, e ficar a ver a água passar… Simplesmente.
O mundo fica pequeno perante tamanha imensidão. A surpreendente natureza desafia a compreensão humana e fica sempre a ganhar.
De regresso à terra - porque o bus tem pressa -, um pequeno almoço numa colina rodeado de água por todos os lados, deu tempo para gravar em time lapse a ideia.

E o rio vai continuar a correr indiferente às dúvidas existenciais dos humanos.

vii) Bairro pescadores - Camboja
Quando pensava já ter visto tudo, eis que me aparece do nada uma réplica pré-histórica, a mexer, ao vivo e a cores.
Casas em palafita semeadas enseada adentro bordejam as suas margens, animadas de vidas buliçosas umas, descansadas outras.
Aqui tudo acontece sobre as águas. O caminho das pedras é feito ora em barcos-piroga, ora em cópias de caiaques motorizados (com sistema de tração originais), ora maiores para pescador trabalhar ou turista marinhar.

O dia-a-dia dos aí residentes acontece sem pressas. Caminham sobre as águas como se terra firme fosse.

Quem navega rio acima, movido pela curiosidade, cede à tentação e espreita para dentro de suas casas.
Vemo-los a deambular de cá para lá e de lá para cá com a mesma normalidade de um terrestre.
As tarefas domésticas continuam a ser executadas à vista de quem passa; os olhares alheios não os distraem nem os fazem saltar das redes suspensas. Lavam o rosto, os pés, a panela, o soalho e o cachorro na mesma água corrente(!) que servirá a próxima palafita.
(aconselhável observá-los com os olhos do poeta)
Seria bem problemático para o melhor pintor (talvez Picasso na sua expressão cúbica) ou o melhor World Press Photo reproduzir esta paisagem humana pré-histórica.

d) Diversos
i) Alimentação
Uma agradável surpresa.
Numa única refeição é possível ter-se acesso a uma panóplia infindável de sabores que alegram(?) o paladar. Fiquei (quase) fã, mais da do Vietname: do modelo, da cozinha verde, dos molhos (com excepções, claro), do ponto culinário, da escassez do pão (eu que tinha no pão o alimento primário mundial).
O uso do óleo em detrimento do azeite (pela falta dele) conjugada com a riqueza dos temperos, fazem-no esquecer.
… tão diferente da intragável cozinha britânica sempre com um gosto base a gordura de carneiro!
Rice?, please, no.
Estranho que em países arroz-o-dependentes não se tenha cultivado as ‘mil e uma maneiras’ de o cozinhar. Precisam de vir passar umas férias (curtas, são muitos!) a Portugal. Tipo unidos venceremos ou betuminoso? - não, obrigado.
Fruta tropical: siiiim.
Pastelaria: boa.
Café expresso: uma lacuna inexplicável (exportador importante)

ii) Religião
Lá como cá as pessoas, muitas, têm necessidade de uma crença. Ponto.
Dedicam-lhe o mesmo tempo e atenção apenas divergem nos rituais e arquitetura templária. O deus é universal mas com manifestações autóctones ou migradas.
Por estas geografias é mais budismo, hinduísmo… mas a substância é a mesma. Ponto.

iii) Companheiros de Viagem
Não há viagem sem cromos, mas no geral boa gente, unida num objectivo comum: no gosto pelo conhecimento de novos mundos; tolerantes nas questiúnculas a favor do bem estar do grupo (37).
Sem esquecer ninguém, em especial os Companheiros da Viagem China (2017): Francisco, Rosa Maria, Dalva, Piedade, Elsa e António e Amélia, deixo aqui um abraço especial ao ‘G9’: ao Jorge, à Eduarda, à Raquel, às Carlas (Rodrigues, Silva e Guedes), à Grace (+ Branca e eu), que ao interagirmos mais tornou a viagem mais divertida e sempre alegre.

e) Considerações finais
O tempo do assalto pelas armas está demodée; agora é pela via sub reptícia da invisível economia que se tomam os países.
E estes três, Vietname à cabeça, continuam no mesmo lugar estratégico, logo alvos predestinados e apetecíveis dos vorazes e insaciáveis poderosos.

… e o dragão Chinês, ali mesmo ao lado, já está no terreno a envolvê-los com os enormes garrotes que expelem pelas narinas como os tentáculos asfixiantes de um polvo.

Vou tirar da cápsula os tempos idos ou melhor aprisioná-los bem para que não regressem; limpar as tristes teias de aranhas que o emaranham e pensar em evolução e progresso rápidos para que suas gentes tenham uma vida mais digna, mais humana.

A orelha daquela página negra ficou virada e agora escreve-se uma outra: a da esperança.

Em jeito de conclusão:
As suas economias, dos três, de tão débeis ainda atiram bem lá para longe as melhores perspectivas de crescimento e a melhoria da qualidade de vida destes quase 120 milhões de seres.
Desejo-lhes um futuro risonho.



Dados da Guerra
i) Forças do lado capitalista
1 420 000 (1968) - Vietnã do Sul: 850 000 | Estados Unidos: 536 100 (1969) | Coreia do Sul: 50 000 | Nova Zelândia: 552 | Tailândia e Filipinas: 10 450 | Austrália: 7 672
ii) Do lado comunista:
860 000 (1967) - Vietnã do Norte: 690 000 (janeiro de 1967 | incluindo exército e Viet congs) | China: 170 000 (1969) | União Soviética: 3 000 | Coreia do Norte: 300 - 600

Baixas Militares
i) Do lado Cap.

Vietnam Sul: 220 357 - 316 000 mortos e 1 170 000 feridos | EUA: 58 220 mortos, 1 687 desaparecidos e 303 635 feridos | Coreia do Sul: 5 099 mortos, 4 desaparecidos e 10 962 feridos | Austrália: 521 mortos e 3 000 feridos | Nova Zelândia: 37 mortos e 187 ferido
ii) Do lado comunista:
Vietnam Norte + Frente Lib Vietnam: 1 176 000 mortos ou desaparecidos e 600 000+ feridos | China: 1 446 mortos e 4 200 feridos | URSS: 16 mortos
Mortes civis:
627 000 - 2 000 000 milhões Vietnamitas (Norte e Sul) | Cambodja: 200 000 - 300 000 | Laos: 20 000 - 200 000

Dados atuais destes países
Vietnam
Capital: Hanoi (Habitantes: 7.785.000)
Maior cidade: Ho Chi Minh (Habitantes: 10,380,000)
Forma de governo: Socialista. Estado de partido único
Independência de França: 2 de setembro, 1945/1954
Área: 331,230.8
População: 95,540,800
PIB per capita: 3.100 USD.
Laos
Capital: Vientiane
Governo: República socialista unipartidária (Partido Popular Revolucionário)
Independência da França: 19 de julho de 1949
Área: 236 800 km²
População: 6 677 534 hab.
PIB per capita: 2.500 USD
Cambodja
Capital: Phnom Penh (1 501 725) - Centro político, económico e cultural.
Cidade mais populosa: Phnom Penh
Governo: Monarquia constitucional / Democracia Parlamentarista Unitária
Independência de França: 9 de novembro de 1953
Área: 181 035 km²
População: 15 458 332 habitantes
PIB per capita: 2..100
Crescimento médio de 6% nos últimos dez anos
Religião oficial: Budismo (95% praticantes)
O rio Mekong é um dos maiores rios da Ásia, com seus 4.184 km
Corrupção: segundo a TI, é considerado o mais corrupto do sudoeste asiático
Membro: ONU, BM, FMI, OMC, AIEA
Subdivisões: 21 províncias
Moeda: Riel