Escolho a palavra 'interessante' para definir sucintamente esta abordagem aos 'Os Portugueses'.
Sabe a tributo prestado pelo seu autor ao país que tão bem (no seu dizer) o acolheu e pelo qual (no seu dizer também) se apaixonou.
Barry Hatton, correspondente estrangeiro, inglês, a viver em Portugal há mais de 25 anos, enamorou-se pela nossa história, pelas nossas gentes, pelos nossos usos e costumes, por nós.
Embora tenha sido convidado para trabalhar noutras geografias, a todos respondeu com um não por não ter conseguido separar-se desse amor. Amor que muitas vezes não percebe (mas que faz um enorme esforço para entender) e de que é incapaz de fugir. Amor conflituoso, quase amor/ódio, com altos e baixos, avanços e recuos, incompreensões, hesitações, perturbações: amor.
De um ponto de observação mais distante, mais isento - com um olhar inglês -, sem grandes pretensões, ambições literárias, sociológicas ou de fundamentação histórica excessiva, preocupou-se em selecionar os factos que terão influenciado, justificado ou explicado o nosso percurso coletivo, desde a fundação de Portugal até aos nossos dias.
Não é frequente encontrar alguém, de fora, que se deixe entusiasmar, de forma tão abrangente e empenhada e aceitar fazer uma viagem voluntária e entusiasmada pela nossa história, principalmente se feita a partir do coração; isto é, não olhando em primeira mão a proventos financeiros mas mais a impulsos afetivos, de autojustificação e de inquietação e à necessidade compulsiva de expressar publicamente tais afetos, preocupações ou admirações.
Conseguiu condensar as suas interessantes – algumas para nós esmagadoras - conclusões num pequeno livro de fácil leitura que atrai, interessa e prende o leitor.
Optando pelo formato de puzzle, consegue através das suas inúmeras peças retratar e interrogar não só a nossa história, como os nossos usos e costumes.
Consegue colocar-nos em frente do espelho da nossa história.
É verdade que na maior parte do relato nos pincela com tintas bem sombrias, e o quadro final aparece bastante escuro, mas em muitos casos está aceitavelmente pintado, por muito que nos custe e até por vezes doa. Na parte final a tonalidade melhora deliberadamente bastante e as cores mais garridas também têm lugar.
Acredito que poucos portugueses comprassem tal quadro e muitos menos o mantivessem exposto nas suas casas.
Convenhamos que os fatos revelados e relevados não vão muito para além daqueles que são mais do conhecimento dos portugueses em geral mas mesmo assim fá-lo com seriedade intelectual, embora tomando partido aqui e além. Cede num ou noutro ponto em particular nos usos e costumes. ‘Foi uma refeição memorável’, disse no final de um abundante e bem regado almoço tradicional de matança do porco.
Fica-nos a impressão que terá já admitido a hipótese de se naturalizar português.
(se tivesse sonoramente arrotado e, já agora, palitado os poucos dentes exibindo orgulhosamente a unha enorme do dedo mindinho, limpando o farfalhudo bigode e a bem oleada e lustrosa boca às costas da mão gorda e peluda enquanto com a outra coçava as partes, trilhadas de uma tarde de imóvel sonolência, alternando com suaves, atenciosos e promissores beliscões na sua Maria, passaria seguramente e com distinção no teste de novo cidadão português e faria inveja a muitos, 'ditos', portugueses...)
Fica-nos a impressão que terá já admitido a hipótese de se naturalizar português.
(se tivesse sonoramente arrotado e, já agora, palitado os poucos dentes exibindo orgulhosamente a unha enorme do dedo mindinho, limpando o farfalhudo bigode e a bem oleada e lustrosa boca às costas da mão gorda e peluda enquanto com a outra coçava as partes, trilhadas de uma tarde de imóvel sonolência, alternando com suaves, atenciosos e promissores beliscões na sua Maria, passaria seguramente e com distinção no teste de novo cidadão português e faria inveja a muitos, 'ditos', portugueses...)
Quase livro de bolso ou pequeno compêndio de consulta primária e muito acessível.
Não se trata de uma tese sobre a história de Portugal mas tão só de um repositório de lugares mais comuns, de fatos históricos mais relevantes e conhecidos, e que mais o terão sensibilizado.
Mais uma nota, também testemunho pessoal:
Já por duas vezes estive ausente de Portugal - dois anos numa primeira vez e quase um ano na segunda: em 1972/74 e 2000/01. Digo ausente apenas, pois a vontade de regressar esteve sempre sentimental e irremediavelmente presente. Apesar de saber que viver em Portugal é, muitas vezes, viver no fio da navalha, nunca tal porém foi motivo suficiente para abandonar de vez o torrão de origem.
Quando de regresso de ausência mais prolongada começamos a sobrevoar Lisboa, a ver os inconfundíveis telhados coloridos da capital - únicos - entrecortados pelo verde intenso das nossas árvores; a retilínea, imponente e quase majestática ponte sobre o Tejo; a acolhedora estátua de Cristo Rei que, como uma mãe, nos recebe com os seus longos braços abertos; o extenso prateado e suave lençol d'água a separar as duas margens; Almada; as colinas de Lisboa; a zona ribeirinha; Belém, com o seu emblemático monumento aos descobrimentos; a luz do dia portuguesa; o estádio do Benfica, fazendo o conjunto lembrar um vivo e perene presépio laboriosamente trabalhado..., os batimentos cardíacos aceleram de repente e o Home, Sweet Home invade e enche a nossa alma faminta. Uma paz serena toma então conta de nós. Repisar as plataformas do aeroporto é como entrar portas adentro da nossa própria casa com um resgatado e saudoso 'cheguei'.
É ser português, carago!
É ser português, carago!